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Subscrição de atos administrativos superiores ou finais, ordenação de despesa e a subjetividade no controle de contas públicas

ANO 2016 NUM 222
Georges Humbert (BA)
Advogado. Pós-doutor em democracia e direitos humanos pela faculdade de direito de Coimbra / Portugal. Doutor e mestre em direito do estado pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário Jorge Amado e associado ao Brasil Jurídico. É professor orientador no Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Cnpq/Ministério da Educação


28/07/2016 | 4735 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Por vezes tem se verificado, no âmbito das cortes de contas, imputação de responsabilidade solidária a todos os agentes públicos que tenham, em qualquer medida, praticado ato administrativo de celebração, aditivos ou ordenação de despesas ou de pagamentos em contratos públicos, especialmente no que tange aos que titularizam cargos hierarquicamente superiores.

Após a análise e atuação em diversos casos desta natureza, da leitura de determinados precedentes e interpretação das normas jurídicas aplicáveis à espécie, sustenta-se que esta postura, de imputação genérica e sem a demonstração do elemento subjetivo a justificar a inclusão do agente público entre os responsáveis pelo ressarcimento de eventuais prejuízos ao erário, não encontra amparo na ordem jurídica em vigor, ao menos se não forem preenchidos determinados requisitos.

Inicialmente, de rigor delimitar o objeto desta análise aos casos concretos em que, muitas vezes, o agente público é inserido no polo passivo de tomada de contas, incluindo a especial, tendo somente praticado atos legais e legítimos, como os de somente homologar, assinar contratos, aditivos ou ordenar despesas, por dever de ofício e lastreado em devido processo, de alta complexidade, fundado em pareceres técnicos e jurídicos. Em algumas hipóteses, tais agentes, ao proferir atos vinculados de sua competência privativa, os quais, nenhum deles, são decisivos para a alteração na natureza, quantitativos, qualidade, valores ou pagamentos que, em seguida, sejam rejeitados pelos órgãos de controle por causarem dano ao erário.

A tese é que os agentes enquadrados nesta hipótese não podem responder pelos danos ao erário, de modo geral, no todo, isto é, solidário, ao menos sem que haja a demonstração pelo órgão dos motivos, de fato e de direito, notadamente, a delimitação da conduta e do específico dano causado, em quantidade e extensão.

Os dois fundamentos centrais consistem em que, supostos vícios identificados e danos ao erário apontados, precisam ter a devida relação de causalidade com a atuação do agente, para além, que ultrapassa a simples aposição de uma assinatura por dever de ofício, isto é, por decorrência da mera relação formal por exercício de competência. Com efeito, nestes casos, assinar um contrato, um aditivo ou ordem de pagamento é a única conduta possível, mormente quando já ouvidos os diversos órgãos de assessoramento, o próprio controle interno e constante do processo indicativos exclusivamente pela prática do ato.

Há, no caso, o que denomino de inexigibilidade de conduta funcional diversa, que na teoria geral dos atos jurídicos, é excludente de responsabilização. Mais do que isso, apesar de existir formalmente, a relação de causalidade entre ato e dano fica rompida, ao menos quanto ao seu conteúdo, a saber, o de responder pelos prejuízos ao erários, por ação ou omissão, culpa ou dolo. 

Neste sentido, da vedação à simples atribuição de responsabilidade solidária, há decisão do TCU:

... 2. É necessária a comprovação de que o ordenador de despesa tenha agido em conivência com subordinado seu para a sua responsabilização por débito decorrente de ato praticado por este. 3.  Nem sempre o ordenador de contas tem responsabilidade pelo subordinado  [...] AC-2337-11/12-2

Ora, em matéria de responsabilidade jurídica em um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, sempre que quisermos saber quem é o responsável teremos que identificar aquele a quem a lei imputou a obrigação, porque ninguém poderá ser responsabilizado por nada sem ter violado dever jurídico preexistente.

Portanto, transpondo a teoria geral do ato e dos negócios jurídicos, bem como os inerentes aos requisitos de validade do ato administrativo, são elementos indispensáveis para a validade de qualquer responsabilização, inclusive a promovida no âmbito das cortes de contas:

1) ação ou omissão do agente, investindo contra alguém, ou deixando de atuar, ferindo seu direito ou patrimônio, ou seja, um ato contrário ao direito, ilícito. Com atuação dolosa, intenção de causar prejuízo ao erário, ou culpa, isto é, deixar que o prejuízo ocorra, por omissão, negligência, imprudência ou imperícia;

2) nexo de causalidade, isto é, relação de causa e efeito entre o ato ilícito e o dano, e não se diga que assinar o ato final de subscrição do contrato, de ordenação de despesa ou mesmo pagamento desta, as vezes já empenhada anteriormente por outro agente, seria fato suficiente e autônomo para configurar o ato ilícito, e nem mesmo formar relação de causalidade com o supostos atos suscetíveis a reparação, por responsabilização solidária;

3) o dano, prejuízo, com indicação do montante aquém se requer a responsabilidade deu causa e em que medida;  

 

Confira-se, nesta linha, outro precedente da citada Corte de Contas:

10. Nessa última situação, de solução meramente paliativa, evidencia-se verdadeira inversão. A execução física da obra passa a estar condicionada a prováveis desembolsos financeiros, perdendo-se de vista tanto a perspectiva de um empreendimento voltado para o atendimento das necessidades segundo os parâmetros e as técnicas do ramo da engenharia quanto a viabilidade econômica na aplicação dos recursos. Já se sabe de antemão que haverá comprometimento da qualidade dos serviços, com reflexos imediatos na durabilidade e confiabilidade da obra.11. As conseqüências mediatas das revisões de projeto e das paralisações da obra são, como se verifica no caso do Contrato nº PG-179/1998-00, entre outras situações, o descumprimento do cronograma físico-financeiro, com a possibilidade de ocorrer prejuízo ao erário e aos usuários da rodovia, e a oportunidade de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato pelo executante, tendo em vista a alteração das condições inicialmente pactuadas.” AC-2084-49/04-P

Ademais, recentemente, ao ensejo da decisão 3.778/2014, da 1ª Câmara do TCU, a convalidação de atos foi admitida, inclusive, pelo fato de as autoridades superiores terem convalidado os atos dos subalternos. Entendeu a Corte que “[...] não se poder atribuir a gestores [irregularidades] cujos atos tenham predominância decisória e diversa das procedimentais.” No caso em epígrafe, concluiu a Corte, não se poderia esperar que “[...] o Diretor Administrativo e o Diretor Presidente pudessem controlar e conferir todos os atos administrativos lavrados no âmbito do Departamento de Apoio Logístico.

Também por isso que, ainda no âmbito do Tribunal de Contas da União, colhe-se julgado declinando os critérios para a caracterização da responsabilidade solidária, que não é regra, mas exceção:

(...) É certo que, para se estabelecer a responsabilidade solidária, deve ser avaliada a gradação da culpa, levando-se em consideração subordinação, interesse, gravidade, significância ou pertinência da ação ou ato para o resultado prejuízo. Além disso, a culpa precisa ser individualizada de forma proporcional e na medida dos atos de responsabilidade de cada agente. [...]AC-2337-11/12-2 Sessão: 10/04/12 Grupo: I Classe: II Relator: Ministro AROLDO CEDRAZ - Tomada e Prestação de Contas - Iniciativa Própria

Exemplo atual é o rumoroso caso Vice-Presidente da República Michel Temer, no exercício interino da presidência, quanto às denominadas “pedaladas fiscais”, já apreciada pelo Ministério Público junto ao TCU, ao ensejo de consulta formulada por congressista detentor de mandato. No caso, questionou-se se, S. Exa, que assinou o último e um único ato inerente ao se imputa crime de responsabilidade à Presidente afastada Dilma Rousseff. Como o ato do Presidente em exercício se deu de modo contínuo ocasional, por estrito cumprimento de dever legal de substituição, sem qualquer ânimo de decidir ou acompanhamento do processo, considera-se meramente conduta formal, lateral e complementar, jamais solidário ou de coautoria.

Isto também se infere por força da interpretação analógica e sistemática do que disciplina o art. 80, § 2º, do Decreto-Lei 200/1967, em conjunto com razoabilidade, proporcionalidade e teoria geral do ato jurídico e do ato administrativo.

Daí porque acerta o TCU quando consigna que “quando se trata de responsabilidade solidária, que também decorre de lei, é necessário demonstrar que o administrador por ato comissivo (autorização, aprovação, ratificação) ou omissivo, tenha dado oportunidade à lesão. É o que ocorre, por exemplo, com o administrador que age com negligência, imprudência ou imperícia, em que resta caracterizada sua responsabilização, por descumprimento de um dever legal de cuidado...” já que “No âmbito desta Corte de Contas o fundamento jurídico para o reconhecimento da responsabilidade solidária do administrador público encontra-se disciplinada em dispositivo procedimental, nos artigos 12 e 16 da Lei nº 8.443/1992”. (AC-2337-11/12-2)

Em síntese: se o agente público não teve sua conduta delimitada na espécie, e quantificado e qualificado o dano, na medida de responsabilização solidária, porque não alterou, não planejou, não ordenou pagamento sob sua responsabilidade, mas tão somente proferiu atos de ofício e vinculados, após o devido processo legal e técnico, não pode ser futuramente incluso como responsável solidário por má gestão ou desvio nas contas públicas, sendo subjetiva a responsabilidade daquele que subscreveu atos administrativos superiores ou finais ou de ordenação de despesa.



Por Georges Humbert (BA)

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