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As medidas de enfrentamento ao COVID-19 no âmbito das contratações públicas - Breves notas sobre a Lei Federal nº 13.979/2020

ANO 2020 NUM 442
Alberto Higa (SP)
Doutorando em Direito do Estado - USP. Mestre em Direito do Estado e Especialista em Direito Tributário – PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial e Bacharel em Direito – MACKENZIE/SP. Ex-Assessor de Subprocuradora-Geral da República (PGR/DF – MPF) Procurador do Município de Jundiaí/SP. Membro Fundador Associado do IBEDAFT. Membro do Conselho Editorial da Editora Thoth.


26/03/2020 | 3722 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

O novo vírus SARS-COV2, nomeado pela Organização Mundial de Saúde – OMS como COVID-19, variação da família “coronavírus”, foi identificado no dia 31 de dezembro de 2019, em Wuhan, na China.

Rapidamente, os casos de transmissão do COVID-19 foram se espalhando em diversos países, tendo levado a OMS a definir o surto da doença como uma pandemia, que, após pouco mais de três meses, já atingiu aproximadamente 210.000 (duzentos e dez mil) pessoas em todo mundo.

O Brasil, no início de fevereiro de 2020, declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) e, em seguida, o Poder Executivo Federal enviou o Projeto de Lei nº 23/2020 ao Poder Legislativo, dispondo sobre as medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do “coronavírus”, sobrevindo, então, a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2.020.

No que diz respeito, especificamente, às medidas instituídas para o enfrentamento do COVID-19 no âmbito das contratações públicas, pode-se afirmar que o novo diploma legal, na sua redação original, foi bastante tímido, uma vez que previu apenas uma medida, qual seja, a possibilidade de dispensa de licitação, consoante o art. 4º da Lei nº 13.979/20, para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento do novo vírus, enquanto perdurar a referida emergência de saúde pública, observados os deveres de publicidade previsto no § 2º do citado dispositivo legal.

Ora, a crítica à tímida e isolada medida prevista na Lei nº 13.979/2020 para o enfrentamento do novo vírus, no âmbito das contratações públicas, se agrava, haja vista que o nosso ordenamento jurídico já autoriza a contratação direta nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares (art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93).

Em outras palavras, a única medida, inicialmente, prevista na Lei nº 13.979/20, no âmbito das contratações públicas, objetivando o enfrentamento da pandemia relacionada ao COVID-19 se afigurava, a nosso juízo, de pouca efetividade, considerando, como dito, a norma inserta no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, que há tempos já autoriza a contratação direta (dispensa de licitação) para o enfrentamento de uma situação de emergência ou de calamidade pública.

Não por outra razão, a D. Advocacia-Geral da União, tanto no Parecer Referencial nº 00011/2020/CONJUR-MS/CGU/AGU como no Parecer Referencial nº 00266/2020/CJU-SP/CGU/AGU, afastou a indicação do art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, frise-se, plenamente aplicável à situação de emergência em face da pandemia do “coronavírus”, como fundamento legal da dispensa de licitação, haja vista a previsão específica contida na Lei nº 13.979/20. No entanto, recomendou a observância das providências indicadas no art. 26 da Lei nº 8.666/93, quais sejam, aquelas dirigidas, justamente, às hipóteses de contratação direta (dispensa e inexigibilidade de licitação, exceto as dispensas previstas nos incisos I e II, do art. 24), tais como: caracterização da situação emergencial; razões da escolha do fornecedor; e justificativa de preços.

De todo modo, com o agravamento diário do número de casos do coronavírus no País, foi editada em 20 de março de 2020 a Medida Provisória nº 926, a qual instituiu medidas adicionais, no âmbito das contratações públicas, àquela anteriormente prevista, dando nova redação e também incluindo novos dispositivos à Lei nº 13.979/20, cabendo o destaque das principais inovações.

De início, observa-se que na dispensa de licitação prevista no art. 4º da Lei nº 13.979/20, referente à aquisição de bens, serviços e insumos de saúde, com o advento da Medida Provisória nº 926/20, ficou expressa a possibilidade de contratação de serviços de engenharia, bem como a de aquisição de equipamento usado, desde que o fornecedor se responsabilize pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido, tudo objetivando o enfrentamento da pandemia causada pelo COVID-19.

Nota-se, ainda, a flexibilização de algumas regras previstas na Lei nº 8.666/93, de modo a viabilizar as contratações necessárias ao ágil combate ao coronavírus. Nessa direção, o art. 4º F da Lei nº 13.979/20 autoriza a dispensa de apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou, ainda, o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição, quando houver restrição de fornecedores ou prestadores de serviço.

Por seu turno, o § 3º, do art. 4º, da Lei nº 13.979/20 permite, excepcionalmente, a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, desde que se comprove que se trata de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

Entende-se que a situação fática (restrição de fornecedores ou prestadores de serviço ou única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido) que autorize a flexibilização das normas da Lei nº 8.666/93 deve estar devidamente demonstrada nos autos do processo administrativo, sob pena de questionamentos pelos D. Órgãos de Controle.

Houve ainda uma preocupação com a simplificação dos procedimentos, a fim de conferir agilidade nas contratações. Dessa forma, nas dispensas de licitação fundadas na Lei nº 13.979/20 presumem-se atendidas as condições de: I - ocorrência de situação de emergência; II - necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; III - existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e IV - limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.” (art. 4º B).

Além disso, não será exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns, o gerenciamento de riscos da contratação somente será exigível durante a gestão do contrato e será admitida a apresentação de termo de referência ou de projeto básico simplificado (art. 4º C, art. 4º D e art. 4º E).

A propósito, não obstante o art. 4º E estabeleça os requisitos mínimos que devem conter o termo de referência simplificado ou o projeto básico simplificado, dentre eles, a estimativa de preços, esta última, por exemplo, poderá ser dispensada, excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, ou ainda, os preços estimados apurados não serão impeditivos à contratação pelo Poder Público por valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de preços, hipótese em que deverá haver justificativa nos autos.

Nas licitações processadas sob a modalidade pregão, eletrônico ou presencial, cujo objeto seja a aquisição de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência a que alude a Lei nº 13.979/20, os prazos dos procedimentos licitatórios serão reduzidos pela metade e os recursos terão apenas efeito devolutivo. Além disso, fica dispensada a realização de audiência pública a que se refere o art. 39 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

No que se refere aos percentuais de acréscimos e supressões disciplinados na Lei nº 8.666/93 (art. 65, inciso I, § 1º da Lei nº 8.666/93), a Lei nº 13.979/20 autoriza, nos contratos decorrentes dos procedimentos  nela previstos, a inserção de cláusula que preveja a obrigação de os contratados aceitarem, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões ao objeto contratado, em até cinquenta por cento do valor inicial atualizado do contrato.”

Por fim, os contratos regidos pela Lei nº 13.979/20 terão prazo de duração de até seis meses e poderão ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto perdurar a necessidade de enfrentamento dos efeitos da situação de emergência de saúde pública.

Embora com o advento da Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020 tenha, de fato, havido um esforço mais robusto na implementação de medidas no âmbito das contratações públicas para o enfrentamento da pandemia “coronavírus”, a depender do agravamento da situação de emergência de saúde pública no País, necessário se fará a edição de outras medidas, não apenas no âmbito dos procedimentos licitatórios, mas, sobretudo, na disciplina da execução contratual, considerando a competência da União Federal para editar normas gerais de licitação e contratação (art. 22, inciso XXVII, da CF/88).

Isso porque a Lei nº 8.666/93 se mostra, a nosso juízo, bastante limitada para fazer frente às inúmeras situações que serão geradas em função da pandemia “coronavírus”.

Com efeito, editada há mais de 26 anos, tal diploma legal demanda urgente atualização até mesmo para a disciplina das contratações públicas em estado de normalidade, razão pela qual tramita na Câmara dos Deputados, dentre outros, o Projeto de Lei nº 6.814/2017 (originalmente o Projeto de Lei do Senado nº 559/2013), quem dirá a sua efetividade para amparar, como dito, as inúmeras situações decorrentes da calamidade pública decretada em função da pandemia do COVID-19. Nesse sentido, veja-se que a Lei nº 8.666/93 disciplina as situações de calamidade pública em três dispositivos: quando faz referência à hipótese de dispensa de licitação, nos casos de emergência ou calamidade pública (art. 24, IV); quando trata das hipóteses de suspensão do contrato administrativo (art. 78, inciso XIV); e, por fim, quando dispõe sobre o atraso de pagamentos (art. 78, inciso XV).

Assim, à guisa de conclusão, cumpre reforçar o entendimento no sentido de que o agravamento da situação de emergência de saúde pública no País, exigirá a rápida edição de outras medidas de cunho legislativo, não apenas no âmbito dos procedimentos licitatórios, mas, sobretudo, na disciplina da execução contratual, devendo a União Federal, considerando a sua competência constitucional para editar normas gerais de licitação e contratação (art. 22, inciso XXVII, da CF/88), estar preparada para tal desafio.



Por Alberto Higa (SP)

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