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A Advocacia Pública, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Contas perante a cláusula da separação de poderes

ANO 2016 NUM 147
Anderson Sant Ana Pedra (ES)
Pós-doutoramento em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade de Coimbra. Doutor em Direito do Estado (PUC-SP). Mestre em Direito (FDC-RJ). Especialista em Direito Público pela Consultime/Cândido Mendes/ES. Professor em pós-graduação de Direito Constitucional e Administrativo. Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo da FDV/ES. Professor do Mestrado em Gestão Pública da UFES. Advogado e Consultor Jurídico em Direito Público. Procurador do Estado do Espírito Santo.


19/04/2016 | 12704 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Partindo da premissa que num Estado Democrático de Direito o poder pertence ao povo de um Estado soberano e este poder se apresenta de modo “separado” por meio de funções que são exercidas por órgãos estatais, deve-se analisar em que consiste, cientificamente, a cláusula da separação de poderes e assim definir em qual quadrante se situam a Advocacia Pública, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Contas.

Já se passou da hora de se proceder, à luz da Constituição brasileira de 1988, uma releitura da cláusula da separação de poderes em um sentido político de equilíbrio que permitirá a busca de novas soluções aos atuais problemas da sociedade e do Estado e de acordo com a opção política trazida pelo poder constituinte brasileiro.

Como se sabe, o conceito de separação de poderes é histórico. A separação de poderes não é um fim em si mesmo, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem. Sob esse aspecto, a separação de poderes não é mero conceito político, abstrato e estático, mas sim, um processo de afirmação do povo – de garantia e de plena eficácia dos direitos fundamentais que o povo foi e vai conquistando no correr da história, variando de maneira considerável as posições doutrinárias acerca do que legitimamente se há de entender por separação de poderes.

Embora se encontre raízes na antiguidade, explicita ou implicitamente, o estudo das funções do Estado, assim como a formulação das teorias a seu respeito, é relativamente recente e, a depender da época e do local, respostas diferentes foram encontradas por doutrinadores variados (Aristóteles; Locke; Rousseau; Hamilton, Madison e Jay; Kelsen, Benjamin Constant; Loewenstein, Ackerman e outros) que podem não servir para a atual sociedade e para a Constituição brasileira vigente.

Apesar das diversas doutrinas acerca da separação de poderes, quando se faz referência a esta cláusula, quase que automaticamente reporta-se à Montesquieu e a sua teoria tripartite, por força daquilo que ele trouxe no Capítulo VI do Livro XI do seu Do Espírito das Leis de 1748.

A guisa de ilustração, acerca das diversas doutrinas acerca da separação de poderes, tem-se em Montesquieu um mecanismo imediatamente voltado contra a concentração de poder, com o intuito de promover a proteção da liberdade do indivíduo (garantia de liberdade), enquanto que para os Federalistas estadunidenses, a cláusula da separação de poderes ganha feição voltada primeiramente para a otimização do desempenho das funções do Estado (especialização das tarefas (funções)).

É certo ainda que a vinculação do constitucionalismo à separação de poderes encontrou sua formulação clássica na afirmação inscrita no art. 16, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, de que “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição”, sendo a separação de poderes estatais, assim, elemento lógico essencial do Estado democrático de direito.

Apesar de ser multicitada e multiutilizada, a cláusula da separação de poderes não possui uma precisão terminológica e material, o que propicia as mais diversas concepções. Também inexiste uma definição apriorística da cláusula da separação de poderes, já que esta vem sofrendo, ao longo da evolução da história, inúmeros ajustes conceituais, e seu sentido jurídico e político dependerá da mentalidade política e da tradição de cada povo.

A verdade é que a doutrina da separação de poderes, tal como concebida no passado, diante de outras realidades, não tem mais serventia. Realizadas as necessárias adaptações à estruturação do Estado moderno, com todas as dificuldades que o procedimento encerra, poder-se-á aproveitar apenas algumas de suas ideias.

A tripartição das funções de Montesquieu entre três órgãos é apenas uma dessas roupagens que se fez adequada para a realidade daquela época (século XVIII).

Afirma-se então que inexiste um arranjo institucional da teoria da separação de poderes que satisfaça, a priori, as exigências de qualquer Estado Democrático de Direito. E não satisfaz, quer seja pela relação e quantidade das funções estatais, quer seja na apresentação dos órgãos estatais, bem como pela distribuição para o exercício dessas funções entre os órgãos. Em suma: a Constituição de cada Estado soberano tem o dever de elencar as funções estatais e os órgãos que as exercerão, inexistindo um modelo universal, apriorístico e completo a ser seguido indistintamente.

O STF já deu mostras que também reconhece a inexistência de um modelo universal, apriorístico e completo de separação de poderes, afirmando que o que deve ser considerado é o modelo brasileiro trazido na Constituição atual (cf. MI 712/PA).

Na ADI 98/MT o Supremo Tribunal Federal ementou que o “princípio da separação e independência dos Poderes não possui uma fórmula universal apriorística e completa”, não devendo o operador do direito aplicar “concepções abstratas ou experiências concretas de outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação e independência dos Poderes, como concebido e desenvolvido na Constituição da República”.

Vê-se então, sob qualquer prisma: doutrinário ou jurisprudencial, que inexiste uma fórmula universal, apriorística, completa e acabada para a cláusula da separação de poderes e, por consectário lógico, a teoria tripartite de Montesquieu não é a única, mas apenas uma teoria que serviu ao seu tempo.

Já sob o aspecto de cláusula organizacional pode-se afirmar que a separação de poderes pretende, ao mesmo tempo, limitar e legitimar o poder estatal.

O primeiro objetivo – limitação do poder – cuida de preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, o exercício do poder político pela mesma pessoa ou órgão.

A separação de poderes busca este objetivo impondo a colaboração e o consenso de mais de um órgão estatal na tomada das decisões mais importantes, e também estabelecendo mecanismos de fiscalização (controle) recíprocos entre os órgãos, conforme o modelo de freios e contrapesos (cheks and balances) institucionalizado pela Constituição do respectivo Estado.

O segundo objetivo – legitimação do poder – é alcançado em face da especialização de cada órgão no exercício da competência que foi atribuída pela Constituição, permitindo a melhoria no desempenho da sua atividade. Como cada órgão tem como competência preponderante uma função específica, a cláusula da separação de poderes contribui então para o aperfeiçoamento do exercício dessa competência, aumentando sua eficiência e, por consectário lógico, a aceitação popular dessa atuação.

Ainda sobre o segundo objetivo, pode-se afirmar que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que a Constituição os reconheça e na proporção que ela distribuiu.

Tem-se então que a separação de poderes ora se apresenta como uma cláusula dogmática no sentido que afirma a identidade absoluta entre a separação de poderes e o reconhecimento e a garantia da liberdade, e ora se apresenta com um caráter institucional na medida em que serve como esquema distribuidor das diversas competências do Estado, naquilo que Canotilho chama de direito constitucional organizatório.

Sendo assim, a separação e a interdependência de poderes não é um esquema constitucional rígido, mas apenas uma cláusula organizatória fundamental e, como tal, não há que se perguntar pela sua realização estrita nem há que considerá-la como um dogma de valor intemporal, devendo, sim, perspectivá-la como cláusula histórica em contato com uma ordem constitucional concreta.

Como cláusula organizatória fundamental, pode-se afirmar que a terminologia “separação de poderes” foi expressa de forma errônea, porque na verdade o poder que resvala da soberania é uno. O que se reparte são as funções realizadas por cada um dos órgãos estatais, de acordo com o que fora estipulado pela Constituição de cada país, ou seja, o Estado deve exercer suas funções por meio dos órgãos estatais que a Constituição determina.

Como bem anota Jellinek, cada órgão representa, dentro dos seus limites, o poder do Estado, sendo possível falar de uma “divisão de competências”, porém não de uma “divisão de poderes”, posto ser só um o poder estatal (JELLINEK, Georg. Teoría general del Estado. Tradução Fernando de los Ríos. México: Fondo de Cultura Económica, 2004. p. 454).

Para Moreira Neto, a competência, longe de ser um instituto que reparte o poder estatal, na verdade, adjudica a determinados entes e órgãos o dever de exercê-los, seja de modo exclusivo, compartilhado ou em associação, daí porque Paul Laband denominava a Constituição de Kompetenz von Kompetenz (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 127).

Sendo assim, é a Constituição que deve definir o exercício das competências para cada um dos órgãos que irão desenvolver as funções estatais. É na Constituição que se observa o grau de independência e de colaboração entre os órgãos instituídos em cada Estado.

Visto que cabe à Constituição a distribuição das competências, é ora agora de se dedicar a análise das competências.

Tem-se que “o pressuposto [condição] de longe mais importante dos actos jurídico-constitucionais, e comum a todos eles, é a competência” (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. t. 5. p. 102).

A soberania estatal atribui à Constituição a competência para distribuição das competências entre os órgãos estatais, vez que somente o Poder Constituinte pode defini-las e dimensioná-las para então estabelecer a sua repartição.

Cooley, analisando a Constituição estadunidense, afirmou que: “A Constituição é uma outorga de poderes. O governo criado pela Constituição tem poderes limitados e declarados, e a Constituição é a medida e a distinção dos poderes conferidos” (COOLEY, Thomas M. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América. Tradução Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2002. p. 38).

A competência traduz-se, concomitantemente, numa autorização ou legitimação para a prática de atos jurídicos (aspecto positivo) e num limite para essa prática (aspecto negativo).

Tem-se então que a distribuição das funções do Estado entre os órgãos estatais, ou seja, a determinação para o exercício das competências é tarefa do Poder Constituinte que a positiva com ampla liberdade por meio da Constituição.

Nessa linha, a ideia da separação orgânica de poderes pode ser utilizada apenas naquilo que pertine a cada órgão estatal e a atribuição da respectiva função, afinal, trata-se da separação formal ou subjetiva dos poderes que impõe a correspondência entre o órgão estatal e a respectiva função.

Os órgãos estatais que aqui se analisam, são aqueles que recebem competência diretamente da Constituição para o exercício de determinadas funções, num rigor técnico e restrito, seriam os órgãos constitucionais de soberania que para Canotilho são aqueles “(1) cujo status e competência são imediata e fundamentalmente “constituídos” pela constituição; (2) dispõem de um poder de auto-organização interna; (3) que não estão subordinados a quaisquer outros; (4) que estabelecem relações de interdependência e de controlo em relação a outros órgãos igualmente ordenados na e pela constituição. [...]. Não basta, pois, que eles sejam “mencionados” na constituição; as suas competências e funções devem resultar, no essencial, da lei fundamental (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 549). Anota ainda o autor que bem andou a Constituição Portuguesa de 1976 por substituir a expressão “poderes de Estado” para “órgão de soberania.”

Hely Lopes Meirelles tratava tais órgãos como órgãos independentes ou órgãos primários do Estado, vez que estão “colocados no ápice da pirâmide governamental, sem qualquer subordinação hierárquica ou funcional, e só sujeitos aos controles constitucionais de um Poder pelo outro” (Direito administrativo brasileiro. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p. 49).

Nesse palmilhar, as funções de Estado que aqui interessam são aquelas relacionadas aos órgãos constitucionais de soberania, ou seja, aqueles órgãos estatais que recebem diretamente da Constituição essas funções, bem como a sua definição, até porque a cláusula da separação de poderes deve-se amoldar à forma de organização do Estado contemplada na respectiva Constituição.

Assim, definindo uma terminologia a ser empregada na presente coluna, tem-se que o Estado possui determinadas funções a exercer, dentre as quais se podem elencar: a legislativa, a executiva e a judiciária, e, para tanto, designa aos órgãos constitucionais de soberania (Legislativo, Executivo e Judiciário, v.g.) a competência para o exercício das funções elencadas.

Como visto, a cláusula da separação de poderes não apresenta uma conceituação inequívoca, atemporal, universal, apriorística, completa e acabada, sendo assim, para a ordem jurídica brasileira, tal cláusula deverá ser considerada a partir do conteúdo que se extrai do regime de funções e de competências positivados na Constituição brasileira de 1988, servindo as teorias de outrora, quiçá, como um elemento interpretativo.

A Constituição brasileira de 1988 não desenhou nenhum tratamento sistemático das funções estatais, preferindo apenas proceder com a “consagração” da cláusula da separação de poderes, prescrevendo em seu art. 2º que “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Talvez com o intuito de evitar um sentido de “separatismo” e evitando expressões como “divisão” ou “distribuição de poderes”, fez bem o legislador constituinte brasileiro ao mencionar apenas a expressão “independentes e harmônicos entre si” no art. 2º da CRFB.

Além da referência do art. 2º da CRFB há uma articulação dispersa no texto constitucional, e uma orientação funcional do que corresponderá a cada um desses órgãos. Apenas após uma análise aprofundada e sistemática é que se poderá chegar a uma conclusão sobre quais são as funções previstas na Constituição brasileira de 1988 e quais órgãos constitucionais de soberania também previstos na CRFB devem exercê-las.

Por ser um texto recente, a Constituição brasileira de 1988, de certo modo, objetivou homenagear a multiplicidade das ações do Estado, numa sociedade contemporânea também plural, que reclama uma atuação maior e mais eficiente do Estado, ocasionando uma multifuncionalidade do Estado. Essa multiplicidade acaba por exigir uma (re)ordenação e (re)distribuição das funções estatais, já que há um número maior de funções que escapam daquela tripartição clássica (legislativa, executiva e jurisdicional).

Nesta esteira, a cláusula da separação de poderes trazida pela Constituição brasileira de 1988 transparece como cláusula organizacional das funções estatais, de distribuição de competências, de legitimação para a decisão e de responsabilidade pela decisão, mas sem querer, com isso, impor qualquer teoria alienígena de separação de poderes ao modelo consagrado pela Constituição brasileira de 1988, nem mesmo a tripartição de Montesquieu.

É necessário então apurar as feições particulares que a Constituição brasileira de 1988 atribuiu à cláusula da separação de poderes, já que o conteúdo de tal cláusula, em um Estado soberano, não dispensa a análise da configuração e dos contornos que lhe dá a Constituição deste Estado, como bem consignou o Min. Cezar Peluso na ADI nº 3367/DF.

Cumpre agora registrar, para aquilo que se pretende nesta coluna, que o art. 2º da Constituição brasileira de 1988 é inócuo, pois não se consegue extrair dele qualquer modal deôntico para a solução de um caso concreto, salvante com a utilização de uma interpretação sistemática e do princípio da unidade constitucional.

O art. 2º elenca os poderes, quando, na essência, se trata de funções, e seu enunciado normativo também não faz a correspondência acerca de quais órgãos estão aptos para o exercício (competência) dessas funções.

O art. 2º também se restringe a elencar as funções da União, silenciando-se para as outras órbitas federativas (Estados, Municípios e Distrito Federal).

Talvez as deficiências do art. 2º decorra do fato de que tal dispositivo – citado como um “resumo” da organização funcional do Estado brasileiro – teve sua inserção no texto final da Constituição brasileira de 1988 de forma bem “pitoresca”. De acordo com o ex-Ministro do STF e ex-Deputado Constituinte pelo Rio Grande do Sul, Nelson Jobim, em entrevista ao Jornal O Globo em 2003, o art. 2º da CRFB foi acrescentado ao texto constitucional sem que houvesse obedecido o devido processo legislativo. (Cf. MEDEIROS, Lydia. Constituição Cidadã: avanços e revelações. O Globo. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 2003. Disponível em <www.oglobo.com.br.> Acesso em 14 abr. 2016).

Pois bem, à margem dessa circunstância, só se consegue visualizar as funções e os órgãos constitucional de soberania aptos (com competência) para o exercício das funções estatais com uma leitura da Constituição brasileira de 1988 na sua inteireza, sendo necessário ainda se desintoxicar de qualquer conceito prévio.

Nesse palmilhar, pode-se mencionar que o “Título IV” da CRFB intitulado “Da organização dos Poderes” (arts. 44 a 135), poderia ser intitulado “Da distribuição das funções pelos órgãos constitucionais de soberania”, já que o poder pertence ao povo e é uno; o que se organiza e distribui são as funções de um Estado soberano.

O próprio legislador constituinte “escorrega” na nomenclatura utilizada quando intitula os Capítulos I a III do Título IV de “Poder Legislativo”, “Poder Executivo” e “Poder Judiciário”, respectivamente, e no Capítulo IV do mesmo Título IV lança mão do seguinte texto: “Das funções essenciais à Justiça”, verificando-se neste mesmo Capítulo o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública, ou seja, nos três primeiros capítulos o constituinte utilizou a nomenclatura “poder” num sentido que se aproxima de órgão, e no Capítulo IV utilizou a nomenclatura “funções”.

Compulsando os arts. 44 a 135 da CRFB verificar-se-á que se está diante de dispositivos que ora elencam as funções da República Federativa do Brasil, e ora apontam as competências dos órgãos constitucionais de soberania, ou seja, os órgãos legitimados para o exercício de determinada(s) função(ões) estatal(is).

Buscando cumprir o objetivo desta coluna, passa-se agora a elencar algumas funções e órgãos constitucionais de soberania trazidos pela Constituição brasileira de 1988. As incursões aqui realizadas têm por escopo apenas demonstrar que a tripartição de matriz montesquiana não é mais suficiente para o Estado Constitucional de Direito moderno, e que a Constituição brasileira de 1988 não ficou adstrita à doutrina tripartite de Montesquieu, nem a qualquer outra.

A título exemplificativo, tem-se da leitura do art. 70 da CRFB que ao Congresso Nacional (órgão constitucional de soberania) fica atribuída a competência para o exercício da função fiscalizatória (controle externo), juntamente com a função legislativa.

Tal função fiscalizatória (ou de controle externo) será exercida pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas, conforme prescreve o art. 71 da CRFB, sendo que este mesmo dispositivo elenca nos seus incisos e parágrafos as competências do Tribunal de Contas, podendo-se concluir, que o Tribunal de Contas é também um órgão constitucional de soberania, com a mesma estatura constitucional dos chamados “poderes” Executivo, Legislativo e Judiciário, afinal sua competência origina da mesma fonte que os demais “poderes” – a Constituição brasileira de 1988, possuindo ainda, expressa, autonomia administra e financeira (art. 73, caput c/c art. 96, ambos da CRFB).

Registra-se que a expressão “auxílio” empregada no caput do art. 71 não tem o condão de fazer do Tribunal de Contas um órgão auxiliar do Legislativo, num aspecto de subalternidade ou de inferioridade.

Não há como aceitar um aspecto de subalternidade ou de inferioridade do Tribunal de Contas perante o Legislativo quando àquele possui, dentre outras, a competência constitucional de julgar as contas dos administradores da coisa pública (cf. art. 71, II), inclusive os administradores do Legislativo (cf. ADI-MC nº 1964/ES), além de poder “sustar” (art. 71, X) os atos destes gestores.

O argumento de que o Tribunal de Contas integra o Legislativo, a mim, é totalmente incorreto, e talvez tenha como utilidade apenas perdurar a teoria tripartite de Montesquieu. Ora, se o Tribunal de Contas integra o Legislativo, os Tribunais de Contas dos Estados (art. 75 da CRFB) integram quais Legislativos: o estadual ou o municipal (de qual município)?

Também não é porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) em seu art. 20 “incluiu” os Tribunais de Contas no âmbito de despesa do Legislativo, que se poderá afirmar que os Tribunais de Contas deixaram de ser um órgão constitucional de soberania. A legislação infraconstitucional deve ser interpretada a partir da Constituição, e não o contrário.

Para também exercer a função fiscalizatória (ou de controle externo) a CRFB elencou outro órgão constitucional de soberania – o Ministério Público (arts. 127 e 129).

Na linha do que aqui está sendo proposto, o Ministério Público também é um órgão constitucional de soberania, com a mesma estatura constitucional dos chamados “poderes” Executivo, Legislativo e Judiciário, afinal sua competência é originária, ou seja, se legitima a partir da Constituição brasileira de 1988.

As Defensorias Públicas Estaduais, a partir da Emenda Constitucional nº 45, também ganharam status de órgão constitucional de soberania vez que passaram a se subsumir a cláusula parâmetro da separação de poderes – a independência e a harmonia, por força da redação do art. 134, § 3º que assegurou “autonomia funcional e administrativa” a sua gestão, além da função de advocacia dos necessitados elencada no caput do art. 134 da CRFB.

Não diferente, a Advocacia Pública também deve ser considerada como órgão constitucional de soberania, não se devendo considerar este órgão como sendo integrante do Poder Executivo.

Topograficamente se observa que a “Advocacia Pública” (arts. 131 e 132) está inserida no Capítulo IV que cuida “Das Funções Essenciais à Justiça” (arts. 127 a 135), juntamente como Ministério Público e a Defensoria Pública, e não no Capítulo II que cuida do “Poder Executivo” (arts. 76 a 91).

O fato de o (des)provimento do cargo de chefe da Advocacia Pública ocorrer por ato do Chefe do Executivo, não é suficiente para afastar a qualificação e a hierarquia estrutural da Advocacia Pública, até porque, de modo semelhante se observa o (des)provimento do chefe do Ministério Público (art. 128, §§ 1º a 4º da CRFB).

Registra-se ainda que a Constituição brasileira de 1988 reservou à AGU a competência para “representa[r] a União, judicial e extrajudicialmente” (art. 131, caput) e as Procuradorias Estaduais a competência para a “representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas” (art. 132, caput).

Como se pode observar, a competência da Advocacia Pública é a de representar a respectiva unidade federativa (União, Estado ou Distrito Federal) e não um determinado “poder” (Executivo), razão pela qual como órgão constitucional de soberania deve ser reconhecido, e não como um órgão infraconstitucional atrelado apenas ao Poder Executivo, até porque sua atuação recai sobre a defesa de qualquer ato estatal legítimo, pouco importando o agente que o praticou e a sua localização funcional (Legislativo, Executivo, Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Contas ou da própria Advocacia Pública).



Por Anderson Sant Ana Pedra (ES)

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