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Supremo Tribunal Federal: um ser incontrolável nas suas decisões normativas?

ANO 2016 NUM 244
Anderson Sant Ana Pedra (ES)
Pós-doutoramento em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade de Coimbra. Doutor em Direito do Estado (PUC-SP). Mestre em Direito (FDC-RJ). Especialista em Direito Público pela Consultime/Cândido Mendes/ES. Professor em pós-graduação de Direito Constitucional e Administrativo. Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo da FDV/ES. Professor do Mestrado em Gestão Pública da UFES. Advogado e Consultor Jurídico em Direito Público. Procurador do Estado do Espírito Santo.


29/08/2016 | 3836 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

O Supremo Tribunal Federal (STF) vem adotando na última quadra da história uma atitude considerada por alguns como sendo ativista e interferindo no espaço de atuação política dos outros órgãos políticos que possuem legitimidade democrática direta representativa.

Pode-se aqui citar a interrupção da gravidez do feto anencéfalo (ADPF nº 54); o reconhecimento do status de família à união homoafetiva (ADPF nº 132/RJ e ADI nº 4277/DF); a vedação ao nepotismo na Administração Pública (SV nº 13), além de tantas outras decisões em que se verifica a atuação do STF como órgão participante no processo de criação do Direito a partir de decisões com eficácia erga omnes e efeito vinculante, nos termos, inclusive, do art. 102, § 2º da Constituição brasileira de 1988 que prescreve que as “decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Contudo, esse comportamento (ativista) do STF vem provocando uma tensão entre a esfera política e a esfera jurídica, sendo necessário refletir sobre essa situação a fim de minimizar essa tensão e evitar uma exacerbação do controle jurídico sobre a esfera política.

Como sabido, não mais subsiste a ideia comumente defendida de que só o Legislativo cria o Direito, bem como vai longe a época em que se pretendia manter o STF como um mero guardião da Constituição que só poderia atuar como “legislador negativo”. Restringir a atuação do STF somente à função estruturante faria sentido apenas se este comportamento fosse o único suficiente para o exercício da curadoria da Constituição, afinal o STF não pode ser apenas um guardião no sentido de protetor da Constituição, mas também um efetivador de suas normas.

A longeva cláusula da separação de poderes convive, inquestionavelmente, com novas realidades e necessidades, às quais precisa adaptar-se.

O exercício da curadoria da Constituição por meio de edição de enunciados normativos é uma dessas novas realidades e necessidades que envolverá, inclusive, a interpretação e a efetivação da Constituição.

O STF não deve mais se ater, apenas, ao exercício do controle de constitucionalidade afastando do ordenamento jurídico àqueles atos tidos por inconstitucionais. Deve ir além, e atuar como verdadeiro “curador da Constituição”, exercendo a função legislativa stricto sensu, a fim de efetivar as normas constitucionais que não são usufruídas por uma omissão legislativa inconstitucional. Para tanto, pode se valer das decisões em sede de mandado de injunção cujos efeitos valerão até o advento da norma regulamentadora nos termos do art. 9º da novel Lei nº 13.300/2016.

Deve o STF também atuar com vista a impedir violações reiteradas à Constituição, que ocorrem, em muitos casos, face uma ausência de percepção da sociedade e/ou do Estado acerca das normas que emanam dos enunciados normativos constitucionais. Para tanto, o STF deverá exercer a função enunciativa, por meio das atuais súmulas vinculantes, ou então por meio de decisões nos moldes do art. 102, § 2º da Constituição brasileira de 1988.

A diferença que se verifica entre a função legislativa implementada pelo legislador (constituinte derivado ou infraconstitucional) e a normação editada pelo STF, é a de que aquele produz enunciados para regular a vida em sociedade, com uma maior liberdade de atuação, enquanto o STF, quando edita enunciados normativos, o faz exclusivamente com a finalidade de defender e efetivar a Constituição – este é o motivo-finalidade da atuação do STF como órgão constitucional de normação positiva, diferente do legislador, cuja função de legislar não possui por finalidade exclusiva efetivar ou defender a Constituição.

O STF vem então exercendo outras funções que não apenas a de mero defensor da Constituição e, além disso, vem sendo reconhecido como um autêntico “poder político” – órgão constitucional de soberania, muito embora não possa se afastar do seu caráter jurídico.

O que se defende é a possibilidade de a Justiça Constitucional, por intermédio do STF, ao perceber o desrespeito (omissivo ou comissivo) à Constituição decorrente de interpretação equivocada dos enunciados normativos constitucionais, ou de omissão legislativa inconstitucional relevante, realizar a Constituição impondo seu entendimento com a elaboração de enunciados normativos com eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Obviamente que excessos e desvios poderão ocorrer, e que estes pertencerão à classe da patologia política, competindo ao Direito Constitucional indicar, em cada caso, os remédios adequados e sua posologia.

Esta coluna, ao invés de “prescrever” um tratamento repressivo, apresenta um importante limite para um modus operandi em que não ocorra, nem excessos, nem desvios, na atuação do STF como órgão de normação positiva, ou caso ocorra, se tenha no ordenamento jurídico a devida prescrição normativa.

Utiliza-se a expressão “órgão constitucional de normação positiva” (ou “função normativa”) de forma a abranger todas as situações em que o STF vier a atuar editando enunciados normativos gerais e abstratos, ou seja, no exercício da função enunciativa ou da função legislativa stricto sensu.

Não se sugere uma invasão das competências do Legislativo e do constituinte derivado pelo STF, o que pretende nesta coluna é apresentar a heterocontenção orgânica como um limite para o exercício da normação positiva pelo STF para que não haja o desrespeito aos titulares da função de legislar.

A heterocontenção orgânica como limite de atuação do STF, implica afirmar que se trata de uma baliza delimitadora dessa atuação, parâmetro que deve ser sempre verificado.

A necessidade de se observar esse limite é imprescindível, pois não se pode partir de um pressuposto de absoluta confiabilidade no STF, como se fosse ele o único órgão apto a solucionar todos os problemas constitucionais, e que fosse capaz de fazer isso sem erros ou excessos.

Em um Estado Democrático de Direito é logicamente imprescindível admitir a limitação de qualquer instituição, inclusive de um órgão constitucional de soberania como o STF, já que toda instituição é constituída para a realização de determinadas competências e para a consecução de determinados fins, e só se mostra legítima se forem mantidas nas balizas constitucionalmente estabelecidas.

Nessa linha, a heterocontenção orgânica se impõe como limite na medida em que o órgão constitucional de soberania titular da função de legislar (Congresso Nacional) não concordar com a decisão/escolha da Justiça Constitucional (STF) no exercício da sua função normativa poderá produzir uma emenda constitucional ou outra espécie legislativa a fim de dar o sentido que desejar à matéria tratada.

Tradicionalmente afirma-se que cabe ao STF, no exercício da sua função estruturante (controle de constitucionalidade), dar a “última palavra” acerca da interpretação da Constituição.

Essa visão, aliás, encontra-se retratada pelo STF na ementa do MS 26603/DF, senão vejamos: “A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal – a quem se atribuiu a função eminentemente de ‘guarda da Constituição’ (CF, art. 102, caput) – assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.”

Contudo, essa ideia da “última palavra” sobre a Constituição deve ser rechaçada, afinal, pragmaticamente, o STF não dará a última palavra sobre a interpretação da Constituição, pelo simples fato de que não há uma última palavra, até porque a partir das decisões do STF podem surgir reações políticas contrárias, na sociedade e/ou nos outros poderes.

Algumas decisões do STF possuem eficácia vinculante (efeito normativo) e, em regra, vinculam a todos, inclusive o Judiciário e seus órgãos fracionários, se existentes, salvante a possibilidade de revisão ou cancelamento da decisão.

Contudo, essas decisões não vinculam o legislador (constituinte reformador ou ordinário), que poderá legislar contrariamente ao enunciado normativo, ficando, obviamente, sujeito ao controle de constitucionalidade.

Essa não vinculação do legislador justifica-se pelo fato de que qualquer instituição pode tomar decisões erradas, mas tal comportamento não pode significar que poderão impor seus erros sem possibilidade de contenção.

Não se pode afirmar em sã consciência democrática que a Justiça Constitucional não pode vir a errar no exercício das suas funções; nem se pode utilizar da movediça “fundamentação” de que ela teria o “direito de errar por último” – como se isso fosse um argumento racionalmente aceitável num Estado Constitucional Democrático, por isso a importância da heterocontenção orgânica, afinal alguém há de salvar/proteger a sociedade brasileira contra uma decisão equivocada do STF.

É possível então que após o desempenho da função normativa pela STF, os demais órgãos constitucionais de soberania afetados pelas decisões proferidas, busquem superar tais decisões e promover a alteração no regime jurídico mediante a edição de outros atos normativos de mesmo nível hierárquico (emenda constitucional ou lei).

O espaço e o tempo de atuação do STF são delimitados pela inércia do legislador, pelas reiteradas inconstitucionalidades e pela ausência de enunciado normativo editado pelo titular da função. Ocorrendo a edição de enunciado normativo pelo titular, tem-se parametrizado novos limites (restrições) que poderão, inclusive, fazer caducar por completo os enunciados normativos editados pelo STF, já que se terá a perda de uma das condições essenciais para a atuação da Justiça Constitucional em normação positiva – a ausência de opção legítima adotada pelo titular da função de legislar.

Tem-se assim que poderá ocorrer uma heterocontenção da Justiça Constitucional quando o órgão constitucional de soberania titular da função de legislar (Congresso Nacional) não concordar com a decisão/escolha do STF no exercício da sua atuação como órgão de normação positiva e então produzir uma emenda constitucional ou uma legislação a fim de dar o sentido que desejar à matéria tratada, obviamente que dentro das balizas constitucionais.

Quanto à função legislativa stricto sensu, dentro daquilo que prescreveu o art. 9º da Lei nº 13.300/2016, tem-se que a atuação do STF é provisória, sendo possível que a qualquer tempo o titular da função legislativa saia da inércia e produza a legislação que substituirá a provisória.

Nesse passo, inadmite-se a ideia de que com a atuação do STF ocorreria a perda de competência como sanção à inconstitucionalidade por omissão, já que não há de se admitir perda de competência, mas sim uma substituição provisória da função de legislar (competência).

Quando o STF exerce a função legislativa stricto sensu, deve-se considerar que sua decisão, sua normação positiva, poderá ser afetada (alterada) por meio de espécie legislativa própria aprovada pelo Legislativo, já que se deve apenas dar cumprimento (temporário – até comportamento posterior do titular da função de legislar) aos enunciados normativos editados pelo STF que tenham por finalidade efetivar e implementar a Constituição.

A eventual atuação do STF em relação ao silêncio do legislador está sempre sujeita a ação corretora do Legislativo que pode atuar a qualquer momento.

Assim, se a condição para a atuação do STF como órgão de normação positiva é a curadoria da Constituição, estando ela protegida e/ou efetivada pelo titular da competência de legislar, não mais subsiste razão para prevalecer a normação positiva editada pelo Supremo.

Quanto à função enunciativa, dentro dos limites traçados pelo Poder Constituinte originário, o Poder Constituído (Congresso Nacional) mediante processo de mutação formal da Constituição poderá dar o conteúdo normativo que entender mais adequado, alterando (ou inumando), inclusive, o enunciado normativo produzido pelo STF por meio de uma súmula vinculante, por exemplo.

Por hipótese: caso o povo, como titular do poder constituinte, entender que o STF chegou a uma conclusão inaceitável, pode pôr em movimento o poder de revisão constitucional e definir a nova norma no sentido que o constituinte decidiu, segundo sua liberdade incondicionada. Este mecanismo já funcionou nos Estados Unidos em algumas ocasiões em que se usou o amendig power, o poder de emenda ou de revisão constitucional, para "passar por cima" (override) de algumas decisões da Suprema Corte.

Afirma-se assim que as emendas constitucionais, dentre outras funções, se prestam também como instrumentos democráticos de correção de decisões das Cortes Constitucionais caso estas de apresentem incompatíveis com a aquilo que racionalmente a sociedade almeja, numa espécie de desacordo moral.

Analisando as súmulas vinculantes no direito brasileiro, pode-se dizer que caso seja revogada ou modificada a lei ou o texto constitucional em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o STF, de ofício ou por provocação, tem a função de revisá-la ou cancelá-la, conforme o caso.

Nessa toada, o STF não tem, em regra, a “última palavra”, já que a normação positiva por ele criada será integrada ao ordenamento jurídico, até que seja superada pela atuação do órgão constitucional de soberania com competência originária. Em outras palavras, os enunciados normativos criados pelo STF não são, nem podem ser, definitivos, no sentido de que somente antecipam por via de necessidade enunciados normativos que o legítimo titular, com inquestionável lastro democrático, pode posteriormente conceder outra decisão/escolha.

Juridicamente, tal poder da “última palavra” inexiste no Brasil e em muitos outros países, onde o Legislador (constituinte derivado ou infraconstitucional) não é vinculado pelas declarações de inconstitucionalidade do STF, podendo sempre editar uma emenda à Constituição, v.g., para reverter alguma decisão do Supremo.

Tem-se assim que se de um lado o STF pode controlar a atuação do Poder Constituinte derivado já que existem normas constitucionais que não podem ser alteradas mediante processo de revisão constitucional – cláusulas pétreas; por outro ângulo, quando o STF editar enunciados normativos que possam conferir determinada concretude a enunciado normativo, ou até mesmo reconhecer uma mutação informal da Constituição, poderá o Poder Constituinte derivado conter esse posicionamento ao trazer por meio de revisão constitucional a concretude que pretenda ou a mutação (formal) da Constituição que entender devida.

Não se deve perder de vista o caráter excepcional e provisório da atuação do STF como órgão de normação positiva, e que em decorrência dessas características da atuação sempre deverá dar passagem para o exercício da função de legislar pelo titular.

Entendemos que exercício da função normativa pelo STF não pode expressar a superioridade da Justiça Constitucional sobre qualquer órgão constitucional de soberania com representatividade democrática, mas tão somente o compromisso de se efetivar a Constituição.

A “última palavra” poderá ser do Congresso Nacional (atuando como constituinte reformador ou como legislador (complementar ou ordinário), já que se este não concordar com a decisão/escolha do STF acerca de determinado enunciado normativo constitucional, poderá, no exercício da sua competência (legislativa) constitucional, editar uma emenda constitucional ou uma lei, dando o sentido que pretender dentro de uma racionalidade democrática.

Verifica-se assim que a heterocontenção apresenta-se, pois, como a imagem refletida do “poder”, já que permite submeter o resultado do exercício da função normativa do STF à apreciação crítica de um outro órgão constitucional de soberania (Congresso Nacional) que, também exercendo a sua parcela de competência, e inclusive de controle, pode transpor a atividade da Justiça Constitucional a um patamar de legitimidade duplicada.

Assim, sendo o exercício da competência retomado pelo titular da função legislativa, as opções legítimas realizadas pelo legislador (constituinte reformador ou ordinário) por meio do respectivo ato legislativo se converterão em limites para atuação da Justiça Constitucional (STF) enquanto perdurar o mesmo contexto social.

Deve-se ressaltar que do ponto de vista teórico, a ausência dessa “última palavra” permite a criação de um círculo interpretativo (ou de um diálogo institucional ou roda institucional), em que cada órgão constitucional de soberania interpreta a Constituição, determinando os limites e efeitos de suas próprias competências que os outros órgãos constitucionais de soberania podem contestar, sendo que suas decisões também estão sujeitas a controle.

Em sede de intepretação constitucional, as Cortes Constitucionais, o Parlamento ou o Executivo, compostos por intérpretes humanos e falíveis, podem errar. Sendo assim, mais seguro e legítimo adotar um modelo que não atribua a nenhum órgão constitucional o “direito de errar por último”, devendo ficar em aberto a possibilidade de controle e correção recíprocos, com base na ideia de círculo (ou diálogo ou dança) interpretativo, em detrimento de uma intitulada “última palavra” a ser proferida pelo STF.

Contudo, deve-se destacar que diante de um sistema de Justiça Constitucional aberto, sem uma supremacia de um órgão constitucional de soberania específico, tem-se, de um lado, o risco de insegurança e de instabilidade institucional, mas de outro lado, tem-se o afastamento de um possível autoritarismo pela Justiça Constitucional que poderia gerar uma judiciocracia, ou então se ter uma supremacia incontestada do Legislativo.

Defender o STF como sendo o órgão responsável para proferir a “última palavra” da Constituição, quase como um epitáfio sobre determinado dispositivo constitucional é, na melhor das hipóteses, um discurso míope e simplista, afinal, não há nada que impeça que o Congresso Nacional responda, que os juízes decidam de forma diferente (muito embora se possa utilizar da Reclamação), que a academia critique ou que a sociedade venha a se insurgir.

Nessa linha de círculo interpretativo homenageia-se a continuidade inerente a política e a uma decisão legítima, numa percepção de longo prazo, enquanto focar na ideia de “última palavra” possibilita uma resposta, apenas, de curto prazo.

Registra-se, ao cabo, que a heterocontenção orgânica também inspira cuidados, afinal, não pode esta se transformar num ilegítimo comportamento para se descumprir uma decisão da Justiça Constitucional (STF).

O legislador (constituinte reformador ou ordinário) deve agir com respeito à Justiça Constitucional, evitando insistir na viabilização de disciplina normativa já censurada pela Justiça Constitucional sem que tenha ocorrido alteração substancial no domínio normativo (situação fática subjacente) ou nas concepções jurídicas da Justiça Constitucional.

Uma produção legislativa ligeira e irrefletida, com a clara intenção de modificar a decisão da Justiça Constitucional, de não atender seu comando, acaba por desprezar a importância da Justiça Constitucional.

A Justiça Constitucional deve ter comportamento firme contra essa situação, sob pena de ocorrer naquilo que Eduardo Alves da Costa trouxe no seu poema “No Caminho, com Maiakóvski” e se transformar num órgão constitucional de segunda categoria – "[...] Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. [...]".

Cumpre registrar que tramita na Câmara dos Deputados a PEC nº 003/2011, que apesar da redação duvidosa, altera o art. 49, V da Constituição brasileira de 1988 a fim de atribuir ao Congresso Nacional a competência para sustar “atos normativos dos outros poderes”, permitindo-se assim a interpretação de que seria possível ao Congresso Nacional sustar Súmula Vinculante ou qualquer decisão do STF com eficácia erga omnes e efeito vinculante. Tal proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania e está aguardando criação de Comissão Temporária para análise para ir para apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.

Caminhando para uma conclusão, deve-se ter em mente que esta ideia de heterocontenção orgânica só poderá ocorrer se estivermos diante de algumas premissas.

A primeira delas é de que a comunidade política deve contar com instituições democráticas em funcionamento razoável, inclusive um Legislativo representativo, cujos membros são eleitos, periodicamente, por meio do sufrágio universal.

A segunda premissa é a de que devemos estar diante de um sistema judicial também em razoável funcionamento, organizado a partir de critérios não representativos para resolver litígios e assegurar o rule of law.

A terceira premissa é a de que se deve verificar um forte compromisso da maioria dos cidadãos e dos agentes públicos com os direitos fundamentais e os direitos das minorias.

A última premissa é a de que é imprescindível existir um substancial e persistente desacordo sobre o conteúdo dos direitos e liberdades – desacordo moral razoável.

Por fim, o STF deve se conformar com seu papel secundário em uma democracia, afinal, num regime democrático compete aos representantes eleitos pelo povo a primazia nas opções políticas, principalmente aquelas manifestadas por meio de atos legislativos (comissivos ou omissivos).

Mesmo em países de modernidade tardia, com uma realidade constitucional marginal-periférica, deve-se ter em conta que uma postura ativa do STF não pode perdurar por muito tempo sob o risco do desgaste e da politização do Supremo.

Por um tempo, uma postura ativa pode servir como mecanismo para o sucesso da efetivação da Constituição e de um sentimento constitucional, mas é preciso ter a real compreensão do fenômeno e do risco que ele oferece a médio e longo prazo.



Por Anderson Sant Ana Pedra (ES)

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