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A motivação das decisões dos Tribunais de Contas à luz do Novo Código de Processo Civil

ANO 2016 NUM 154
Angélica Petian (SP)
Especialista em Direito Administrativo pela PUC-SP. Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Doutora em Direito pela PUC-SP. Professora de Direito Administrativo. Membro do Instituto Paulista de Direito Administrativo - IDAP. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura - IBEJI. Advogada na Rubens Naves Santos Jr. Advogados.


25/04/2016 | 7626 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

1. Considerações sobre o processo administrativo nos Tribunais de Contas

Os Tribunais de Contas são instituições conhecidas há muito tempo no cenário brasileiro e nos últimos anos têm ampliado sua atuação, não exatamente porque as competências que lhes foram atribuídas pela Constituição Federal tenham sido aumentadas, mas rigorosamente porque esses tribunais têm se empenhado em aumentar a quantidade e a qualidade do controle feito sobre os atos administrativos que importem gastos de recursos públicos.

Para exercer as competências hauridas diretamente da Constituição Federal, que desaguam em decisões imperativas e exigíveis, os Tribunais de Contas devem obediência à cláusula do devido processo legal, o que se dá por meio da instauração e instrução de processo administrativo que, dentre outros direitos, garanta aos controlados o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, além de observar a duração razoável do processo.

O exercício do controle, como típica manifestação da função administrativa, deve ser feita debaixo da lei, com cumprimento das formalidades essenciais e garantia dos direitos daqueles que terão de cumprir a futura decisão.

Como é assente na doutrina, o modelo do devido processo legal incorpora, naturalmente, uma série de mecanismos que asseguram a sua efetividade no plano material, existindo alguns juristas que observam maiores ou menores especificidades ao estabelecerem o conteúdo jurídico do que vem a ser o devido processo legal.

Entendemos que o devido processo legal, no ordenamento brasileiro, pressupõe, sem a elas se liminar, as garantias de defesa, produção de provas, motivação das decisões e direito à revisibilidade das decisões.

Inelutavelmente, o respeito a essas garantias só será possível com a processualização ampla, geral e irrestrita da formação da vontade administrativa nas Cortes de Contas, mediante, principalmente, a uniformização e simplificação de procedimentos, fundamentação e publicidade das decisões, envolvimento de todos os interessados nos processos e respeito à legalidade.

2. A motivação das decisões dos Tribunais de Contas

O princípio da motivação é mais um dos princípios implícitos da Constituição da República que condicionam a validade dos atos e processos administrativos. Há quem repute estar no artigo 93, X, a obrigatoriedade de motivar os atos praticados no exercício da função administrativa. Parece-nos, sem deixar de reconhecer a validade do dispositivo citado para fundamentar o princípio, que o seu nascedouro constitucional está no artigo 5º, XXXV, que garante a apreciação do Poder Judiciário sobre os atos que causem ou ameacem causar lesão a direito, isto porque a sindicabilidade dos atos restará prejudicada se os motivos que autorizaram tal conduta não houverem sido revelados.

A indicação dos motivos que ensejam determinada decisão de competência dos Tribunais de Contas é requisito de validade do pronunciamento conclusivo, seja por expressa disposição constitucional e legal, seja por ser imprescindível ao controle de legalidade da referida decisão.

A Lei n.º 9.784/99 faz expressa menção ao princípio da motivação no caput do artigo 2º, e em seu parágrafo único, VII, explicita seu conteúdo ao exigir a “indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão”. A exigência legal citada não se satisfaz com a invocação genérica de conceitos indeterminados, como interesse público ou necessidade da coletividade; imprescindível que sejam declinadas as razões de fato que conduziram a Administração ao ato. Neste sentido tem sido o entendimento dos Tribunais Superiores, em salvaguarda à Constituição da República.

Nos termos do artigo 50, § 1º, da Lei Federal de Processo Administrativo, a motivação das decisões administrativas pode ser feita com a incorporação dos fatos, razões e fundamentos legais constantes de pareceres precedentes.

Impende salientar que, embora defendemos a aplicação subsidiária das leis gerais de processo administrativo aos Tribunais de Contas, essa posição tem sido rechaçada pelos Cortes de Controle.

O Tribunal de Contas da União afirmou a inaplicabilidade da Lei n.º 9.784/99 às atividades de controle externo, conforme Decisão n.º 1020/2000, proferida no Processo n.º 013.829/2000-0. O eminente Ministro Relator Marcos Vilaça asseverou que a Lei está disciplinando o comportamento da Administração, não se confundindo, portanto, com as atividades de controle externo, devendo-se entender, assim, que abrange apenas os processos "que cuidam diretamente de um interesse privado, por meio de um serviço de interesse público, ou que providenciam o funcionamento de uma atividade pública concreta". Concluiu o insigne Relator, no que foi seguido pelos seus pares, que a Lei n.º 9.784/99 não tem aplicação obrigatória às providências determinadas pelo TCU, no sentido de sanar as irregularidades verificadas no exercício de suas competências constitucionais.

A doutrina e a jurisprudência, de outra parte, se posicionam em sentido oposto e defendem a aplicação das leis de processo administrativo aos Tribunais de Contas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida nos autos de Medida Cautelar no Mandado de Segurança n.º 26.358-0/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello assentou que: “assiste, ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do “due process of law” (independentemente, portanto, de haver, ou não, previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado), a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (inclusive o direito à prova), consoante prescreve a Constituição da República, em seu art. 5º, incisos LIV e LV. Vê-se, portanto, que o respeito efetivo à garantia constitucional do “due process of law”, ainda que se trate de procedimento administrativo (como o instaurado, no caso ora em exame, perante o E. Tribunal de Contas da União), condiciona, de modo estrito, o exercício dos poderes de que se acha investida a a Administração Pública, sob pena de descaracterizar-se, com grave ofensa aos postulados que informam a própria concepção do Estado democrático de Direito, a legitimidade jurídica dos atos e resoluções emanados do Estado, especialmente quando tais deliberações, como parece suceder na espécie, possam comprometer a esfera jurídica do particular”, para, ao final, com fundamento na Lei n.º 9.784/99, deferir pedido de medida liminar, em ordem a determinar, até final julgamento da ação, a suspensão cautelar do processo de Tomada de Contas Especial instaurado pelo Tribunal de Contas da União.

Para nós, as leis gerais de processo administrativo devem ser interpretadas à vista de sua finalidade, qual seja, garantir o cumprimento do princípio do devido processo legal no curso do iter do qual se originará uma decisão administrativa.

Assim, entendemos que a Lei n.º 9.784/99 e outras de conteúdo similar, em âmbito estadual ou municipal, deva ser aplicada sempre que a lei orgânica e o regimento interno do respectivo Tribunal de Contas forem omissos ou, ainda, quando estabelecerem procedimentos que não prestigie o princípio do devido processo legal. Longe de defender a inaplicabilidade da lei especial, pensamos que a supremacia da Constituição legitima o raciocínio exposto, de modo a impor o cumprimento de norma legal que vai ao encontro e não de encontro com seus preceitos e finalidade.

Não obstante as Cortes de Contas não reconheçam a aplicação das leis gerais de processos administrativos aos processos de controle, os regimentos internos costumam prescrever a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ou das normas processuais em vigor, conforme redação do artigo 298 do regimento do Tribunal de Contas da União.

Por essa razão, as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil – Lei n.º 13.015/2015 - importam para a definição dos direitos e deveres das partes da relação jurídico-processual, bem como dos procedimentos a serem adotados pelas Cortes de Contas.

Nessa oportunidade, trataremos dos reflexos do Novo Código de Processo Civil apenas no que toca à motivação das decisões dos Tribunais de Contas.

3. Os reflexos do Novo Código de Processo Civil na motivação das decisões dos Tribunais de Contas

Não nos parece haver espaço, nos dias atuais, para discussão acerca da necessidade, ou não, de motivar as decisões proferidas pelos Tribunais de Contas.

Os julgadores que compõem essas Cortes – ministros e conselheiros – desempenham função administrativa e como tal estão sujeitos aos princípios e regras do Direito Administrativo, dentro os quais o tão aclamado princípio da motivação.

Assim, embora o dever de expor as razões de fato e de direito que levam o julgador a formar sua convicção e decidir em determinado sentido advenha diretamente da Constituição Federal e, por isso, devesse ser suficiente para impor seu cumprimento, o ordenamento jurídico brasileiro acaba de ganhar mais um apoio para atingimento dessa finalidade.

Trata-se do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil e, muito especialmente, de seu parágrafo 1º que dispõem:

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2º. No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3º. A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

 

O caput do artigo 489 e os incisos I a III não trazem conteúdo muito diferente do artigo 458 do Código anterior. A maior inovação está nos parágrafos do referido artigo.

O parágrafo 1º teve o mérito de arrolar situações nas quais embora exista motivação formal, pela indicação de motivos que justificam a decisão, não há relação de pertinência lógica entre o motivo apresentado e o ato decisório emanado.

Com isso, o Código de Processo Civil passa a exigir que a motivação das decisões judiciais seja material e não apenas formal, densificando o conteúdo do princípio da motivação, para usar expressão cravada por J. J. Canotilho.

Essa regra, que prestigia um dos princípios regentes da atividade administrativa, há de ser aplicada também às decisões proferidas pelas Cortes de Contas, sejam elas interlocutórias ou terminativas.

4. Conclusões

Em breve recapitulação conclusiva, observamos que os Tribunais de Contas vêm se arvorando de poderes de um lado, o que exige, de outro, a observância de direitos dos administrados.

Dentre essas garantias do administrado, uma das mais relevantes, foi a incorporação do devido processo legal como uma das cláusulas pétreas do Texto Constitucional, sendo essa garantia, de maneira inédita e explícita, estendida também aos chamados processos administrativos.

Nesse contexto, é evidente que também a formação da vontade administrativa, seja ela sancionatória ou declaratória, deverá ser pautada pelos critérios que orientam o devido processo legal, a fim de assegurar a valorização da cidadania implícita a esse preceito, sem desrespeitar, por outro lado, valores como a boa-fé e a segurança jurídica.

Não há como se admitir, assim, qualquer tentativa de se afastar ou amesquinhar o respeito a proteções como o contraditório, o direito a produção de provas, a motivação das decisões, dentre outras garantias, em quaisquer processos administrativos instaurados pelos Tribunais de Contas.

Assim, a aplicação do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil aos processos instaurados, conduzidos e decididos pelos Tribunais de Contas há de ser imediata, sem prejuízo do dever de as Cortes de Contas procederem à revisão de seus regimentos internos adaptando-os às inovações do Código de Processo Civil.



Por Angélica Petian (SP)

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