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Temer pode e deve blindar as agências reguladoras

ANO 2016 NUM 188
Carlos Ari Sundfeld (SP)
Professor Titular de Direito Administrativo da Escola de Direito da FGV-SP. Doutor em Direito. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público. Advogado.


07/06/2016 | 5414 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Já em seu primeiro dia, o governo Temer fez sua aposta. O desenvolvimento econômico em meio à crise fiscal viria do programa de parcerias de investimentos – PPI, com  as concessões de infraestrutura. A medida provisória nº 727, editada na ocasião, adotou novas orientações. Bem executadas, podem ajudar. Mas é pouco.

Na década de 90, o Brasil iniciou a construção das agências reguladoras. Seriam instituições de estado. A convicção era forte: sem regulação de qualidade, não haveria concessões sérias. E regulação de infraestrutura precisa de agências autônomas. Leis específicas criaram as agências e as bases das regulações setoriais. Em 1999, veio a lei federal de processo administrativo, para melhorar a segurança regulatória. Na academia e na jurisprudência ideias novas consolidavam a instituição. Havia a sensação de que estávamos no caminho.

Mas depois as práticas política e administrativa provocaram danos enormes, que agora  nos custam caro. Há quem acredite que uma nova lei corrigirá o rumo. Com normas gerais para todas as agências, tratando de competências, finanças, prestação de contas, impedimentos, processo decisório e nomeação de dirigentes. Talvez. Mas é alternativa para o futuro. Neste momento, com as urgências da crise fiscal e o Congresso Nacional conturbado, não vai dar.

Até lá, temos de focar no mais sensível: a nomeação dos dirigentes das agências.

 Pelas leis atuais, a agência é comandada em conjunto pelo colegiado de dirigentes. Eles são indicados pelo presidente da república ao Senado Federal, que os sabatina, como ocorre com ministros do Supremo Tribunal Federal. Se aprovados pelo Senado, o presidente os nomeia para um mandato, com estabilidade. Em abstrato, parecia um bom sistema: a necessidade de acordo entre Poderes inibindo escolhas muito  partidárias, ou improvisadas; e a estabilidade durante o mandato garantindo independência. Funciona bem em outros países. No Brasil, não deu tão certo.  

São duas as razões. A primeira é a facilidade para burlar o sistema. O Executivo não encaminha as indicações ao Senado, ou não se esforça para aprová-las. Então, com pouca transparência, interinos ficam ocupando o lugar. E, claro, são frágeis na função. A segunda falha é que Legislativo e Executivo usaram nomeações para fazer barganhas. Há dirigentes de alto nível, mas vários colegiados ruins, com alguns dirigentes a serviço de partidos, sem maturidade para pressões, sem preparo técnico ou até comprometidos por suspeitas.

Em suma: a realidade da política brasileira deteriorou as agências. É possível  fazer algo no curto prazo? Sem dúvida. Sozinho, com um só decreto, Michel Temer pode fazer a blindagem. Com a vantagem de, se a coisa não funcionar, nova reforma poder ser feita também por decreto. Se funcionar, lei posterior consolida a solução.

As ideias são simples. O Executivo se obriga a fazer as indicações antes de os mandatos se vencerem ou, nos imprevistos, em prazo curto. Hoje ninguém tem prazo para nada, e por isso ninguém é responsabilizado pela burla do sistema. Mais importante: antes de acionar o Senado, o presidente da república pergunta ao Ministério Público Federal e ao Tribunal de Contas da União o que eles têm a dizer sobre o nome sugerido pelo ministro da pasta. Essas opiniões não vincularão o presidente, mas claro que terão peso, fortalecendo ou fragilizando candidatos. As últimas palavras de qualquer modo são do presidente e do Senado.

Tudo isso complica as nomeações. Mas o que é o principal, que hoje não temos? Agências autônomas, fortes e qualificadas. E isso depende de um quadro homogêneo de dirigentes autônomos, fortes e qualificados. Quem conseguir o apoio do ministro da pasta, do MPF, do TCU, do presidente da república e do Senado, terá chances maiores do que hoje de atender a esses requisitos.       

MPF e TCU não são santos nem gênios, é verdade, mas são o que temos à mão como instituições de estado. Por isso, podem evitar para o presidente da república as indicações desastrosas. Verdade também que MPF e TCU pouco sabem de regulação. Mas têm interferido muito nela, por vezes com arrogância ou irrealismo. Que tal criar uma oportunidade para o MPF e o TCU se qualificarem melhor, entenderem mais os desafios da regulação, respeitarem as agências – e, por isso, valorizarem sua autonomia, ao invés de sabotá-la? Permitir que MPF e TCU ouçam previamente os indicados, que conheçam suas ideias, aprendam, é também um bom modo de amadurecer essas instituições de estado e de aproximá-las do mundo real da regulação.

É uma proposta. Para funcionar, o decreto precisaria de certos detalhes. Uma sugestão está na minuta abaixo. Que tal iniciar o debate?  O PPI tem pressa.

 

DECRETO Nº               , DE      DE     DE 2016

Regulamenta a indicação dos titulares de cargos públicos providos por prazo certo e cuja nomeação dependa de aprovação prévia do Senado Federal

                O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, II, IV, VI a, e XXV da Constituição Federal,

DECRETA:

                Art.  1º  A indicação, pelo Presidente da República, dos titulares de cargos públicos   providos por prazo certo e cuja nomeação dependa de aprovação prévia do Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal, observará o seguinte:

                I- o Ministro de Estado supervisor encaminhará, à Casa Civil da Presidência da República, proposta motivada de indicação, expondo o procedimento adotado e os critérios da escolha; 

                II- na substituição decorrente do fim do prazo de mandato, a proposta será encaminhada ao menos 90 (noventa) dias antes da data prevista para a vacância do cargo; 

                III- na substituição por término antecipado de mandato, a proposta será encaminhada no máximo 40 (quarenta) dias depois da vacância do cargo; 

                IV- a proposta será acompanhada dos seguintes documentos apresentados pelo escolhido:

a) plano de trabalho, com sua visão detalhada sobre as atribuições, limitações e desafios do cargo e do setor;

b) declaração quanto a suas qualificações e impedimentos pessoais, bem como sobre as conexões profissionais e políticas que, segundo seu conhecimento, tiverem influído ou possam influir na escolha; e

c) compromisso de comparecimento às reuniões de arguição para as quais venha a ser convidado pelas autoridades formalmente consultadas pelo Presidente da República, na forma do inciso V deste artigo;

                V- o Ministro Chefe da Casa Civil dará ciência ao Procurador Geral da República e ao Presidente do Tribunal de Contas da União, por ofício, dos  documentos a que se refere o inciso IV deste artigo, facultando-lhes a apresentação de considerações, no prazo de 30 (trinta) dias;

                VI- ultrapassado o prazo previsto no inciso V deste artigo, o Ministro Chefe da Casa Civil submeterá a proposta à consideração do Presidente da República, acompanhada dos elementos de instrução que tiverem sido coligidos; e

                VII- o Presidente da República decidirá sobre a proposta em 10 (dez) dias.

 

                Art. 2º Em relação aos cargos que estiverem vagos na data da edição deste decreto sem que tenha sido remetida indicação ao Senado Federal, será observado o prazo do inciso III do art. 1º. 

 

Art. 3º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. 



Por Carlos Ari Sundfeld (SP)

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