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Em defesa do consequenciachismo

ANO 2018 NUM 413
José Vicente Santos de Mendonça (RJ)
Doutor em Direito Público (UERJ). Professor adjunto de Direito Administrativo da UERJ. Professor da Universidade Veiga de Almeida (RJ).


16/09/2018 | 6929 pessoas já leram esta coluna. | 6 usuário(s) ON-line nesta página

No dia 14 de setembro o professor Conrado Hübner Mendes escreveu, em sua coluna na revista Época, crítica ao que denominou "consequenciachismo". Observou que dados objetivos e rigor empírico são raros no ethos judicial. A despeito disso, nota-se, - significativamente, no STF, - certo elogio ao consequencialismo, ao mesmo tempo em que seu exercício se dá sem método nem rigor, muitas vezes resultando no palpite.

O texto de Conrado pode ser tido, sob certa ótica, como mais um de uma série de artigos críticos ao consequencialismo (ou de algo que se afirma como tal), em especial quando realizado pelo STF. De cabeça, lembro-me de artigo de Cláudio Pereira Neto (Verticalização, clausula de barreira e pluralismo político: uma crítica consequencialista à decisão do STF na ADIn 3685), da crítica de Cássio Casagrande acerca das premissas de fato sugeridas por Luís Roberto Barroso em seu voto sobre a reforma trabalhista (STF pode usar a matemática para decidir a reforma trabalhista?), e da série de textos escritos por Diego Arguelhes e Fernando Leal.

Pois bem: este texto é uma defesa do consequenciachismo. É claro que, idealmente, ninguém pode ser a favor de palpites informados por referências equivocadas a dados. No entanto, não vivemos no mundo ideal. Se comparada à tendência interpretativa que lhe competia a atenção - vamos chamá-la, por sugestão de Paulo Modesto, de principiachismo -, o consequenciachismo é mais fraco, e, por isso, melhor.

A retórica das consequências é melhor do que a retórica dos princípios, pois, como apela a estados da realidade, pode ser falseada. Pode-se discutir, num exercício empírico orientado a consequências que incorpore, por exemplo, dado a respeito de pesquisas, sobre a credibilidade da instituição que a realizou, o tamanho da amostra, vieses, o valor da regressão estatística. Uma coisa é discutir, à luz da decisão de licenciar o empreendimento, a "dimensão objetiva do direito fundamental à dignidade da pessoa humana enquanto dever de proteção"; outra é discutir se o estado de coisas A ("os peixes vão morrer na lagoa") é preferível ao estado B ("a hidroelétrica não será construída e provavelmente faltará energia"). Consequências podem ser muita coisa, mas são menos coisas do que, por exemplo, a vis expansiva dos direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana. A retórica das consequências é menos efetiva do que a retórica dos princípios. Bom para todos.

E o subtexto da crítica de Conrado é, afinal, um elogio ao consequencialismo consequente; aquele que é feito com método, dúvida sistemática, rigor inclemente. Não sei se algum dia isso conseguirá ser feito, seja pelo STF, seja por qualquer outro julgador. Mas são as dores do parto. Mudar a gramática é, em parte, mudar o jogo. Um Direito menos toscamente bacharelesco pode ser um Direito ainda toscamente empírico - mas é um Direito que aponta para um mundo melhor. Por fim, parece que, de fato, o giro empírico-pragmático está acontecendo. Se começou a apanhar do Conrado Hübner, é porque é relevante, e vem botando medo; quase assim um Gilmar Mendes.



Por José Vicente Santos de Mendonça (RJ)

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