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Projeto de Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Primeira Parte

ANO 2017 NUM 368
Juliano Heinen (RS)
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor titular de Direito Administrativo da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Professor de Pós-Graduação e Direito (UNIRITTER Laurent University, Universidade de Caxias do Sul e UNISC). Professor da Escola Superior da Magistratura Federal (ESMAFE), da Escola da Magistratura do Estado Rio Grande do Sul (AJURIS), da Escola da Magistratura do Estado do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), da Escola Superior de Direito Municipal (ESDM). Procurador do Estado do Rio Grande do Sul e Parecerista.


04/07/2017 | 5605 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Plano de trabalho

Impressiona que o direito administrativo sofra tantas mudanças legislativas em tão pouco tempo. Câmbios para lá de superficiais. Para quem costuma ler este periódico regularmente pode perceber que corriqueiramente são apresentadas impressões sobre relevantes modificações nesta parte específica do ordenamento jurídico. E isso, como bem sabemos, tem um bônus e um ônus. Ganhamos atualidade, e corremos o risco de perder direção. Mas, afinal, é este o grande dilema das alterações legislativas, não é mesmo?

Avizinha-se mais uma destas profundas modificações no direito administrativo: temos à frente o exame de um projeto de lei com cento e trinta e um artigos, o qual poderíamos, quiçá, chamar de “Código de Licitações e de Contratos Administrativos”. Muita coisa poderia ser dita, é certo. E, neste espaço, trataremos daquilo que é mais inovador, mais instigante e mais perplexo do novo projeto de lei que visa a redesenhar juridicamente as licitações e contratos administrativos. Pretendemos ser simples, objetivos e diretos, apresentando, aqui, verdadeiro “city tour” quanto ao que pode ser alterado em termos de certamos públicos.

Apesar dessa mencionada opção em selecionar alguns dos dispositivos do projeto de lei que aborda o assunto das licitações e contratos públicos, dividiremos nossa exposição em três partes, a serem publicadas na sequência dos dias. Hoje, ou seja, na primeira parte, trataremos de explicar o contexto do tema e a parte inicial da lei. Em um segundo momento, falaremos dos procedimentos e tipos licitatórios. Para, derradeiramente, concentrarmo-nos na análise dos contratos e das disposições finais e transitórias. Esperamos, então, trazer a público reflexões sobre o “novo” regime jurídico-licitatório e contratual do Poder Público que encontrasse tramitando no Congresso Nacional, já tendo sido aprovado no Senado Federal.

Introdução

O Projeto de Lei (PL) nº 559 de 2013 teve início no Senado Federal. Lá ganhou um substitutivo que recebeu mais de cinquenta emendas. Depois da sua aprovação, foi remetido à Câmara de Deputados, quando recebeu o nº 6.814/17. Nesta segunda casa legislativa o referido PL passou a tramitar em uma comissão especial, de modo prioritário, dada sua magnitude e importância.

Sabemos bem que a legislação que trata das licitações e contratos possui influência decisiva na economia interna. Afinal, segundo dados da própria União, as compras públicas são responsáveis pela transação comercial de bilhões de reais. E não é só: a legislação sobre o tema é por deveras importante também no âmbito externo. Veja que o Brasil, para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), deverá adotar regras específicas no que se refere aos contratos administrativos. Eis o porquê a legislação que trata do tema mostrar relevância no campo do desenvolvimento nacional como um todo.

Influência

Quanto às questões materiais, podemos dizer que a proposta legislativa em questão sofreu influência da Diretiva nº 24/2014, da União Europeia, especialmente quanto ao tema da flexibilização dos contratos administrativos. E esta influência fica clara no que diz respeito à modalidade de “diálogos competitivos”, a seguir tratada. Devemos referir, por oportuno, que as diretivas emitidas pelo dito bloco europeu funcionam como uma espécie de “norma geral”, a qual deverá ser internalizada em cada País-membro.

Já os modelos de contratação norte-americano e britânico influenciaram o tema dos “seguros”, previsto no PL. Ambos os institutos mencionados serão comentados adiante.

Quanto ao âmbito interno, vemos que serão revogadas a Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos administrativos), Lei nº 10.520/02 (Lei do Pregão) e arts. 1º a 47 da ei nº 12.462/11 (o Regime Diferenciado de Contratações ou simplesmente “RDC) – conforme art. 130 do PL. Ao mesmo tempo, a própria lei “importa” partes destes diplomas, unificando as regras de cada qual em uma lei específica. Então, o projeto também é influenciado, de certa forma, pelos dispositivos da referida legislação brasileira, bem como por alguns precedentes do Tribunal de Contas da União.

Já de início podemos perceber um efeito colateral gritante neste aspecto: a legislação a ser gestionada é “fragmentada”, ou seja, tentou perfazer um diálogo entre os diplomasle normativos mencionados, sem atentar para questões significativas e para incongruências já hoje evidenciadas. Provaremos isto logo já.

As primeiras definições legais feitas pelo PL

O art. 4º do PL, já de início – como é de praxe –, faz uma lista de quais princípios administrativos que regem as licitações e contratos administrativos. A regra em questão invoca dezoito deles, acrescendo, então, oito novos em relação à lei geral vigente, quais sejam: eficiência, motivação, eficácia, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, competitividade, proporcionalidade, economicidade e sustentabilidade. E uma mudança axiológica importante, mas que somente terá utilidade caso sejam implementadas novas estruturas, uma cultura diferente e práticas diversas daquelas que se tem hoje. Afinal, ao que se sabe, o direito não salva uma Nação quando ela é comandada por gestores com más intenções.

Avançando, o art. 5º é um dos mais significativos do projeto. Ele faz uma importante interpretação autêntica, enfim, “explica” o que seriam considerados alguns institutos, documentos, ações etc. em licitações e contratos administrativos. Estamos diante de um dispositivo com cinquenta e três longos incisos. Deles, podemos destacar a mudança de nomenclatura do “projeto básico”, o qual, agora, é denominado de “projeto completo”, sem percebermos maiores mudanças substanciais, ou seja, em termos de conteúdo (art. 5º incisos XXII e XXIII).

Do longo art. 5º, ainda podemos destacar que o inciso XXV define o que é a matriz de risco, documento passível de ser inserido no certame, o que já era previsto pela recente Lei das Empresas Estatais (Lei nº 13.303/16). Tal documento mostra-se relevante para evitar toda a sorte de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro. A legislação, ainda, procurou definir o que é a contratação integrada (inciso XXX) e a contratação semi-integrada (inciso XXXI), esta última também prevista na referenciada Lei das Estatais.

O inciso XXXII trata do “serviço e fornecimento associado”, sendo um regime de contratação novo, porque, além do particular ficar obrigado a entregar o objeto contratado, responsabiliza-se por sua operação, manutenção ou ambas, por tempo determinado.

É bastante inovadora a previsão da figura do “diálogo competitivo” (inciso XLI), podendo ser considerada uma modalidade de licitação inédita. Neste caso, o Poder Público poderá, diante de objetos extremamente complexos – por exemplo, na ocasião em que o Estado não consegue sequer saber como proceder na contratação –, realizar “diálogos” com licitantes previamente selecionados. Essa “conversa” tem o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final depois do encerramento do debate. Em resumo, o art. 29 elenca três casos em que tal procedimento é possível de ser aplicado, todos eles revelando uma situação em que a Administração Pública não possui condições de estruturar a competição. Na França, por exemplo, esta modalidade de certame foi aplicada em relação à contratação de grupos hospitalares. E na Inglaterra, serviu para selecionar propostas de construção das grandes estruturas olímpicas do evento de 2012. Devemos perceber que esta é uma modalidade dotada de bastante subjetividade. E esta característica, no Brasil, sempre causa desconfiança, dado que isto corriqueiramente se mostrou perigoso em termos de fraude.

Havia uma reclamação antiga no sentido de que os certames públicos deveriam ser conduzidos por um copo de servidores técnicos e estáveis. Indo ao encontro destes reclames, o art. 7º, § 1º do PL cria a figura do “agente de licitação”, o qual se destina do trato diuturno das atividades licitatórias. E isto é bastante minuciado normativamente. Interessante notar que o § 5º permite contratar, temporariamente, um profissional ou empresa para assessorar o órgão que trata das licitações. Devemos dizer que se mostra elogiosa e necessária a profissionalização dos servidores que conduzem os certames públicos, sendo uma das grandes conquistas do projeto de lei em questão.

Outra medida bastante profícua consiste na determinação de que o processo licitatório seja feito preferencialmente de modo eletrônico (art. 11, inciso VI). E isto é coerente e condizente com o que já se pratica, bem como está conforme com as facilitações trazidas pelas ferramentas da tecnologia da informação. O PL, aliás, a todo o momento prevê que estes instrumentos tecnológicos sejam aplicados, podendo esta “preferência” ser considerada uma verdadeira diretiva das licitações que se quer ver no futuro.

Chama a atenção, ainda, a novidade prevista no art. 13, que trata dos consórcios de pessoas jurídicas para participar de um certame. Essa associação mostra-se viável e adequada quando uma empresa isoladamente possui dificuldades ou sequer conseguiria disputar o certame, dada a complexidade, valor ou amplitude da obra a ser construída. Veja que o número de empresas que podem formar um consórcio não foi limitado pelo art. 33 da Lei nº 8.666/93. Já o PL permite esta limitação, desde que haja justificativa técnica aprovada pela autoridade competente, e previsão expressa no edital (§ 5º).

Um tema bastante polêmico reside na possibilidade (ou não) da contratação de cooperativas, porque se entendia que elas poderiam servir como um “subterfúgio” para locação de mão de obra na prestação de serviços à Administração, em detrimento de direitos e garantias dos trabalhadores envolvidos. O PL pretende acabar com esta polêmica, na medida em que o art. 14 passará a regular a contratação de cooperativas, nas formas e limites ali definidos.

Encaminhamento

Em poucas palavras conseguimos perceber como o projeto de lei que trata das licitações e contratos administrativos é complexo e necessário. Demonstramos as influências e influxos nele inseridos, e apresentamos algumas das novidades previstas já na parte inicial da proposta normativa em questão. Nos próximos textos, será feita uma análise das principais mudanças que se quer implementar em relação aos procedimentos e contratos.

No mais, não se tem dúvidas de que a formatação e conformação da legislação ora comentada serão, após sua vigência, feitas pela jurisprudência das Cortes de Justiça e de Contas. Logo, por conta desta situação, estamos frente a um panorama aberto e a um estudo inacabado. Mas temos, aqui, um ponto de partida e uma direção.



Por Juliano Heinen (RS)

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