Leandro Velloso (RJ)
Em 29.12.2017 foi publicada Medida Provisória n.º 814/2017, que em especial revogava o art. 31, parágrafo 1º, da Lei Federal n.º10.848/04, retirando desta forma a Centrais Eletrícas S/A – ELETROBRAS e suas principais subsidiárias do Programa de Desestatização, de acordo com as intenções federais demarcadas na Resolução n.º 13 do Conselho do PPI, Resolução esta que opinou pela qualificação de medidas de desestatização relacionadas às Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras (“Eletrobras“) no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, e recomendou sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização – PND.
Inicialmente, é relevante enfatizar, sem mais delongas, que a vontade administrativa explícita na referida Medida Provisória é justamente dar impulso a recomendação da citada Resolução possibilitando a inclusão da sociedade de economia mista federal (Eletrobras) no PND, ou seja, extinguir a estatal da forma jurídica constituída para outra estrutura societária, sem a qualificação de sociedade de economia mista, deliberando a vontade de transformar a holding de economia mista numa simples sociedade por ações cujo patrimônio majoritário será do setor privado. Ocorre, que a Lei Maior (cf. art. 37, XIX e XX) exige lei em sentido estrito, para a criação e extinção de uma estatal movida por ações. Portanto, o referido ato privativo do Poder Executivo está eivado de vício de competência sem a possibilidade de convalidação.
Ademais, por amor à argumentação, Maria Sylvia Zanella Di PIETRO afirma que, privatização, em sentido amplo, "abrange todas de medidas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente: desregulação, ou seja, a diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico; desmonopolização de atividades econômicas; a venda de ações de empresas estatais ao setor privado, ou seja, desnacionalização ou desestatização; a concessão de serviços públicos com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo; os contracting out , isto é, como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de obras e prestação de serviços); é nesta última formula que entra o instituto da terceirização.
Ocorre que a desestatização no setor elétrico merece cuidados especiais, uma vez que se trata de serviço público sensível de relevância pública e social. Neste ponto, o TRF da 4ª Região, na recente decisão que indeferiu o pedido da União Federal de suspensão da liminar concedida nos autos da Ação Popular n.º 0800056-23.2018.4.05.8300 da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco - , ação esta que objetiva proteger o patrimônio público nacional contra a medida provisória em apreço, por ausência de grave lesão às ordens econômicas e públicas na medida em que o impacto financeiro apontado pela União, na ocasião da manutenção da liminar que suspendeu a referida Medida Provisória, constitui risco eventual e condicionado, a depender, não apenas da conclusão dos estudos de viabilidade da desestatização, mas ainda, do envio e aprovação, pelo Congresso Nacional, de projeto de lei tendo com o objeto da desestatização Eletrobras e de nova licitação para a concessão de energia elétrica.
Nota-se que a União Federal dentre outros argumentos, justificou que se torna necessária a manutenção dos efeitos da citada Medida Provisória, uma vez que a suspensão, em questão, comprometeria a arrecadação dos mencionados valores previstos na LOA de 2018 (cerca de 18,9 bilhões de receitas de concessões e cerca de 12,2 bilhões diretamente das concessões de usinas da Eletrobras e condicionadas ao processo de privatização da empresa), bem como a suspensão da Medida Provisória poderia reduzir a possibilidade de ingresso no caixa da União em 2018 dos recursos associados ao pagamento pela outorga de novos contratos de concessão de hidrelétricas.
Desta feita, está nítido que o Poder Executivo Federal exterioriza sua motivação com a finalidade arrecadatória, demonstrando sua tredestinação ilícita do instituto da desestatização, à luz da supremacia do interesse público.
É cediço que o direito público em geral se ocupa essencialmente da realização do interesse público. Neste contexto, ao se vivenciar o ideal do interesse público, pode-se dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social.
Por outro lado, em sintonia com a persecução administrativa, o Poder Público se encontra em situação de autoridade, de comando, relativamente aos particulares, como fator indispensável para gerir os interesses públicos. Assim, o exercício da função administrativa (desestatização/privatização) está adstrita a satisfazer os interesses públicos, isto é, o interesse da coletividade.
Por fim, neste ponto, é possível vislumbrar que as prerrogativas inerentes à supremacia do interesse público sobre o interesse privado e ao cidadão só podem ser manejadas para o alcance de interesses públicos e não para satisfazer apenas interesses ou conveniências do aparelho estatal, e muito menos dos agentes governamentais (c.f BANDEIRA DE Mello, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. Malheiros, 33ª ed. Malheiros, 2016).
É importante elucidar que a Medida Provisória n.º 814/2017, vinculada à Resolução n.º 13/2017 do Conselho do PPI, expressamente demonstra a busca de recursos financeiros para o caixa da União em 2018, ferindo o pressuposto lógico de qualquer PND que se consagra não apenas sob o aspecto econômico-finaneiro. Para corroborar, nos autos da Ação Popular, em questão, a Nota Informativa n.º 04/2018/ASSEC a AGU sustenta que a suspensão da Medida Provisória n.º 814/2017 teria o potencial de gerar impacto financeiro nos cofres da União, que “por ora, vislumbra-se corte de despesas ou busca de novas fontes de receita a fim de manter a meta fiscal estabelecida para 2018.”
Destaco, neste ponto, que o PND possui diversos fundamentos cogentes e cumulativos, dentre outros, contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida. Ocorre que a busca de recursos com a privatização da Eletrobras para o Caixa da União não contribuirá para a reestruturação econômica do setor público, muito menos melhorará o perfil e da redução da dívida pública líquida.
Tal assertiva se alinha ao objetivo consagrado pela União, neste programa, que busca recursos para cumprir os objetivos da Lei Orçamentária Anual - LOA, uma vez que a Nota Técnica n.º SEI/MF 0278495, do Ministério da Fazenda preconiza “que a suspensão dos efeitos da MP, comprometeria a arrecadação dos mencionados valores ainda em 2018 e que a LOA 2018 da Lei 13.587/18 assim o prevê.”
Ora, o Orçamento anual visa concretizar os objetivos e metas propostas no Plano Plurianual (PPA), segundo as diretrizes estabelecidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e não há previsão no PPA e LDO desestatização no setor elétrico para a reestruturação econômica do setor público, e para melhorar o perfil e reduzir a dívida pública líquida.
Conclui-se, de maneira simplista, e sem esgotar o tema de alta relevância para a sociedade, para os atores de produção e de mercado, as justificativas e motivações da manutenção dos efeitos da Medida Provisória n.º 814/17, objeto desta reflexão, em especial pela manutenção da revogação do disposto legal previsto na Lei 10848/04, no sentido de excluir o Sistema Eletrobras da proibição de sua inclusão no PND, não possui juridicidade, por vício insanável de vontade administrativa arrecadatória da União Federal, em consonância com os requisitos legais vigentes, vontade esta que jamais poderá infringir o interesse público quando exteriorizada por atos normativos e legais, desvirtuando a verdadeira concepção da supremacia do interesse público do serviço público de energia elétrica.