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A AutoAplicabilidade da Lei das Estatais e seu Decreto Federal n.º 8245/16 à luz do Princípio do Planejamento da Administração Pública com a Lei Federal n.º 8666/93

ANO 2017 NUM 326
Leandro Velloso (RJ)
Prof. de Direito Administrativo e de Compliance Público. Pós-Graduado em Direito Contratual pela PUC/SP. Mestrando em Direito Administrativo Assistente da Presidência da Eletrobras Furnas. Ex-Superintendente do CSC Eletrobras (2018/2020). Advogado.


13/02/2017 | 5384 pessoas já leram esta coluna. | 7 usuário(s) ON-line nesta página

No segundo semestre de 2016 eis que surge o Estatuto das Estatais com o advento da Lei Federal n.º13.303/2016, o qual estabelece normas sobre regime societário, licitações, contratos e controle das empresas públicas, sociedade de economia mista e suas subsidiárias, exploradoras de atividades econômicas, ainda que em regime de monopólio, e prestadores de serviços públicos.

Registre-se, que de forma objetiva a Lei Federal n.º 13.303/2016 “fixou normas homogêneas de licitação para toda e qualquer empresa estatal, sem distinção entre o tipo de objeto prestado, seja de serviço público e/ou atividade econômica, e sem qualquer distinção em relação às estatais dependentes ou independentes financeiras”.

Em relação a aplicabilidade da novatio legis (nova lei), o artigo 97 estipula que “esta lei entra em vigor na data de sua publicação.” Portanto, desde o dia 01 de julho de 2016 a referida norma  já opera seus efeitos obrigacionais às estatais. Por outro lado, o artigo 91 prevê que a “empresa pública e a sociedade de economia mista constituídas anteriormente á vigência desta Lei deverão, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, promover as adaptações necessárias à adequação ao disposto nesta Lei.

Entretanto, o Decreto Federal n.º 8945/2016 de 27.12.16 prevê em seu artigo 71 que o regime de licitação e contratação do Estatuto é autoaplicável, exceto alguns procedimentos e atos licitatórios descritos no citado dispositivo. Neste sentido, o regulamento executivo determina que a empresa estatal deverá editar regulamento interno de licitações e contratos até o dia 30 de junho de 2018, que deverá dispor sobre as matérias não auto-aplicáveis, os níveis de alçada decisória e a tomada de decisão, preferencialmente de forma colegiada, e ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, se houver, ou pela Assembleia Geral.

Neste diapasão, não há que se falar que as Estatais possuem 24 (vinte e quatro) meses para se amoldar a esta lei in totum, em razão da necessária observância ao princípio do planejamento (art. 6º, e 7º do Decreto- Lei n.º 200/67), princípio este inerente às atividades administrativas da Administração Pública, conforme exigência do citado Decreto, além do expresso dispositivo executivo.

Conclui-se, neste item, que as Estatais tem o dever obrigacional de promover as adaptações necessárias, nos termos desta Lei, com a máxima brevidade em prol do planejamento administrativo.

Por outro lado, ainda, é sabido que a Lei Geral de Licitações e Contratos não foi revogada pela Lei das Estatais, logo as Estatais  também estão vinculadas à sua aplicação, nos termos da sua finalidade.

Neste caso, em razão do princípio da legalidade, princípio este inerente à Administração Pública, por força dos artigos 37, “caput “, e artigo 84, inciso IV da Constituição Federal, não  há margem de opção para o gestor atuar senão em virtude de lei, extraindo dela o fundamento jurídico de validade dos seus atos. 

Assim, as Estatais não possuem margem de opção em relação às leis acima citadas, uma vez que a nova Lei Federal 13.303/16 é direcionada a todas as estatais da Administração Pública.

É interessante lembrar que a  legalidade é a base do Estado de Direito (submissão à lei). Logo, as Estatais estão submissas, em todo o seu atuar, aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum. Nota-se, ainda, que a administração é a atividade de quem não é senhor absoluto, sujeitando-se a uma vontade externa que, ou seja, a vontade da Lei.

Portanto, a vontade extraída da Lei 13.303/16 é garantir uma regra própria e específica para todas as Estatais, em especial, no que tange às licitações e contratos (VELLOSO, Leandro. Resumo de direito administrativo. 3ª Ed. Impetus, 2009).  Ademais, o princípio da finalidade preconiza  que a norma administrativa deve ser interpretada e aplicada da forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige.

Deve-se ressaltar, o  que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade a que se destina. A partir dela é que se compreende a racionalidade que lhe presidiu a edição. Logo, é na finalidade da lei que reside o critério norteador de sua correta aplicação, pois é em nome de um dado objetivo que se confere competência aos agentes da Administração. Desta forma, a Lei Federal n.º 13.303/16, que não revogou a Lei Federal n.º 8.666/93, deve ser observada pelas Estatais para garantir a realização do citado fim público a que àquela lei de dirige, isto é, o regime jurídico próprio de licitações e contratos para todas as empresas públicas e sociedades de economia mista da Administração Pública Brasileira(AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005).

No que refere a aplicabilidade ou não das modalidades licitatórias da Lei Federal n.º 8.666/93, é nossa percepção que a Lei Federal n.º 13.303/16 não prevê sua  aplicabilidade. Por outro lado, nos termos do art. 32, inciso IV da referida lei, competirá a Estatal adotar preferencialmente o Pregão da Lei Federal n.º 10.520/02, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

Nesse sentido, a licitação da Lei das Estatais será única com o procedimento descrito a partir do art. 51 do mesmo diploma legal, salvo a citada preferencialidade do Pregão,  sendo certo que a Lei em questão não se vincula ou equipara ao Regime Diferenciado de Contratação - RDC. Portanto, as licitações da Lei das Estatais serão aquelas prevista em edital próprio com  a adoção do procedimento acima declinado, sem aplicação de outra modalidade, Conclui-se, neste contexto, que de forma objetiva as Estatais não adotarão as modalidades da Lei Federal n.º 8.666/93 e nem o RDC com base na Lei das Estatais.

Destarte, nos casos omissos, as Estatais devem adotar princípios gerais de direito aplicáveis às licitações, à luz da melhor interpretação do art. 4º, da Lei nº 12.376/2010.

De vis à vis, a interpretação analógica da Lei Federal n.º 8.666/93, em casa de omissão da Lei das Estatais, deve ser usada com a devida cautela, conforme preconiza a melhor doutrina de Direito Administrativo de qualidade. Com efeito, o Direito Administrativo não é infenso à interpretação analógica, como meio de revelar o que está textualmente contido na lei ou se desdobra de regras expressas, em obediência ao princípio da igualdade de soluções para situações semelhantes e equivalentes, devendo a interpretação da lei processar-se de acordo com as mesmas regras de interpretação das leis em geral. Desta forma, a Estatal aplicará analogicamente a Lei Federal n.º 8666/93 quando a Lei das Estatais expressamente prevê conteúdo genérico  que se necessita de uma interpretação analógica da Lei 8.666/93. Portanto, no caso a ausência de previsão de modalidades de licitação constantes na Lei n.º 8666/93, não permitirá ao gestor aplicar a interpretação analógica da àquela lei geral à Lei em apreço ( ZABONINI. Corso di Diritto Amministrativo, vol. 1º., pág. 33).

Diante do exposto, é nossa percepção que as Estatais devem adotar de forma cogente os ditames da Lei Federal n.º 13.303/16, em destaque quanto às novas regras atinentes às licitações e contratos, no prazo legal, com a brevidade necessária à luz do princípio do  planejamento da Administração Pública, bem como adotar o procedimento de licitação da referida Lei, em razão do princípio da legalidade e da finalidade administrativa, através de regulamento interno próprio.

Por último, é importante pontuar que nos casos omissos do regramento em questão, a Estatal deve obedecer o comando da interpretação analógica da Lei Federal n.º 8.666/93 apenas nos assuntos de que a própria Lei das Estatais enumera mas não o regulamenta explicitadamente, o que determina ao agente público usar o comando da interpretação analógica e/ou princípios gerais de direito caso a caso, em sintonia com a supremacia do interesse público na miríade de atividades da Estatal vinculada ao seu objeto social e ao interesse público. Eis uma nova missão para a sobrevivência das Estatais no Brasil. 



Por Leandro Velloso (RJ)

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