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A "Lei da Empatia": impactos do PL 7.448/2017 sobre o controle externo da Administração Pública Brasileira

ANO 2018 NUM 394
Marco Aurélio de Barcelos Silva (MG)
Professor de Direito Administrativo do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Doutorando em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito (LLM) pela University College London e mestre em Direito Administrativo pela UFMG.


23/04/2018 | 7165 pessoas já leram esta coluna. | 5 usuário(s) ON-line nesta página

A imprensa e a internet estão, hoje, tomadas por discussões sobre o Projeto de Lei nº 7448/2017, que para alguns é apelidado de “Lei da Segurança Jurídica” e, para outros, de “Lei da Condescendência” ou – de forma ainda mais genérica – de “Lei-que-põe-a-perder-a-operação-lava-jato”. A esta altura, já se sabe que o referido PL pretende adicionar importantes regras de hermenêutica sobre temas do Direito Público no âmbito do Decreto-Lei nº 4.657/42, que é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). De fato, há algum tempo, juristas de renome vêm se manifestando quanto aos efeitos da edição dessa Lei, bem como quanto às repercussões que ela poderia trazer sobre a forma de interação entre os órgãos de controle o os agentes da Administração Pública.

Diante da crescente antagonização dos debates que circundam o assunto, este breve artigo vem fazer coro a um dos lados da discussão, acrescentando argumentos adicionais sobre os benefícios que a sanção do PL poderá produzir para a Administração Pública brasileira. O nome utilizado para se fazer referência ao PL, a propósito, é inspirado no livro de Frans de Waal (A era da empatia. Lições da natureza para uma sociedade mais gentil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010), o qual mostra que a empatia teria uma longa história evolutiva que antecederia ao próprio homem – sendo um atributo natural que permearia a sociedade humana, bem como a de outros animais. Acredita-se, nesse caso, que a empatia traduziria o espírito que se encontra no cerne da lógica jurídica das disposições do Projeto de Lei nº 7448/2017, merecendo destaque, nesse caso, a seguinte passagem da obra de Waal:

O sustentáculo mais sólido para o bem comum é o autointeresse esclarecido, ou seja, a consciência de que todos ficaremos em melhor situação se trabalharmos juntos. Se o benefício de nossas contribuições não for colhido hoje, ele o será, ao menos potencialmente, no futuro, e se esse benefício não se der no plano pessoal, ele se manifestará na melhoria das condições à nossa volta. A empatia promove a ligação entre os indivíduos e fornece a cada um deles uma “participação” no bem-estar dos outros, encurtando a distância entre os benefícios diretos – “que vantagem isso me traz?” – e os benefícios coletivos, cuja compreensão não é tão imediata (A era da empatia... p. 10).    

Vale lembrar que o referido PL é decorrente do Projeto de Lei do Senado nº 349/15, de autoria do Senador Antonio Anastasia, e tem como tema de apelo a “segurança jurídica”. Segundo já explicava o autor do PLS 349/15, em suas justificativas para a iniciativa, o aumento sobre os processos e o controle da Administração Pública estariam provocando um “aumento da incerteza e da imprevisibilidade”, o que poderia colocar em risco “ganhos de estabilidade institucional”. Haveria, além do mais, uma tendência atual à superficialidade na formação do juízo sobre complexas questões jurídico-públicas, o que induziria, como bem retratado por dois importantes apoiadores técnicos do projeto de lei – os professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto – a “uma instabilidade dos atos jurídicos públicos, pelo risco potencial de invalidação posterior, nas várias instâncias de controle” (SUNDFELD, Carlos Ari. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 278).

Em virtude disso, seriam necessárias “novas balizas interpretativas, processuais e de controle a serem seguidas pela Administração federal, estadual e municipal”, inserindo-se, por conseguinte, novas disposições à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – que já se propunha a ser uma ferramenta de hermenêutica para toda a ordenação jurídica do País.

O PL 7448/2017, então, prevê a inserção de onze novos artigos (de 20 a 30) ao Decreto-Lei nº 4.657/42, que cuidam, basicamente, dos seguintes assuntos:

  1. Arts. 20 e 21: de acordo com o Relatório da Senadora Simone Tebet sobre o PLS 349/15, ambos os artigos consagrariam o assim chamado “princípio da motivação concreta”, ao proibirem o administrador público – e mesmo o controlador – de invocar cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados para explicar os concretos motivos de seu agir, ou quando, ainda, ocorresse a invalidação de atos ou contratos administrativos. Seria esse, por exemplo, o caso em que um decisor público fundamentasse uma dada medida com base apenas na expressão “interesse público” – sem avançar nos aspectos que permitissem compreender em que medida e por qual razão a decisão tomada privilegiaria tal interesse, em detrimento de outros interesses e direitos (inclusive individuais) possivelmente afetados;
     
  2. Art. 22: esse dispositivo apresenta um parâmetro adicional para a interpretação das normas sobre gestão pública, podendo-se se dizer que estaria dirigido, especialmente, à atuação dos órgãos de controle sobre o agir administrativo. Ilustrando o espírito de “empatia” que deveria informar o processo de análise e fiscalização da conduta do gestor público, ele prevê a necessidade de se considerarem os “obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo” como indicativos da plausibilidade do ato por ele praticado. Esse raciocínio é confirmado, sobretudo, no parágrafo primeiro do dispositivo, de acordo com o qual “as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente” deverão ser ponderadas em uma decisão sobre a regularidade, ou não, da sua conduta, ou de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativos;
     
  3. Arts. 23 e 24: aqui, o PL nº 7448/2017 cuida da adoção de um “regime de transição” para os casos de mudança de entendimento sobre norma de conteúdo indeterminado. Trata-se, em última análise, de se trazer “bom senso nos casos de mudanças”, garantindo-se que a submissão às novas exigências ocorra de modo proporcional, equânime e eficiente. A esse respeito, vale destacar a figura inovadora da negociação entre o administrado e a autoridade competente, para os casos em que o regime de transição não tiver sido previsto, conforme prescrição do parágrafo único do art. 23;
     
  4. Art. 25: a figura trazida por esse artigo é uma das mais inovadoras do PL. Sob inspiração da mecânica própria das ações declaratórias de constitucionalidade ou ADCs (Lei Federal nº 9.868/99), o art. 25 prevê a possibilidade de o ente público ajuizar “ação declaratória de validade” de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença, além do mais, faria coisa julgada com eficácia erga omnes. No Relatório submetido à CCJ do Senado, a Senadora Simone Tebet destacou o aperfeiçoamento legislativo trazido pela norma, que poria fim às “guerras de liminares dos interessados em atrasar políticas públicas”. Sua pertinência com a LINDB, ainda de acordo com a Senadora, estaria em se criar um mecanismo que garantisse “a certeza quanto à vigência e obrigatoriedade das normas a todos os entes da Administração Pública”;
     
  5. Arts. 26 e 27: ambos os artigos seguem a linha da “administração pública consensual ou dialógica”. Em relação ao primeiro dispositivo, prevê-se a possibilidade de a Administração Pública celebrar compromisso com particulares a fim de sanar irregularidades ou resolver contendas, como nos casos que envolverem sanções ou créditos passados. Já o art. 27, sensível ao fato de que a atuação das partes no processo pode se dar de maneira oportunista, em razão, por exemplo, da postergação dos efeitos de alguma medida que contrarie algum dos seus interesses, faculta ao Poder Público exigir compensação pelos benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos decorrentes da conduta dos envolvidos. Para prevenir ou regular essa compensação, no entanto, poderá ser celebrado compromisso processual entre as partes afetadas;
     
  6. Art. 28: o dispositivo contribui para a delimitação da responsabilidade do agente público de boa-fé, reforçando a necessidade da existência de dolo ou erro grosseiro em suas decisões ou opiniões técnicas, como condição para a sua responsabilização. Chama a atenção, nesse sentido, o disposto no § 1º do artigo, que afasta da caracterização de erro grosseiro “a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais”. A esse respeito, vale replicar o que também ponderou a Senadora Simone Tebet, no Relatório sobre o PL nº 349/15: “Como responsabilizar um agente público que adote interpretação posteriormente rejeitada pelos órgãos controladores? Novos atos normativos ou mudanças decorrentes ou jurisprudência não podem atingir opiniões passadas, especialmente para punir advogados públicos ou pareceristas, quando de boa-fé ou agindo sem erro grosseiro” – diz ela;
     
  7. Art. 29: tal artigo contempla a possibilidade de realização de consulta pública prévia à edição de atos normativos pelas autoridades públicas, dando preferência, nesse caso, à utilização da internet. Trata-se de uma medida que já era praticada por agências reguladoras federais e que permitirá, a um só tempo, a participação popular na confecção de tais atos, além de ganhos em termos de transparência, legitimidade e segurança jurídica na sua produção; e
     
  8. Art. 30: esse artigo foi inserido posteriormente sobre o texto original do PLS nº 349/15, pelo Relatório aprovado na CCJ do Senado Federal. Também inspirado na ideia de se aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, o dispositivo prevê a edição de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, de caráter vinculante para o órgão ou entidade a que se destinam, uniformizando o entendimento no âmbito dos órgãos e entidades administrativos.

Como se observa, a abrangência das normas contidas no Projeto de Lei nº 7448/2017 é realmente ampla e contribui com importantes temas atuais do Direito Público. Mas vale voltar a atenção, em especial, para os arts. 20, 21 e 22 trazidos por aquele diploma, cujo conteúdo mais se aproximariam da ideia de “empatia” com a qual se deseja contextualizar a atividade do controle externo da Administração Pública.

Todos aqueles três artigos colocam em evidência a preocupação para com as consequências das decisões tomadas na esfera administrativa, controladora ou judicial. Isso fica nítido, por exemplo, nas disposições do art. 20, segundo as quais “não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, bem como na prescrição do art. 21, a qual prevê que a decisão que invalidar “ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”. Veja-se que a Lei não está a limitar a utilização dos conceitos jurídicos ditos indeterminados como fundamento de uma decisão, tampouco o poder de revisão ou de invalidação de atos administrativos irregulares. O que ele pretende, na verdade, é impor à autoridade competente um esforço intelectivo adicional, que considere os efeitos decorrentes da sua decisão de forma manifesta.

De outro lado, o art. 22, ao exigir que sejam sopesados os “obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu encargo”, põe em foco a questão atinente às condições de contorno e de possibilidade que permeiam a atividade administrativa, as quais poderão ser, inclusive, utilizadas na avaliação da regularidade de conduta ou ato praticado, ou ainda, em decisão que acarrete a aplicação de sanções ao gestor público. Trata-se, nesse caso, da ideia de primado da realidade, para o qual o PL nº 7448/2017 busca sensibilizar as autoridades públicas brasileiras.

Sobre esses pontos, é oportuno lembrar, por exemplo, que os quesitos que informam a atividade de controle exercida pelos Tribunais de Contas pátrios sobre a Administração Pública são, por eles sós, abrangentes, não raro levando a uma percepção de insegurança aos agentes públicos, dada a grande imprecisão do seu conteúdo (como se definir, por exemplo, o conteúdo jurídico de termos como “legitimidade e economicidade”?). Até mesmo a tipificação das condutas infracionais que justificam a cominação de penalidades pelas Cortes de Contas é vaga e se utiliza, também ela, de conceitos jurídicos indeterminados. Chamam a atenção, dentre outros, os incisos II e III do art. 58 da Lei Orgânica do TCU, que autorizam a aplicação de multa nos casos em que o gestor tenha praticado ato com “grave infração” à norma legal ou regulamentar de “natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial”, ou quando ele tiver praticado ato de gestão “ilegítimo” ou “antieconômico” de que resulte “injustificado” dano ao Erário.

Igualmente preocupante é a hipótese de decretação cautelar da indisponibilidade de bens do agente público submetido à apuração do TCU, que pode ocorrer já no início do processo, mediante requerimento do Ministério Público ou até mesmo de ofício, bastando que existam “indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento” (art. 44 da Lei Federal nº 8443/92). Veja-se que a lei não oferece critérios concretos a respeito dos indícios necessários para a adoção de tal medida, que é severa e gera gravíssimos transtornos para a vida do agente afetado.

Diante desse cenário melífluo e de ampla incerteza quanto à atividade do controle, o que se testemunha atualmente é uma tendência à paralisia do serviço público, dado o clima de terror que a ausência de parâmetros objetivos para a atividade controladora e o labirinto sancionatório a ela relacionados podem criar. O gestor de boa-fé, receoso de sacrificar o seu patrimônio e de sofrer o aborrecimento de ter de responder perante a uma infinidade de instâncias, é conduzido à apatia – o que remete ao alegórico “Código do Fracasso” de Roberto Dromi (“artigo primeiro: não pode; artigo segundo: em caso de dúvida, abstenha-se; artigo terceiro, se é urgente, espere; artigo quarto, sempre é mais prudente não fazer nada”; vide  DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 4. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1995. p. 35).

Assim, pois, é que se justificam as regras dos artigos 20, 21 e 22 referidos. A se iniciar pelo art. 20, resta claro que ele afasta, no caput, uma prática não raro adotada pelas autoridades decisórias, que se valem de termos e conceitos jurídicos abstratos como uma espécie de “super trunfo” para encerrar o raciocínio argumentativo sobre determinada medida. Seria o caso da ubíqua expressão “interesse público”, que pode conjugar por debaixo de si uma infinidade de significações, mas que, para o decisor comodista, sequer precisariam estar explicitamente externadas.

Sem embargo, não se está aqui a dizer que o uso de princípios do ordenamento jurídico seria, por si só, algo ruim ou perverso; o ruim é, como explica Carlos Ari Sundfeld, quando tais princípios são utilizados meramente como “armas de espertos e preguiçosos” (SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 215). Nesse sentido, para evitar tal ocorrência, a Lei vem ressaltar a quem emprega esses princípios (sejam os administradores, sejam os controladores) “os ônus que lhe são inerentes” – isto é, ela impõe ao agente público um esforço argumentativo adicional, por meio do qual seja demonstrado o substrato fático e jurídico que justifica, no caso concreto, a aplicação de um tal princípio genérico, sem riscos de superficialidade ou simplificação do processo decisório.

Veja-se, de toda a maneira, que o art. 20 do PL parece ir além da própria exigência de apenas se dar concretude a uma decisão lastreada em princípios ou valores abstratos: a autoridade competente deverá, na verdade, promover um juízo quanto à adequação e à necessidade da medida imposta, tendo em vista as suas consequências concretas comparativamente a outras alternativas que também poderiam ser buscadas. Nesse caso, o parágrafo único do artigo ilustra como a mecânica do projeto de lei funcionaria para um problema prático, envolvendo invalidação de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativas. A retirada abrupta de quaisquer deles do mundo jurídico pode proporcionar prejuízos imediatos e contribuir para a sensação de instabilidade. O controlador, então, passa a ter de considerar esses aspectos em sua motivação, mostrando, inclusive, que sopesou outros possíveis cenários (ou “alternativas”), que lhe pareceram, todavia, menos adequados diante do caso avaliado.

O art. 21, por sua vez, pressupõe uma avaliação prospectiva da autoridade controladora, no sentido de levar em consideração e motivar, “de modo expresso”, as “consequências jurídicas e administrativas” da decisão que invalidar um ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. O seu parágrafo único, sobretudo, indica a possibilidade de regularização do ato invalidado, tendo por base a proporcionalidade e a equanimidade, não se podendo “impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.

No limite, pode-se afirmar que o art. 21 busca proteger o “futuro”, exigindo da autoridade competente que busque compreender e demonstrar os resultados práticos das medidas de controle implementadas. Mais ainda, para além de apenas detectar o problema, seria necessário indicar uma solução adequada, admitindo-se, para tanto, a colaboração dos interessados nas alternativas decisórias.

A esse respeito, é importante entender que o sopesamento de cenários não se confundiria com condescendência, tampouco afastamento da eventual responsabilidade do agente que tiver agido contrariamente à lei. Uma coisa seria refletir sobre as consequências decorrentes da anulação de um ato ou contrato, em face da sua subsistência ou de sua readequação à realidade; outra, é apurar quem deu causa a uma nulidade e, sendo o caso, instaurar os procedimentos sancionatórios correspondentes destinados a coibir novas práticas ou, conforme o caso, ressarcir a Administração dos prejuízos por ela enfrentados   

Quanto ao art. 22, por fim, ao invés de um juízo prospectivo, o que ele requer do controlador é a avaliação do contexto que informou a prática do ato pelo gestor público. Assim, o artigo insere novos ingredientes para que se interprete e se avalie a regularidade do comportamento do agente estatal, ou da validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. Isto é: o julgador deverá considerar as dificuldades reais, a exigência das políticas públicas e as demais “circunstâncias práticas que tiverem imposto, limitado ou condicionado a ação dos agentes”.

Com efeito, se o desafio de se enfrentarem as vicissitudes da realidade faz parte da atividade cotidiana de quem lida com os assuntos da Administração Pública (por exemplo: decidir-se por prorrogar um contrato já vencido, porque não houve tempo de se realizar nova licitação; decidir-se por manter uma empresa contratada operando, mesmo quando ela esteja envolvida em denúncias graves de corrupção em outros contratos etc.), o que o art. 22 do projeto de lei está a fazer é estender o enfrentamento desse desafio para as autoridades com competência controladora, que deverão considerá-lo em sua motivação – em uma nítida provocação de empatia (pôr-se no lugar do outro).

Com essas brevíssimas considerações, é possível compreender que as regras do Projeto de Lei nº 7448/2017 representam um significativo esforço de se tornarem as decisões das autoridades controladoras mais alinhadas à realidade do mundo, e mais sensíveis aos obstáculos e dilemas concretos enfrentados diariamente pelos gestores públicos. Isso se dá, em última análise, porque o projeto impõe um ônus argumentativo adicional aos agentes a quem cabe apreciar a validade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativas (o que, por si só, favorece o controle da própria atividade controladora, considerando-se que, quanto mais genérica a motivação, menos controlável o seu conteúdo). Com a Lei, os controladores passarão a ter de “demonstrar” que realmente analisaram as peculiaridades e as dificuldades de cada caso, que esgotaram o seu exercício de inteligência, e que dialogaram com a racionalidade do gestor público. Somente a partir daí eles estarão habilitados a concluir se uma melhor alternativa poderia ter sido tentada, o que sustentará o seu juízo quanto à continuidade, ou não do ato, bem como quanto à proporcionalidade de uma possível sanção aplicável ao gestor.

O PL nº 7448/2017 é um sinal dos novos tempos que estão permeando o mundo do Direito Público – tempos de racionalidade e diálogo; tempos para readequações de práticas jurídicas em face da dinâmica da sociedade contemporânea. É equivocado e alarmista supor que o PL traduz uma medida sub-reptícia de se calarem os órgãos de controle ou de se desmantelarem importantes conquistas das recentes ações de combate à corrupção. Antes, e, pelo contrário, as disposições do PL reforçarão a legitimidade do sistema de controle da Administração Pública brasileira, sob um contexto de segurança jurídica para os administrados e administradores. Estamos diante de uma proposta de extremo relevo para o campo do Direito Administrativo. Que venha logo a sua sanção.



Por Marco Aurélio de Barcelos Silva (MG)

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