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Extinção e bloqueio de concessão minerária em caso de conflito de interesses: a situação atual e a alteração proposta no novo Código Minerário

ANO 2016 NUM 214
Maria Tereza Fonseca Dias (MG)
Mestre e doutora em Direito Administrativo pela UFMG. Professora do Departamento de Direito Público da UFMG e da Universidade Fumec. Advogada e consultora. Foi fundadora e coordenadora do Núcleo de Mediação e Cidadania da UFOP (2008-2011)


18/07/2016 | 8698 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

A discussão ora proposta analisa os fundamentos jurídicos para o uso de áreas mineralizadas, na hipótese de ocorrer conflitos de interesses públicos.

Para que seja exercida a atividade minerária, a legislação pátria estabelece etapas para a concessão de lavra, que se inicia com a autorização de pesquisa (art. 14 a 35 do Código de Mineração). A conclusão da pesquisa dará ensejo a obtenção da concessão de lavra (art. 36 a 58 do Código de Mineração). Há também a possibilidade de permissão de lavra garimpeira (art. 70 a 78 do Código de Mineração e Lei nº 7.805/1989) nas hipóteses de trabalho individual com instrumentos rudimentares para extração de pedras preciosas, semipreciosas e minerais metálicos ou não metálicos em depósitos, cursos d’água e garimpos.

A jazida mineral, quando se torna bem da União já passou pela fase de aprovação do Relatório Final de Pesquisa, estando determinada pelo pesquisador e aferida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a quantidade de minério contida na área, bem como as suas coordenadas geográficas, podendo ser objeto de concessão de lavra.

Após a concessão da lavra, a União não pode impedir o aproveitamento econômico dos seus recursos minerais. Algumas exceções estão previstas no art. 42 do Código de Mineração nas hipóteses em que ficar demonstrado que a exploração contraria interesse nacional.

O citado dispositivo prevê que:

Art. 42. A autorização [de lavra] será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo. Neste último caso, o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez que haja sido aprovado o Relatório.

Da leitura do dispositivo depreende-se que não há autorização legal para a ordem de bloqueio minerário, pois o art. 42 do Código de Mineração não autoriza revogação ou suspensão de portaria de lavra já deferida pelo DNPM.

A competência nele descrita é para que o DNPM possa indeferir pedido de autorização de lavra nos casos que especifica, mas não estabelece  competência para suspender ou revogar a lavra já autorizada.

Não havendo previsão expressa para bloqueio da atividade minerária na hipótese de conflito entre interesses públicos, o DNPM promoveu a interpretação extensiva do art. 42 do Código de Mineração, ao editar o Parecer PROGE nº 500/2008.

Neste parecer, o DNPM conclui que a recusa do pedido de autorização de lavra, a suspensão e a revogação de Portaria de Lavra já concedida são termos sinônimos na lei.  E chega a esta conclusão ao afirmar que o art. 42 do Código de Mineração “[...] ao referir-se a autorização faz alusão à lavra na medida em que ‘autorização será recusada se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer o interesse que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo”.  A demonstração de que esta interpretação, para além de um jogo de palavras, não é condizente com o dispositivo legal do Código de Mineração é simples: não se “recusa” autorização ao que já está autorizado.

O TRF da 2ª Região, em caso que julgava ato do DNPM editado com base na instrução normativa DNPM nº 7/2000, que exigia prévia quitação de débitos relativos à Compensação Financeira para Exploração de Recursos Minerais (Lei nº 7.990/89) para averbação definitiva do contrato de cessão de direitos minerários, foi considerado nulo por flagrante violação ao princípio da legalidade. Foi do relator, Des. Antônio Cruz Netto, a afirmação de que

[...] II- Não pode a Administração Pública sob a justificativa de se encontrar atuando no exercício do poder regulamentar que lhe é conferido, contrariar o que está disposto na lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições ou penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da legalidade (artigos 5º, inciso II, e 37, caput, da Lei Fundamental).

Assim, a suspensão ou extinção da portaria de lavra viola a natureza e fins da concessão minerária, vez que esta assegura ao seu titular um direito de natureza real, oponível erga omnes, cabendo ao Estado, na qualidade de proprietário dos recursos minerais e de poder concedente, o controle e a fiscalização das atividades exploratórias           

Conforme parecer exarado pela Advocacia Geral da União:

[...] a concessão deve ser entendida como uma sequência de atos administrativos vinculados, que tem início com a atribuição do direito de prioridade e se aperfeiçoa com a outorga da portaria de lavra, desde que o interessado tenha cumprido as suas obrigações legais em todas as fases desse processo. O valor econômico da concessão minerária (latu sensu) integra-se ao patrimônio do seu titular, sendo esta alienável e transmissível mediante prévia anuência do poder concedente, que não poderá ser negada sem motivo justificado de interesse público. Por isso, não cabe a extinção desse direito sem o pagamento de justa e prévia indenização, ressalvados os casos de caducidade previstos em lei.” (BRASIL, 1997)

Outro fator que revela a ilegalidade do bloqueio de lavra é o fato de que o atual projeto de lei em tramitação que estabelece o novo marco regulatório da mineração brasileira, (PL Nº 5807/2013), prevê em seu art. 20, regra específica para autorizar a suspensão ou revogação das concessões de direito minerários, nos casos que especifica, a saber:

Art. 20. Em caso de relevante interesse nacional, mediante ato motivado e assegurada a ampla defesa, o poder concedente poderá suspender ou revogar as concessões e autorizações de direitos minerários. Parágrafo único. Revogado o direito minerário, seu titular será indenizado em valor equivalente ao investimento comprovadamente realizado e não depreciado ou amortizado.

Assim, até que esta alteração seja promovida na legislação vigente, ilegal o bloqueio de atividade minerária, como demonstrado.

Além disto, não há previsão de competência, seja para o Ministério das Minas e Energia, seja para o DNPM, emitir o ato de bloqueio (provisório ou definitivo) de Portaria de Lavra. Na ausência de regras, quem deve determinar a ordem de bloqueio?

O Parecer PROGE 500/2008 do DNPM é que estabelece a competência para a prática do citado ato administrativo. Partindo do pressuposto que se a autorização de lavra é dada “à juízo do governo” (que é o que está previsto expressamente no art. 42 do Código de Mineração, supra referenciado), logo, a sua suspensão ou revogação, ainda que não expressamente prevista em lei, haveria de ser, por consectário lógico, do Ministro das Minas e Energia, que é quem exerce, supostamente, função de governo, de natureza discricionária. 

O Ministério de Minas e Energia, no campo da legislação vigente, possui atribuição vinculada a “mineração e metalurgia” (art. 27, XIII, “c”, da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003), cuja lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.798, de 2012. Dentre as atribuições do Ministro de Minas e Energia não se encontra nenhuma delas relacionadas à atividade de suspensão ou revogação portaria de Lavra. As previsões acerca da coordenação das concessões de direitos minerários no Ministério das Minas e Energia foram estabelecidas a cargo da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral a qual compete (art. 28, XI): “I - coordenar o processo de concessões de direitos minerários e supervisionar o controle e a fiscalização da exploração e produção dos bens minerais;” e ao Departamento de Geologia e Produção Mineral ao qual compete (art. 30, VII): coordenar os procedimentos de aprovação dos atos de outorga, incluídas autorizações e concessões minerais, registros de licenciamento, permissões de lavra garimpeira e registros de extração.

Tem-se, portanto, que com a criação da Autarquia DNPM, a Administração Direta (Ministério das Minas e Energia) não remanesceu com competência para tratar da concessão, suspensão ou revogação de títulos minerários. Também não há previsão de competência do DNPM, no âmbito de sua lei de criação (Lei nº 8.876, de 2 de maio de 1994) para as atribuições que foram elencadas em seu art. 3º, inciso I .

Além disto, não há previsão nos pareceres que embasem o bloqueio minerário, de dar vista e oportunidade de manifestação dos interessados.

Também não há previsão de desapropriação de mina, que se restringe à situação contida no art. 90, § 2º do Código de Mineração, na hipótese de “[...] inesperada ocorrência de minerais radioativos e nucleares associados suscetíveis de aproveitamento econômico predominar sobre a substância mineral constante do título de lavra, a mina poderá ser desapropriada”.

Quanto a atuação das autoridades administrativas responsáveis pela atividade minerária, os atos administrativos minerários são vinculados. Não há no Código de Mineração nenhuma faculdade, nenhuma exceção, que consinta ao Departamento Nacional de Produção Mineral ou Ministério das Minas e Energia praticarem ato administrativo discricionário.

Intervenções administrativas sobre direitos individuais são impostas por meio de atos concretos e singulares de exercício de poder atribuído por lei. Limitações podem advir diretamente de normas jurídicas, de leis ou de regulamentos, sem interposição de ato concreto pela Administração.

A interpretação de existir autorização para qualquer bloqueio no código de mineração conflita com o poder/dever de lavrar, disposto nos arts. 49, 57, e 87 do Decreto-Lei nº 227/67 (Código Minerário), impedindo que o microssistema jurídico da mineração se feche.

O STF, neste sentido e de maneira reiterada, impede a criação de embaraços na atividade mineradora, em função da importância da atividade e da segurança jurídica para atrair investidores nacionais e internacionais, conforme ilustra o RE nº 77890 sob a relatoria do ex-ministro Bilac Pinto, a saber:

Lavra de minério. Segurança pedida em decorrência da prática de atos, pelo governo local, no sentido de criar embaraço na lavra de areia quartzosa. Se a União concede autorização de lavra de produto mineral, não cabe ao Estado, o qual não tem poderes para tanto, tolher, direta ou indiretamente, a execução dos respectivos trabalhos. Recurso Extraordinário provido, concedendo-se a segurança. (RE 77890, Relator(a):  Min. Bilac Pinto, Primeira Turma, Julgado em 18/11/1975, Dj 13-02-1976 pp-00900 ement vol-01011-01 pp-00120 RTJ vol-00076-02 pp-00531). (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 1976).

Além disto, os tribunais superiores, em diversos julgados, já decidiram que o impedimento causado pelo Poder Público na exploração empresarial das jazidas legitimamente concedidas, gera o dever estatal de indenizar o minerador (RE nº 140254).

No caso de abertura de processo administrativo para analisar se o ato de concessão de lavra expedido é incompatível com outra atividade de interesse público, por imposição legal (Lei 9.784/99, art. 9º) todos os proprietários e detentores de participação nos resultados da lavra eventualmente afetados pela decisão do uso prioritário, devem ser consultados antes da resolução de conflito de interesse público, no uso de áreas já pesquisadas e destinadas à exploração mineral.

Considerando a inexistência e a ilegalidade da extinção de concessão minerária para fins de interesse público, necessário a aprovação do projeto de lei que estabelece o novo Código de Mineração, nesta matéria, além da observância do devido processo administrativo entre os mineradores, terceiros interessados e comunidade envolvida nos interesses públicos em conflito.



Por Maria Tereza Fonseca Dias (MG)

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