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Inexigibilidade de licitação na escolha do árbitro ou instituição arbitral nas contratações públicas

ANO 2016 NUM 285
Rafael Carvalho Rezende Oliveira (RJ)
Pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York). Doutor em Direito pela UVA/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Especialista em Direito do Estado pela UERJ. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ). Professor Adjunto de Direito Administrativo do IBMEC. Professor de Direito Administrativo da EMERJ e do CURSO FORUM. Professor dos cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes. Advogado, árbitro e consultor jurídico. Sócio fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. www.professorrafaeloliveira.com.br


26/10/2016 | 6843 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

Não obstante os avanços trazidos pela Lei 13.129/2015, que afasta a polêmica da utilização da arbitragem pela Administração, é preciso destacar que o legislador deixou diversas questões em aberto, especialmente no tocante ao procedimento arbitral.

A Lei de Arbitragem, alterada pela Lei 13.129/2015, não tratou, por exemplo, sobre a necessidade de instituição de arbitragem ad hoc ou institucional, o que, em princípio, confere discricionariedade ao administrador público para escolha por um desses caminhos em cada caso concreto.

Enquanto na arbitragem ad hoc (ou arbitragem avulsa) o procedimento é definido pelas partes e/ou pelos árbitros, na arbitragem institucional (ou arbitragem administrada) as regras procedimentais encontram-se previamente definidas por determinada câmara arbitral.

A arbitragem ad hoc teria, de um lado, a vantagem de reduzir custos, uma vez que não haveria a necessidade de contratação de instituição privada (câmara de arbitragem) para prestação de serviços, mas, de outro lado, a desvantagem de acarretar insegurança para as partes, com a maior probabilidade de impasses na definição e nas questões cotidianas inerentes ao procedimento arbitral (exs.: escolha da infraestrutura e dos recursos humanos para os serviços de secretaria; definição dos valores dos honorários dos árbitros e forma de pagamento; indefinição na escolha do árbitro presidente quando houver impasse na entre os coárbitros indicados pelas partes; etc.), o que pode frustrar e/ou retardar a solução da controvérsia, bem como a propositura de ações judiciais para resolução de impasses. 

Não obstante a discricionariedade administrativa na definição do tema, entendemos que o ideal seria a utilização da arbitragem institucional, com a escolha de Câmara de Arbitragem já existente, com experiência e reconhecida pela comunidade jurídica, o que garante, em tese, maior segurança jurídica às partes. Além disso, a Câmara de Arbitragem tem a vantagem de contar com regulamento próprio e prestar serviços de secretaria às partes, com a elaboração de documentos, recebimentos das manifestações, realização de audiências e outros atos que serão praticados ao longo do procedimento. 

Registre-se, ainda, que na arbitragem, a controvérsia pode ser decidida por árbitro único ou por tribunal arbitral (três ou mais árbitros, sempre em número ímpar).

Apesar da questão não ser abordada na Lei 9.307/1996, entendemos que a arbitragem, que envolve a Administração Pública, não deve ser submetida, em regra, à arbitragem monocrática, mas ao colegiado arbitral, formado, por no mínimo, três árbitros.

Isto porque o debate por árbitros integrantes de colegiado arbitral tem maior potencial de qualificar a decisão a ser proferida, que, enfatize-se, não será submetida à revisão superior. O colegiado arbitral conferiria, portanto, maior legitimidade à decisão.

É recomendável que os Entes federados, em suas normas específicas, estabeleçam, preferencialmente, a utilização de colegiados arbitrais ao invés de árbitros isolados para solução de litígios oriundos de contratações administrativas, notadamente nos casos de grande vulto econômico.

As recomendações aqui apresentadas foram consagradas, de certa forma, no Decreto 8.465/2015, que, ao tratar da arbitragem no setor portuário, revê a preferência pela arbitragem institucional, devendo ser justificada a opção pela arbitragem ad hoc (art. 4º, §1º), bem como impõe a submissão ao colegiado formado, por no mínimo, três árbitros, em questões cujo valor econômico seja superior a R$ 20.000.000,00 (art. 3º, V).

O objeto principal do presente ensaio é a abordagem da necessidade ou não de licitação para contratação do árbitro e/ou do tribunal arbitral nas contratações envolvendo a Administração Pública.

Conforme sustentamos em artigo sobre o tema (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A arbitragem nos contratos da Administração Pública e a Lei nº 13.129/2015: novos desafios. Revista Brasileira de Direito Público: RBDP, v. 13, n. 51, p. 59-79, out./dez. 2015), a licitação parece incompatível com a escolha dos árbitros e/ou do tribunal arbitral nos contratos administrativos.

Inicialmente, é preciso destacar que o objeto da contratação dos árbitros e dos tribunais arbitrais possui grau de incerteza, seja na própria execução do serviço, que depende do surgimento da controvérsia contratual, seja no valor devido, que pode variar de acordo com a extensão da controvérsia que será submetida ao juízo arbitral, vulto econômico e/ou complexidade técnica.

Ademais, no tocante à arbitragem institucional, cada Câmara de Arbitragem possui regulamento próprio, com regras sobre o procedimento arbitral, bem como listagem de árbitros indicados às partes e tabelas de taxas administrativas, honorários de árbitros e outras despesas, o que demonstra a existência de variáveis que justificariam, em tese, a ausência de licitação.

Outro fator determinante para escolha da Câmara Arbitral é a sua reputação, questão que envolve subjetividade incompatível com o processo de licitação.

Além da contratação da Câmara de Arbitragem, o Poder Público deve indicar o árbitro, cuja notória especialização, aliada à singularidade do caso, justificaria a inexigibilidade de licitação.

Na hipótese de arbitragem submetida à análise de árbitro monocrático, a manifestação de vontade do Poder Público não seria suficiente, pois dependeria da concordância da outra parte. Ou seja: o Poder Público e a sociedade empresária, que estão em conflito, contrariam o árbitro. Não se trata, portanto, de contrato tipicamente administrativo, mas de contrato celebrado pelo Poder Público e a sociedade empresária interessada, de um lado, e o árbitro, como contratado, de outro lado.

Em relação à arbitragem submetida ao colegiado arbitral, que deve ser a regra, a Administração Pública não tem o poder de estabelecer, isoladamente, todos os aspectos do objeto contratado. Isto porque a escolha do presidente do colegiado arbitral será realizada, normalmente, pelos dois árbitros indicados, cada um, pelas partes interessadas.

Em qualquer caso, a licitação seria inconveniente para o atendimento célere e eficiente do interesse público. De lado a impertinência de licitação para contratação da arbitragem antes da existência da controvérsia, que revelaria a realização de despesas públicas para objeto futuro e incerto (o realização do certame, por si só, envolve custos), certo é que a realização da licitação, após a instauração da controvérsia, também teria o inconveniente de gerar morosidade para instituição da arbitragem e, portanto, para solução da questão.

Constata-se, com isso, que a contratação da Câmara e do árbitro envolve singularidade e indefinição quanto à prestação exata do serviço. A inexistência de critérios objetivos para escolha de árbitros e de Câmaras distintas, com regulamentos arbitrais próprios, revela inviabilidade de competição.

A contratação dos árbitros ou de instituições arbitrais, em princípio, não se submete à licitação, uma vez que se trata de hipótese de inexigibilidade de licitação que encontra fundamento no art. 25, II, da Lei 8.666/1993. 

Nesse sentido, por exemplo, o art. 7º, §3º do Decreto 8.465/2015, que dispõe sobre a arbitragem no setor portuário, dispõe que a escolha de árbitro ou da instituição arbitral será considerada contratação direta por inexigibilidade de licitação.

É possível, por fim, a utilização do credenciamento por parte da Administração Pública. Após o cumprimento dos requisitos básicos e proporcionais, fixados pela Administração, todas as instituições arbitrais poderiam realizar o credenciamento perante o Poder Público. Nesse caso, a escolha da instituição arbitral credenciada seria realizada, em cada caso, pelo contratado (particular) interessado na resolução da disputa. A presente proposta também foi defendida pelo ilustre Procurador do Município do Rio de Janeiro e Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CBMA, Dr. Gustavo da Rocha Schmidt, em sua dissertação de mestrado em Direito da Regulação na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV, defendida em 2016 (A arbitragem nos conflitos envolvendo a administração pública: uma proposta de regulamentação).

Lembre-se que o credenciamento não pressupõe a realização de licitação. A partir de condições previamente estipuladas por regulamento do Poder Público para o exercício de determinada atividade, todos os interessados que preencherem as respectivas condições serão credenciados e poderão prestar os serviços. Não há, portanto, competição entre interessados para a escolha de um único vencedor. 

Portanto, apesar dos avanços na admissão da arbitragem das relações administrativas, existem desafios na sua crescente utilização e institucionalização no dia-a-dia dos administradores públicos e dos órgãos de controle.

É preciso levar a arbitragem nas contratações administrativas a sério, evitando-se interpretações ortodoxas e formalistas no processo de escolha dos árbitros e dos tribunais arbitrais, que apresenta singularidade justificadora da inexigibilidade de licitação.



Por Rafael Carvalho Rezende Oliveira (RJ)

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