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Orçamento público: urge a necessidade de reformas

ANO 2016 NUM 187
Rodrigo Kanayama (PR)
Doutor em Direito do Estado. Professor Adjunto de Direito Financeiro da UFPR, Advogado em Curitiba.


09/06/2016 | 6588 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Em 2015, um ramo do Direito por vezes esquecido recebeu a devida atenção: o Direito Financeiro. Infelizmente, o motivo de seus holofotes não foi nobre. O descuido com a coisa pública sobressaiu-se nos meios de comunicação e normas financeiras aplicáveis à responsabilização dos agentes públicos foram impostas.

O vilipêndio orçamentário que acometeu a política brasileira nos últimos anos voltará a acontecer no futuro, se não houver reformas. Não é apenas a política que deverá ser reformada; nem tão somente a economia. O orçamento público, matéria fulcral do Direito Financeiro, terá de receber melhorias estruturais, sob pena de futuros desatinos do Poder Público.

O hoje Ministro Luís Roberto Barroso afirmou, anos atrás, que nos falta maturidade institucional (BARROSO, Luís Roberto Barroso. Orçamento, Democracia e Maturidade Institucional. In.: Revista de Direito do Estado – RDE, n. 6. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, editorial). De lá para cá, pouco mudou. Inexiste o comprometimento dos governos com o orçamento público, tampouco do Poder Legislativo. Além do mais, o desconhecimento de preceitos sobre o orçamento do Estado causa ainda maiores embaraços ao Poder Público de todas as esferas, sobretudo aos entes subnacionais.

Nesse artigo, buscar-se-á identificar alguns problemas (com a proposição de possíveis soluções). Sabe-se que reformas não são simples, pois dependem de alterações constitucionais ou legislativas. Espera-se, no entanto, que o legislador se preocupe com a res publica, deixando de tratá-la como se res nullius fosse.

Não nos ateremos a algumas propostas de reformas conjunturais reveladas pelo governo federal nas últimas semanas, como a diminuição ou extinção das vinculações orçamentárias, ou a aposição de teto para o crescimento real das despesas públicas, ou, ainda, a reforma da previdência. Abordar-se-ão proposições de reformas estruturais.

1. Os prazos procedimentais

Primeiro ponto a ser apreciado cuida dos prazos. Prazos do Governo, prazos do Parlamento. O procedimento das Casas Legislativas do Congresso Nacional é regulado internamente. Contudo, no tocante aos prazos, a relação entre os Poderes é definida substancialmente pela Constituição. E nela, em específico no art. 35, §2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), há disposições provisórias sobre prazos de envio e, por consequência, há normas sobre futura lei complementar que os determinará, perenemente (art. 165, § 9º, Constituição). A lei complementar não existe, ainda.

Aplicando-se as normas do ADCT, "o projeto de lei orçamentária da União - LOA - será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa" (art. 35, §2º, III, ADCT). A LOA da União vem sendo, ano após ano, publicada em Diário Oficial após o início do exercício financeiro (que se inicia no dia 1º de janeiro). A Lei Orçamentária Anual de 2016 foi publicada em 15 de janeiro; a de 2015, em 20 de abril; a de 2014, em 20 de janeiro; a de 2013, em 4 de abril; a de 2012, em 19 de janeiro. A única de que se tem notícia do cumprimento do prazo, entre os orçamentos da União dos últimos anos, foi a de 2009.

O atraso decorre por descuido, principalmente, do Poder Legislativo, que demora na devolução do projeto de LOA. O resultado, por exemplo, será a postergação de despesas de investimento imprescindíveis ao desenvolvimento do país. Por motivos políticos, o Congresso é lento na apreciação e na definição de consensos.

Na falta da LOA, a solução brasileira foi autorizar algumas despesas consideráveis cruciais ao funcionamento da União pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que precede temporalmente a LOA e tem como função orientar sua elaboração (art. 35, §2º, II, ADCT). Solução passível de questionamentos jurídicos e que mitiga, mas não resolve, o engessamento estatal resultante da ausência da LOA.

Nos últimos tempos, a situação política deteriorou-se. Mesmo a LDO vem sendo postergada, ainda que a Constituição defina que sua aprovação pelo Congresso Nacional deva ocorrer até o final da primeira parte da sessão legislativa (art. 57, §2º, Constituição e art. 35, §2º, II, ADCT). No final de 2015, um acontecimento inédito: nem a LOA, nem a LDO (pasmem!) haviam sido aprovadas. Ao menos na história recente, foi a primeira vez que houve o risco real de shutdown, ou desligamento do governo, com o exercício financeiro de 2016 iniciando-se sem normas autorizativas de despesas.

Pouco pode ser feito na seara legislativa para exigir maior celeridade na apreciação de projetos de leis de orçamento pelo Congresso Nacional. Longe de se propor normas como as que vigiam na Constituição de 1967 (v.g. art. 68 - projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Presidente da República à Câmara dos Deputados até cinco meses antes do início do exercício financeiro seguinte; se, dentro do prazo de quatro meses, a contar de seu recebimento, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei), é preciso, acima de tudo, responsabilidade orçamentária dos atores envolvidos no processo.

Depois, caberá ao Congresso Nacional prosseguir na tramitação do Projeto de Lei Complementar 229/2009 - Senado (a futura Lei Geral de Finanças Públicas ou Lei da Qualidade Fiscal), regulando, definitivamente, procedimentos legislativos, prazos e conteúdos das leis orçamentárias. Em sua última redação, o Projeto tem a seguinte previsão:

Art. 30. O projeto de lei orçamentária será devolvido para sanção até 30 de novembro.

§ 1o Vencido o prazo estabelecido no caput, a votação da matéria será considerada de interesse público relevante, nos termos do art. 57, § 6o, inciso II, da Constituição Federal, devendo o Chefe do Poder Legislativo convocar sessão extraordinária para apreciar a matéria, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos até que se ultime a sua votação.

Será uma medida salutar.

2. Performance Budget e Orçamento Base-Zero

Atualmente, o orçamento público brasileiro é predominantemente o "orçamento-programa", bem estudado por José Afonso da Silva (Orçamento-Programa no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973) . Nesse modelo, as despesas públicas são organizadas em objetos de despesa, em programas.

A realidade, contudo, não satisfaz. Nessa linha, destacam-se dois textos recentes de Professores que vêm estudando o orçamento público. Para Marcos Nóbrega, o performance budget, chamado de orçamento por resultados, ou orçamento de desempenho, "corresponde a entronizar nos orçamentos a avaliação de programas de governo, lançando vistas à eficiência nos gastos públicos. Tal tema é relevante porque muitas áreas do governo na verdade não carecem de poucos recursos, mas sim de uma adequada avaliação e mensuração de resultados" (NÓBREGA, Marcos. Orçamento, Eficiência e Performance Budget. In.: CONTI, José Maurício. SCAFF, Fernando Facury (Coord.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 718).

A ideia central é o aprimoramento da alocação de recursos. Assim, Marcos Nóbrega afirma que a eficiência alocativa "deve considerar aspectos mais amplos como a performance, o curso de obtenção das informações sobre essa performance, os custos de transação do sistema, as assimetrias informacionais entre os formuladores do orçamento e aqueles que o executam e a racionalidade limitada (bounded rationality)" (obra citada, p. 719). A eficiência será o mote dessa versão do orçamento.

Da mesma forma, contra uma visão precária do orçamento público, Nóbrega (obra citada, p. 725) critica o "incrementalismo". Não está sozinho ao se opor ao modelo "incrementativo", que representa um orçamento repetitivo, sem avaliação devida de um ano para o outro, apenas se incrementando valores aos já existentes. José Maurício Conti relembra, em artigo recente, o Orçamento Base-Zero. Sobre ele, disse que a "ideia central da técnica do orçamento base-zero (OBZ) consiste em fazer com que, na elaboração da peça orçamentária, em que são definidas todas as ações governamentais e respectivos recursos que lhe serão destinados, cada item seja avaliado 'a partir do zero', analisando-se a respectiva oportunidade e conveniência de que sejam mantidas e qual a dotação que lhe será destinada". (CONTI, José Maurício. Crise Econômica pode criar o “orçamento recurso-zero”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-mar-08/contas-vista-crise-economica-criar-orcamento-recurso-zero, acesso em maio de 2016)

Tanto o Performance Budget, quanto o Orçamento Base-Zero, sendo técnicas de elaboração e organização do orçamento público, poderão ser implementados com poucas alterações legislativas — ou, eventualmente, com nenhuma. O projeto de Lei Complementar 229, acima apresentado, atendendo o art. 163 da Constituição, que substituirá a antiga Lei 4.320/64 (ainda amplamente aplicada à Administração Pública), poderia ocupar essa lacuna. Como exemplo, há no projeto:

Art. 76. Caberá ao Poder Executivo da União estabelecer mecanismos que orientem o monitoramento e avaliação de políticas públicas, e sua articulação com ciclo orçamentário, buscando a convergência entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

§ 1o Os mecanismos de monitoramento e avaliação de que trata o caput têm como objetivo aperfeiçoar as políticas públicas, aferindo eficiência, eficácia e efetividade.

Muitas alterações benéficas, contudo, poderão ser aplicadas independentemente de inovações legislativas. Estipular metas e redefinir, anualmente, políticas podem ser medidas extraídas de normas que, hodiernamente, são vigentes, como da Lei de Responsabilidade Fiscal, ou da própria Constituição. Caberá, obviamente, a ação dos governos para criar novos procedimentos capazes de trazer melhor uso do dinheiro público.

3. Impositividade do pagamento de dívidas judiciais

Um grande obstáculo dos entes federativos, sobretudo dos Estados, é o endividamento. Parte dele encontra-se nas dívidas judiciais, ou chamados de precatórios, que, segundo a letra da Lei de Responsabilidade Fiscal, "os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites" (art. 30, §7º).

Por se tratar de dotação orçamentária, o pagamento das dívidas judiciais depende da execução orçamentária, sendo autorizativa a sua dotação. A ordem de pagamento ocorre se houver vontade estatal, ainda que a Constituição preveja que é "obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos (...)" (art. 100, §5º) e que a "União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para (...) reorganizar as finanças da unidade da Federação que (...) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior" (art. 34, V, a).

De todo modo, atualmente grande parte dos Estados-membros encontram-se em mora no pagamentos de suas dívidas judiciais, o que os levou – e ainda os leva – a utilizar depósitos judiciais. De um modo ou de outro, os Estados usaram R$ 17 bilhões de depósitos judiciais para fechar as contas em 2015. (Publicado no Estado de S. Paulo, disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,estados-usam-r-17-bilhoes-de-depositos-judiciais-para-fechar-as-contas-em-2015,1822413, acesso em maio de 2016)

Há propostas variadas para resolver o imbróglio. Depois do julgamento das ADIs 4357 e 4425, declarando-se inconstitucional o regime especial criado pela Emenda 62/09, o STF modulou os efeitos de sua decisão, mas concedeu tempo exíguo para resolução da inadimplência. Há algumas propostas de emendas constitucionais que pretendem resolver o problema. A primeira, PEC 152/2015 (Senado), cria novo regime especial de pagamento.

A segunda, PEC 27/2012 (Senado), propõe que as dotações orçamentárias para pagamento de dívidas judiciais serão de execução obrigatória, evitando deixar ao alvedrio da Fazenda Pública o cumprimento das decisões judiciais. Protegem-se a separação dos poderes, o respeito ao Poder Judiciário e a efetividade dos provimentos judiciais e da coisa julgada.

O respeito às leis e ao Judiciário traz confiança ao país no cenário internacional. Aprimorando-se a política fiscal, os benefícios irão, naturalmente, surgir. Trata-se de melhoria estrutural da Administração Pública, visando ao cumprimento das obrigações estatais.

Argumentos finais

Os três pontos levantados não esgotam o tema. São apenas alguns dos problemas estruturais que terão de ser resolvidos em breve. A fidúcia, a estabilidade do Estado, a máxima segurança jurídica, a retidão na condução dos negócios públicos, a honestidade e a transparência, perpassam assuntos variados e, entre os principais, estão as finanças públicas.

Não são transformações radicais no funcionamento do Estado brasileiro. São pontuais aperfeiçoamentos, que contam com apoio social. De um modo ou de outro, as reformas são urgentes. Governo e Parlamento devem pautar tais discussões com brevidade. 



Por Rodrigo Kanayama (PR)

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