Colunistas

Por que ensinar Direito Financeiro?

ANO 2017 NUM 361
Rodrigo Kanayama (PR)
Doutor em Direito do Estado. Professor Adjunto de Direito Financeiro da UFPR, Advogado em Curitiba.


24/05/2017 | 5679 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

O Direito proporciona estabilidade, segurança. Já a Política é móvel, fluida. A estabilidade da lei é imprescindível à segurança jurídica, elidindo possibilidade de normas ex post facto, e fornecendo previsibilidade. Não há, entretanto, segurança à transmutação da lei, das normas postas, pois a Política caminha no seu próprio passo. A Política muda o Direito ao talante do legislador, diante de fatos da vida, diante da realidade, das necessidades e das conveniências.

Para um ramo do Direito que é umbilicalmente relacionado à Política, o Direito Financeiro suporta constantes pressões de entes e entidades insatisfeitos, agentes políticos descontentes. Ainda assim, suas normas são estáveis e perenes. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) enfrentou com destreza todas as intempéries políticas e econômicas (foi alterada apenas três vezes – pelas Leis Complementares 131/2009, 156/2010, e a recentíssima 159/2017 – e nenhuma a degenerou).

Nada obstante à resiliência da LRF, nesse interstício de 16 anos de sua vigência, a prática do Direito Financeiro (orçamentos, relatórios, transparência, equilíbrio) foi deturpada. Observemos o regime de precatórios. Desde que a LRF entrou em vigor, foi modificado duas vezes – Emendas 62 e 94 –, foi submetido a julgamento em ação direta de inconstitucionalidade no STF – nas ADI 4.425 e 4.357 –,  regulamentado pelo CNJ – que ainda precisa adaptar suas normas ao novo regime –, a Lei Complementar 151 autorizou o uso dos depósitos judiciais para sua quitação e, ainda assim, há muitos entes federativos que estão em mora no pagamento. Não apenas se destaca o notório caso dos precatórios. Descumprimentos das metas fiscais, definidas pelos governos (exato: por eles mesmos); ultrapassagem de limites de despesas com pessoal; violação à separação dos poderes; desrespeito a órgãos com autonomia orçamentária e financeira. O que queremos dizer é: para que servem as normas de Direito Financeiro, se não são respeitadas?

Não podemos negar que, no início deste século, advieram melhoras da gestão fiscal: limites da despesa com pessoal, controle do endividamento, aprimoramento da transparência, equilíbrio das despesas obrigatórias em relação à receita. Parecia o cenário ideal para uma reviravolta no funcionamento das finanças públicas e na busca pelo crescimento econômico. Mas nada disso foi suficiente para controlar o ímpeto irresponsável de muitos agentes políticos.

Por que, então, lecionar Direito Financeiro? Porque há esperança nos alunos e alunas. Hoje, estão na faculdade de Direito, mas logo ocuparão cargos políticos, seguirão a vida pública, e serão, para a próxima geração, melhores gestores. Probos, justos, corretos, cientes do dever para com a sociedade. O aprendizado das normas financeiras do Estado traz conhecimento de que se deve cuidar dos direitos sociais, mas não se deve descurar dos recursos escassos necessários para a concretização desses direitos.

Na coluna Bello, a The Economist afirmou, em 2016, que "Young Latin Americans are political, but are not becoming politicians"  (https://goo.gl/0oZd2G). São ativos politicamente, mas não têm interesse de ocupar cargos políticos. Há, como é conhecido, descrédito com a política brasileira. Não há lideranças políticas (https://goo.gl/AdFyJj). Consequentemente, não surgirão novos e competentes agentes políticos. Outros motivos apontados pela The Economist são: a reeleição dos presidentes (ainda que em mandatos não consecutivos) e a criminalização da política. Acrescentemos mais um: o receio de se viver num ambiente em que o dinheiro é apropriável pelo agente político, para fins pessoais e partidários, e não utilizado aos fins públicos. Por isso – mas não apenas por isso –, o Direito Financeiro torna-se uma disciplina imprescindível à boa formação de agentes políticos. Para conhecer os limites, para dirigir a boa conduta.  

Há, pois, de se prosseguir com o ensino do Direito Financeiro. Mostrar que se pode fazer melhor política. Usar o dinheiro público para melhores fins. Promover melhores escolhas, melhores decisões, alocar adequadamente os recursos escassos. Somente assim, teremos lideranças políticas no futuro.



Por Rodrigo Kanayama (PR)

Veja também