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O Reequilíbrio Econômico-financeiro para as Empresas Estatais e Sociedades de Economia Mista

ANO 2016 NUM 255
Ronaldo Coelho Lamarão (RJ)
Advogado, professor e palestrante na área de licitações e contratos. Mestre em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. Especialista em Processo Civil e Direito Público e Tributário, ambos pelo Instituto A Vez do Mestre.


14/09/2016 | 8329 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

A lei nº 13.303/16 criou um novo regime jurídico para as empresas públicas e para as sociedades de economia mista. Elas deixarão de utilizar a lei nº 8.666/93 (lei das licitações) para as suas compras e contratações e passarão a adotar a nova regra.

Nos termos das disposições finais e transitórias (art. 91) as sociedades de economia mista e as empresas públicas terão uma vacatio de vinte e quatro meses para se adaptarem aos novos comandos, já as que eventualmente forem criadas após junho de 2016 já deverão assumir as novas regras.

A nova lei sofreu algumas críticas (Rafael Carvalho Rezende Oliveira, em breve síntese, tece algumas críticas à nova lei em na coluna intitulada "As licitações na Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais): mais do mesmo?"), porém o objetivo do presente ensaio é comparar as regras atuais a respeito do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, que foram implementadas pela lei geral de licitações com as regras trazidas pela nova lei e saber se, neste ponto, realmente houve alguma alteração legislativa e quais seriam os reflexos nos futuros contratos firmados com base na nova lei.

Para traçar um comparativo primeiro devem ser destacados quais os pontos principais relativos ao reequilíbrio econômico-financeiro e quais as suas bases legais.  Ele pode ser divido em cinco espécies distintas: reajuste, revisão, repactuação, atualização financeira e correção monetária. Porém, serão analisados apenas os três primeiros institutos, pois após a publicação da lei nº 10.192/10 (art. 2º, § 1º) a atualização financeira não pode ser mais aplicada como prevista na lei nº 8.666/93, estando, desta maneira, sem aplicabilidade. Por sua vez, a correção monetária tem natureza de uma indenização devida pela Administração pelo atraso no pagamento, sendo um instituto bastante distinto dos demais (sobre o tema vide Lamarão, Ronaldo Coelho. (Re) Equilíbrio Econômico-Financeiro dos Contratos Administrativos: à luz da jurisprudência do TCU e da AGU. Curitiba: Juruá, 2015).

A lei de licitações traz a primeira previsão sobre a obrigatoriedade da Administração promover o reequilíbrio contratual no art. 40, XI, na forma do reajuste. Este artigo determina que o edital deverá conter o “critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela”.

Reforçando a obrigação editalícia, o art. 55, III, traz a mesma obrigação para a seara contratual. Nos termos do decreto federal nº 1.054/94 o reajuste deverá basear-se em índices (gerais ou específicos) que reflitam a variação do custo de produção. Ele somente pode ser aplicado aos contratos de natureza continuada com prazo de duração superior a um ano (lei nº 10.192/01).

Já a repactuação deve ser utilizada para contratos de natureza continuada com dedicação exclusiva de mão de obra, também superiores a um ano, conforme decreto nº 2.271/97 e Instrução Normativa nº 02/08 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG e visa fazer frente a variação do custo de mão de obra.

Por sua vez a revisão de preços tem por finalidade garantir o equilíbrio contratual na ocorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis. Ela pode ocorrer a qualquer momento, bastando a incidência das hipóteses previstas no art. 65, II, d da lei nº 8.666/93, todas elas ligadas à teoria da imprevisão e pode ser aplicada em conjunto com o reajuste e a repactuação, pois são institutos distintos, com hipóteses de incidências próprios.

A nova lei das estatais prevê os mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro em seus arts. 69, III e 81, VI c.c. §§ 6º e 7º. O inciso III do art. 69 é cópia do art. 55, III da lei nº 8.666/93. O art. 81, VI é cópia do art. 65, II, d da lei de licitações. O art. 81, § 6º da nova lei copia, com as devidas adaptações, o art. 65, § 6º da lei antiga. Por final, o art. 81, § 7º também é cópia do art. 65, § 8º da lei de licitações. Veja o quadro a seguir:

 

Institutos

Lei nº 8.666/93

Lei nº 13.303/16

Reajuste

art. 40, XI c.c. art. 55, III

Art. 69

Repactuação

Sem previsão direta na lei

Sem previsão direta na lei

Revisão

art. 65, II, d

art. 81, VI

 

 

Diante desse breve quadro comparativo é possível afirmar que a nova lei não trouxe nada de novo para o instituto do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, perdendo o legislador uma grande oportunidade de pacificar sérias divergências sobre o assunto.

Ao se observar o art. 68 da lei nº 13.303/16 resta hialino que os contratos por ela regidos deverão observar as suas cláusulas, o disposto na própria lei e os preceitos de direito privado. Isso quer dizer que os demais decretos, leis e instruções normativas que regulamentam hoje a matéria no direito público não poderão ser mais utilizados subsidiariamente. Com isso, as lacunas, segundo a própria lei, serão dirimidas pelo direito privado, ou seja, aplicar-se-á, em princípio, o Código Civil.

O Diploma privado traz as regras sobre inadimplemento, mora e juros legais nos arts. 389 a 407, porém não traz regras sobre os meios de reequilíbrio contratual.

Diante disso é possível afirmar que, do lado da Administração Pública Indireta, o contrato será o instrumento que deverá trazer todas as regras sobre o reequilíbrio, não bastando a mera reprodução do texto da lei, sob pena de se gerar sérias dúvidas sobre o momento e as condições que o instituto deve ser aplicado. Caso na lei não sofra alteração no período de vacatio, o contrato será o meio pelo qual todas as regras deverão ser explicitadas.

Ao fornecedor, caso não haja alteração da lei, caberá um ônus mais severo, o de analisar, minuciosamente, a minuta de contrato que é parte integrante do edital. Caso isso não seja feito, o contratado correrá sério risco de executar o serviço amargando prejuízo. Caso o contrato seja tão omissão quanto à nova lei, ou seja, caso ele não preveja um índice setorial ou específico para reajuste; caso ele não preveja as regras da repactuação, indicando, precisamente, o prazo de início do cômputo do período de doze meses (se da data da apresentação da proposta, no caso do reajuste ou da última convenção coletiva de trabalho – Orientação Normativa nº 25/09 AGU, no caso da repactuação) o fornecedor, caso não seja promovida uma alteração bilateral do contrato, nos termos do art. 72 da lei nº 13.303/16, poderá ficar em indesejável e ilegal desvantagem.

Sua única saída seria apelar ao princípio constitucional do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, previsto no art. 37, XXI. A Carta Política ao determinar que “manutenção das condições efetivas da proposta” deverá ser mantida durante toda a execução do contrato eleva o equilíbrio contratual ao patamar de uma garantia constitucional das partes. É uma garantia das partes, pois, caso o contrato esteja desequilibrado quer para a Administração, quer para o contratado, ambos têm direito ao reequilíbrio.

A Ministra Carmen Lúcia, ao julgar o RE 571.969/DF, ensinou que o “princípio constitucional da estabilidade econômico-financeira seria uma das expressões do princípio da segurança jurídica. Por meio desse princípio, buscar-se-ia conferir maior segurança ao negócio jurídico-administrativo, garantindo à empresa contratada, tanto quanto possível, a permanência das circunstâncias e das expectativas que a animaram a assumir a execução, por sua conta e risco, no interesse público, de atribuições que competiriam a pessoa jurídica de direito público”.

Assim, é possível concluir que a nova lei não trouxe qualquer inovação quanto a questão do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. Muito pelo contrário, por previsão expressa do próprio art. 68, ao não se aplicar as normas de direito público, criou-se uma verdadeira arapuca para a própria Administração que terá que criar regras próprias (nem que seja copiar as já existentes), alterando a nova lei ou as inserindo no bojo do contrato.

Esta, por sua vez, não deve ser a mais prestigiada alternativa, pois trará insegurança jurídica, haja vista que cada empresa pública ou sociedade de economia mista estará livre para criar as próprias “regras do jogo” (Farina, apud North, 1997, p. 59), o que pode trazer situações conflitantes diante de uma mesma hipótese.

Ao final de tudo a única afirmação possível é que ainda se tem muito a ser feito para estancar as infinidades de dúvidas oriundas no novo regulamento, o que espera seja feito nos próximos dois anos de vacância com o auxílio da doutrina e dos demais órgãos públicos. 



Por Ronaldo Coelho Lamarão (RJ)

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