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Autonomia e Perda de Mandato nas Agências Reguladoras

ANO 2016 NUM 59
Sérgio Guerra (RJ)
Pós-Doutor em Administração Pública (FGV/EBAPE). Doutor e Mestre em Direito (UGF/UCAM). Professor Titular da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas - RJ, na qual ocupa o cargo de Vice-Diretor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação. Embaixador da Yale University no Brasil onde foi Visiting Researcher na Yale Law School em 2014. Editor da Revista de Direito Administrativo - RDA. Coordenador do Mestrado em Direito da Regulação da FGV DIREITO RIO. Coordenador Geral do Curso International Business Law (University of California, Irvine). Consultor Jurídico da Comissão de Direito Administrativo da OAB/RJ. Árbitro.


19/01/2016 | 13722 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

A constitucionalidade sobre o mandato de dirigentes de determinadas autarquias foi submetida ao Supremo Tribunal Federal na ADI 1949-0-RS, ao julgar o modelo de agencificação dotada de certa independência e autonomia. A ação direta examinou a constitucionalidade de dispositivos da legislação gaúcha (Leis Estaduais nºs 10.931/97 e 11.292/98) que criou a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS, pioneira na esfera estadual.

Naquele caso, o STF fez interpretação sobre o termo “mandato” dos dirigentes, trazendo, pela primeira vez, algum direcionamento sobre a juridicidade do estabelecimento de tenure para os dirigentes das Agências Reguladoras surgidas após o Plano Diretor da Reforma do Estado.

O Governador do Rio Grande do Sul havia se insurgido contra dois dispositivos legais, das normas antes citadas. O primeiro previa que a nomeação de dirigente da Agência Reguladora pelo Governador do Estado, com mandato de quatro anos, dependeria de prévia aprovação pelo Poder Legislativo. O segundo, a demissão desse mesmo dirigente seria da competência exclusiva do Poder Legislativo. O argumento contrário àqueles dispositivos baseava-se no princípio da separação de poderes; isto é, haveria indevida usurpação de função privativa e discricionária do Poder Executivo pelo Poder Legislativo.

O Relator Ministro Sepúlveda Pertence alterou seu voto diante dos argumentos trazidos pelo Ministro Nelson Jobim, ao fazer referência às decisões da Suprema Corte norte-americana, citadas pelo Ministro Victor Nunes Leal. O fundamento do voto do Ministro Victor Nunes Leal, sob a égide da Constituição Federal de 1946, baseava-se na ideia de que o Poder Legislativo poderia condicionar o exercício do Presidente da República de prover os cargos públicos federais em termos compatíveis com os dispositivos da própria Constituição: “No sistema político vigente em nosso país é, realmente, ao Legislativo que cabe traçar a orientação geral da política econômica e administrativa do país, pois dele depende a votação do orçamento, a concessão de créditos especiais, a aprovação de tratados com nações estrangeiras e o poder de votar leis em toda a extensa área da competência legislativa da União. Não é, aliás, a investidura de prazo certo uma invenção brasileira. Ela tem uso frequente em outras nações, e frequentíssimo nos Estados Unidos, cujo regime copiamos. Numerosos são os cargos, especialmente nas independent regulatory commissions, cuja investidura se faz a prazo certo.”

Victor Nunes Leal fazia expressa menção ao Myers Case, julgado em 1926, e ao caso Humphrey (1935), além do caso Wiener (1958): “Tais entidades [comissão independente] são equivalentes das nossas autarquias econômicas e administrativas, cuja criação depende de lei. E a lei que lhe da autonomia, nos limites que o legislador considere conveniente, tem por objetivo, não só facilitar a administração dos serviços respectivos, pela adoção de normas diferentes das quais vigoram para a administração direta, mas também, tornar os seus dirigentes, nos termos da lei, independentes da miúda e cotidiana interferência do Chefe da administração federal. A doutrina dos casos Humphrey e Wiener tem, como se vê, inteira aplicação ao processo em exame, quer pela semelhança do regime (ao tempo da impetração), quer por se tratar de entidades administrativas de atribuições congêneres, do ponto de vista do direito, e cuja continuidade e independência de ação o legislador quis proteger com a investidura do prazo certo de alguns ou de quase todos os seus dirigentes (RTJ 25/63 a 67).”

Nesse contexto, note-se ao primeiro dispositivo normativo impugnado na lei de criação da AGERGS, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de cognição liminar, ser constitucional a forma de ato complexo de nomeação, nos termos do art. 52, III, “f” da Constituição Federal. Quanto ao segundo, a Corte acolheu o pedido de declaração de inconstitucionalidade; contudo, decidiu que o Governador não poderia demitir o Diretor da AGERGS sem justa causa em consequência da investidura a termo.

O que pouco se comenta na doutrina é a decisão de mérito na referida ADI, ocorrida apenas em 2014, aplicável aos casos de vácuo normativo. Veja-se que, naquele momento, e sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, foram fixadas algumas importantes premissas sobre a regulação estatal descentralizada e o regime de ingresso e saída dos dirigentes das Agências Reguladoras.

Em voto, acolhido por unanimidade, ficou assentado que a participação do chefe do Executivo na exoneração dos conselheiros das agências reguladoras não pode ficar a critério discricionário, pois, “tal fato poderia subverter a própria natureza da autarquia especial, destinada à regulação e à fiscalização dos serviços públicos prestados no âmbito do ente político, tendo a lei lhe conferido certo grau de autonomia.”

Ademais, ficou definido pelo STF, seja pela natureza da investidura a termo no cargo de dirigente de agência reguladora, seja pela sua incompatibilidade da demissão ad nutum, as hipóteses específicas de demissibilidade dos dirigentes, enquanto perdurar a omissão normativa. Nesse caso específico, sem prejuízo de outras hipóteses legais, valeu-se da norma geral, aplicável às agências federais, que ainda não existia quando do julgamento da medida liminar (Lei Federal nº 9.986/2000).

Em suma, as hipóteses de perda de mandato pelos dirigentes das agências reguladoras se limitam a renúncia, condenação judicial transitada em julgado e procedimento administrativo disciplinar (PAD), sem prejuízo de outras hipóteses legais. No caso de PAD, conforme decidido pelo STF, não há espaço para a discricionariedade pelo chefe do Executivo, devendo ser observados os princípios da motivação e do devido processo legal.



Por Sérgio Guerra (RJ)

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