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Qual é o futuro do princípio da segurança jurídica nos setores de infraestrutura?

ANO 2018 NUM 398
Thiago Priess Valiati (PR)
Doutorando em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Especialista em Direito Empresarial pela Fiep. Advogado em Curitiba/PR.


18/05/2018 | 3992 pessoas já leram esta coluna. | 3 usuário(s) ON-line nesta página

O financiamento nos setores de infraestrutura, à semelhança do que ocorre com saúde e educação, configura um consenso que aproxima até mesmo opositores políticos, tendo em vista a elevada influência que exerce na vida e cotidiano da população. A infraestrutura é parte essencial da vida e no dia-a-dia das pessoas: diariamente os cidadãos acendem a luz ao acordarem, utilizando-se da energia elétrica; alimentam-se de produtos que vieram de portos e foram transportados por trens, aviões ou em rodovias; bebem água devidamente tratada e têm o lixo removido de suas casas e utilizam serviços de telecomunicações, como telefone e internet.

Investimentos nos mais diversos setores da economia configuram-se imprescindíveis para o incremento da infraestrutura e para o desenvolvimento socioeconômico. Um financiamento mais elevado em infraestrutura é capaz de viabilizar, por exemplo, crescimento no número de empregos e significar, consequentemente, uma melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Além disso, o investimento nesta seara gera um ciclo virtuoso, pois a situação precária da infraestrutura configura um impeditivo para o próprio crescimento dos negócios. Quanto mais desenvolvida a infraestrutura, mais capital será investido.

Mas, apesar destes aportes configurarem-se como indispensáveis, a realidade é que o Brasil necessita de mais aplicações de grande porte. Serviço de saneamento básico defasado, rodovias mal conservadas e demasiadamente caras, ferrovias abandonadas e subutilizadas, aeroportos mal equipados e sobrecarregados, portos ineficientes, serviço de telecomunicações insuficiente, iluminação pública escassa, enfim, poderiam ser elencados problemas em praticamente todos os setores da economia brasileira. Esta situação resume o quadro insatisfatório e desalentador da infraestrutura nacional, que ainda possui vários gargalos para o desenvolvimento socioeconômico.

Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria - CNI, é inquestionável que no Brasil se investe pouco em infraestrutura. No período 2001-2014, a média de investimentos correspondeu somente a pouco mais de 2% do PIB (o setor público é responsável por, aproximadamente, metade desse montante). Para competir internacionalmente e se aproximar dos demais países emergentes, o investimento deveria dar um salto e ficar entre 4 e 5% do PIB e por ao menos duas décadas.

Assim, muito emprego de capital ainda precisa ser realizado em matéria de infraestrutura. Nesse cenário, para suprir este déficit, desponta a relevância de investimentos oriundos de agentes econômicos privados, inclusive estrangeiros, com o objetivo de complementar o gasto público. Ambas as escolhas – financiamento público ou privado – constituem formas legítimas de financiamento da infraestrutura, à luz do texto constitucional brasileiro. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 assegurou diversas possibilidades de atribuição da gestão do serviço aos particulares, como, por exemplo, o instrumento contratual da concessão de serviço público. Todavia, apesar do ordenamento jurídico permitir a possibilidade de particulares atuarem em tais setores, verifica-se, ainda, um déficit de capital privado em empreendimentos de infraestrutura.

Mas por que o número de investimentos em setores de infraestrutura é considerado insatisfatório? O que os agentes econômicos privados precisam, efetivamente, para ter maior interesse em investir na infraestrutura nacional? A resposta reside, em suma, na garantia de segurança jurídica por parte do Estado brasileiro.

Contratos de infraestrutura, além de demandarem um elevado capital necessário para sua implementação, normalmente envolvem projetos com longa maturação, isto é, demoram significativamente para gerar o retorno previsto. Dessa forma, o agente econômico que investe em infraestrutura é calculista e cuidadoso, pois não irá envolver o seu projeto em países que possuem um baixo nível de segurança jurídica. O investidor precisa ter a garantia de que o contrato firmado com o Poder Público será respeitado. O investidor precisa ter confiança nas instituições e na inalterabilidade das “regras do jogo”. Necessita confiar nas instituições judiciais e na celeridade do Poder Judiciário em julgar controvérsias que surgem ao longo da execução contratual. Um país com instituições voláteis afasta investimentos e acaba entrando num círculo vicioso de subdesenvolvimento em virtude da perda de competitividade em comparação a outros países que possuem instituições mais sólidas.

Porém, a realidade nacional é exatamente a oposta: um cenário desalentador de total insegurança jurídica. Insegurança que decorre de alterações normativas excessivas e bruscas do conjunto normativo regulatório, seja nos diferentes marcos regulatórios de setores de infraestrutura, seja em razão da competência normativa regulatória das agências que editam resoluções e portarias de modo desenfreado, prejudicando a capacidade de assimilação e compreensão das normas pelos agentes econômicos. Muitas vezes é difícil até compreender qual a normativa efetivamente vigente, diante da excessiva alteração do conjunto normativo regulatório.

Além disso, insegurança que provém do incumprimento dos contratos públicos, “quebrados” frequentemente pela Administração. No caso dos contratos de desembolso (pactuados com base na sistemática da Lei nº 8.666/1993) é usual o Poder Público pagar o parceiro privado com demasiado atraso, ou simplesmente não cumprir com a obrigação do pagamento, obrigando as empresas a recorrerem ao Poder Judiciário e aguardar a definição da controvérsia por meio do sistema de precatórios, cujo pagamento arrasta-se de forma interminável. No caso dos contratos de investimento – em geral contratos pautados na longa duração – a situação não é diferente: os governantes, preocupados apenas com o período do seu mandato, não costumam respeitar pactos celebrados por gestões anteriores. Além de muita demora da Administração na análise e decisão de pleitos do agente econômico privado, há demasiada dificuldade de compreensão do conceito de equilíbrio econômico-financeiro neste tipo de avença, assim como em relação à ideia de alocação de riscos. E, à semelhança dos contratos de desembolso, as discussões contratuais costumam ser levadas a um Poder Judiciário ineficiente, também fonte de excessiva insegurança jurídica.

Vale dizer, a insegurança no âmbito do Poder Judiciário decorre, sobretudo, de problemas como a excessiva morosidade dos juízes e dos tribunais na resolução das controvérsias e da demasiada imprevisibilidade das decisões judiciais. Lamentavelmente, os agentes econômicos também precisam adaptar-se a uma realidade em que os juízes geralmente estão despreparados para lidar com complexos problemas práticos do Direito, o que acaba por assumir uma evidente complicação na área de infraestrutura, ante a alta complexidade que envolve os temas relativos a esta matéria; a realidade é que os juízes brasileiros encontram-se totalmente distanciados da realidade econômica. Além disso, em relação à Justiça Trabalhista, ela é encarada como um grande risco para as empresas e para os investidores, que precisam considerar a alta possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias em hipótese de reclamatórias trabalhistas.

Por fim, os agentes econômicos precisam lidar com diferentes instâncias de controle que, na grande maioria das vezes, acabam causando o travamento de vários grandes empreendimentos de infraestrutura. Não é raro encontrar uma mesma matéria sendo discutida pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Judiciário e, em muitos casos, com entendimentos diversos sobre a controvérsia. A divergência de interpretações acaba em muitos casos por ocasionar a paralização das obras e, por consequência, o aproveitamento da respectiva infraestrutura pelos cidadãos. Além do mais, no caso da obtenção de licenças para a execução do empreendimento, também há o problema da pulverização de competências para emitir liberações nas diversas entidades federativas. No Brasil não se consegue antecipar devidamente os licenciamentos necessários para a execução dos projetos de infraestrutura. Como o Poder Público não consegue antecipar os licenciamentos, os projetos são elaborados de uma forma muito genérica e a responsabilidade recai, exclusivamente, para o particular obter tudo depois. E obviamente não conseguirá obter em tempo razoável e adequado, diante do desanimador cenário de insegurança exposto.

Enfim, uma insegurança generalizada, por todo lugar, perpetrada pelos três Poderes Públicos, pelas instâncias de controle e pelas agências reguladoras, que afugenta os investimentos em infraestrutura, prejudicando o desenvolvimento socioeconômico do país. A insegurança jurídica consiste, portanto, na grande inimiga dos investidores privados, que precisam levar todo este cenário em consideração previamente à decisão de investir no Brasil.

A despeito deste cenário, é preciso destacar que a segurança configura um valor constitucional e concretiza-se por meio de um princípio jurídico, também com incontestável status constitucional. Possuindo o caráter de princípio constitucional, a segurança jurídica possui inegável força normativa, recaindo, assim, como um dever em relação ao Estado brasileiro e aos Poderes públicos. É preciso, pois, encarar a segurança jurídica de um modo muito mais sério caso o Brasil opte realmente pelo caminho do desenvolvimento socioeconômico. Caso contrário, perdurará no Brasil um cenário de subdesenvolvimento e de ausência de investimentos em infraestrutura.

Recentemente, denota-se até uma crescente preocupação com a consolidação do princípio, surgindo algumas propostas normativas para combater a insegurança. Por exemplo, o diploma que incluiu disposições na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a fim de elevar os níveis de segurança jurídica e de eficiência na criação e aplicação do Direito Público (Lei n.º 13.655/2018); originado de projeto de lei elaborado pelos professores Floriano de Azevedo Marques Neto e Carlos Ari Sundfeld. Com a sanção da Presidência da República em abril de 2018, a lei acrescentou dez novos dispositivos à LINDB que tratam de Direito Público. Ou a discussão travada em um grupo de trabalho constituído pelo então Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em agosto de 2015 – que buscou aprimorar o ambiente de negócios e a infraestrutura nacional e atrair mais investimentos para o país – que acabou por originar o anteprojeto do denominado PPP MAIS. O anteprojeto acabou não entrando em pauta no Congresso Nacional, mas influenciou, no ano seguinte, a edição da Medida Provisória nº 727/2016 (e posteriormente convertida na Lei nº 13.334/2016), que instituiu o chamado Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), possuindo entre os seus objetivos a necessidade de garantia de segurança jurídica nos projetos de infraestrutura.

Estas preocupações, todavia, ainda são tímidas. O PPP MAIS, por exemplo, nunca chegou a ser debatido efetivamente no Congresso Nacional. Já a proposta normativa que visou acrescentar novos dispositivos à LINDB foi encarada de uma forma muito negativa (e até injusta) pelos órgãos de controle; TCU e o Ministério Público chegaram a pedir o veto integral do Projeto. Como consequência da pressão dos órgãos de controle, a Presidência vetou alguns dispositivos importantes, como a inovação prevista no seu artigo 25 que travava da criação da ação declaratória de validade de ato ou contrato.

É verdade que o Projeto possuía evidentes falhas e desacertos. É fato também que reformas pontuais não são suficientes para fazer a diferença e, de um dia para o outro, estabelecer um cenário de segurança em terra brasilis, já que muito dos problemas decorrem de características estruturais. Mas é fato também que as críticas corporativistas dos órgãos de controle soaram de uma forma um tanto exagerada. A crítica de que a lei enfraqueceria o controle e abriria margem para a atuação de gestores corruptos não é procedente. Como alertou o professor Paulo Modesto em seu texto a respeito das críticas ao sobredito projeto, é como se a ampla corrupção impedisse a existência de debate para aperfeiçoamento do próprio controle; a segurança jurídica, na realidade, aumenta o combate à corrupção, nunca o diminui. A impressão que fica é que qualquer proposta normativa seria prontamente criticada e renegada pelos controladores.

Apesar dos defeitos pontuais, a Lei n.º 13.655/2018 possui sim seus méritos. O maior deles consiste em chamar a atenção para o problema da insegurança, conferindo uma maior importância ao tema na seara do Direito Público e sintetizando algumas das principais preocupações em relação à ausência de segurança na realidade brasileira. Como destacou o professor Floriano de Azevedo Marques Neto (um dos subscritores do Projeto), com a sanção da lei evoluímos no sentido de ter um marco legal que concretiza o princípio constitucional da segurança jurídica. A Lei n.º 13.655/2018 coloca a insegurança jurídica em xeque e este é seu maior triunfo.

Todavia, há muito ainda a ser feito para diminuir a insegurança na infraestrutura. A aprovação da reforma da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (PL 6814/2017 da Câmara dos Deputados) também assume um papel essencial na busca de maior segurança jurídica. Dispositivos importantes do Projeto possuem a pretensão de concretizar o princípio em questão. É o caso, por exemplo, da previsão do seu artigo 19 de que o instrumento convocatório poderá contemplar matriz de alocação de riscos (que será obrigatória para contratos de grande vulto). Ainda, a previsão disposta no inciso IV do §2º do artigo 102, que reduz o prazo de inadimplemento para o parceiro privado pleitear a sua rescisão. O prazo atual é de 90 dias; já o prazo do Projeto cai para 45 dias. Ainda, a inovação constante do seu artigo 86, §3º, a respeito da possibilidade da previsão da arbitragem nos editais, inclusive quanto ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Finalmente, a disposição que amplia o nível de cobertura do seguro-garantia para obras de grande vulto (artigo 89, §4º). Enquanto a Lei de Contratos vigente estipula o valor máximo do seguro em até 10% do valor do contrato, com a reforma o percentual será de 30%, montante muito mais compatível para o pagamento de eventuais multas pela rescisão contratual e para permitir a retomada da obra. Tratam-se, sem dúvidas, de inovações significativas que possuem a pretensão de conferir mais segurança jurídica para as contratações administrativas.

Mas é preciso ir além. Em relação ao problema do inadimplemento da Administração, por exemplo, a lei precisa reforçar o incentivo para que os contratos sejam devidamente respeitados pelo Poder Público. São necessários meios efetivos para que os agentes econômicos exijam o cumprimento da ordem cronológica de pagamento das faturas (prevista atualmente no artigo 5º, da Lei nº 8.666/1993). Para além da medida já prevista no ordenamento vigente, Joel de Menezes Niebuhr, por exemplo, propõe a criação de instrumentos realmente efetivos para que os particulares exijam o cumprimento desta ordem, sancionando-se o seu descumprimento, sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário. O professor – à semelhança do que prevê o artigo 100, §6º, da Constituição Federal (que autoriza o sequestro dos valores dos precatórios preteridos nas contas públicas) – sugere que a mesma sanção deveria ocorrer em relação à inadimplência dos contratos públicos. Afinal, é em razão da existência da possibilidade de sequestro que a ordem dos precatórios é respeitada e a ordem dos contratos não. Trata-se, pois, de proposta inovadora e com alta possibilidade de conferir uma maior garantir de segurança jurídica aos contratos administrativos.

Ainda, é necessário que a nova Lei de Licitações e Contratos seja explícita no estabelecimento de prazos para que a Administração tome providências no tocante ao processamento das despesas e eventuais pedidos do parceiro privado. A inovação é indispensável para que se evite condutas oportunistas, como a recusa, por parte do Poder Público, em realizar a liquidação da despesa. Com a sistemática do ordenamento vigente, não é raro constatar situações em que o contratado executa o contrato, mas a Administração recusa-se a fazer as medições, evitando, assim, que a nota de faturamento seja emitida e, por consequência, que o contratado entre na fila da ordem cronológica. Desse modo, afigura-se extremamente necessário que a nova lei seja rígida em relação aos prazos de medição, a fim de garantir ao parceiro privado que receba o pagamento em até trinta dias a partir da entrega da prestação. 

Evidentemente há muito a ser feito e reformado. As propostas que buscam concretizar a segurança jurídica devem ser aprimoradas e atualizadas constantemente, diante da evolução dinâmica do Direito Administrativo. Ante a natureza constitucional do princípio da segurança jurídica, novos instrumentos de sua concretização devem ser elaborados e executados incessantemente pelos intérpretes do Direito Público. A segurança jurídica deve ser encarada como um dever dos Poderes Públicos e como um direito dos agentes econômicos (v. VALIATI, Thiago Priess. Segurança Jurídica e Infraestrutura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, p. 194).  

A problemática da insegurança precisa ser mais debatida pela doutrina nacional. A insegurança jurídica em matéria de infraestrutura precisa ser colocada em xeque pelos juristas, a fim de que novos instrumentos sejam possibilitados aos Poderes Públicos no seu dever de concretizar a segurança para os agentes econômicos. É nesse contexto que as críticas vazias ao texto da Lei n.º 13.655/2018 devem ser prontamente refutadas. A verdade é que os Poderes estatais e todas as instâncias de controle precisam se mover em direção a uma conjuntura que consolide um maior grau de segurança aos agentes econômicos, a fim de que seja promovido um novo futuro para o princípio constitucional da segurança jurídica nos setores de infraestrutura.



Por Thiago Priess Valiati (PR)

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