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Problemas atuais do controle jurisdicional da administração pública

ANO 2017 NUM 365
Vladimir da Rocha França (RN)
Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Associado II do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


14/06/2017 | 7265 pessoas já leram esta coluna. | 6 usuário(s) ON-line nesta página

Seguindo a tradição instaurada pela Constituição Federal de 1891, a Constituição Federal vigente adotou o modelo de unidade de jurisdição, nos termos de seu art. 5º, XXXV. O controle jurisdicional da Administração Pública é monopólio do Poder Judiciário, devendo ser exercido por este quando devidamente provocado por intermédio do direito de ação, em face de lesão ou ameaça a direito subjetivo.

Quando o direito lesionado ou ameaçado de lesão tem por objeto uma prestação negativa do Estado – um fazer ou um suportar -, o controle jurisdicional sobre os atos jurídicos da Administração se encontra mais amadurecido. Afinal, trata-se de reprimir uma ação estatal ilícita ou impedi-la de ocorrer, algo que é enfrentado pelo Direito Administrativo desde o seu nascimento com o advento do Estado de Direito.

Entretanto, a ampliação da administração ordenadora – que inclui o chamado “poder de polícia” - e dos serviços públicos ensejou uma grande expansão dos atos administrativos ampliativos de direitos dos administrados. Quando a emissão desses atos jurídicos é vinculada, ou seja, sujeita estritamente ao juízo de juridicidade da autoridade competente, pode-se perfeitamente afirmar que o administrado tem o direito a prestações positivas do Estado.

No âmbito da administração ordenadora, as competências administrativas não são instituídas apenas para prevenir que o exercício dos direitos associados à liberdade individual e à propriedade privada não causem danos a esfera jurídica individual alheia. Por injunção do princípio da função social, as ordenações administrativas instituídas por lei a esses direitos também têm por escopo prevenir danos à Sociedade como um todo e instrumentalizá-los em certa medida em prol de metas constitucionais de Justiça Social. 

Já no que concerne aos serviços públicos, exige-se que o Estado preste comodidades ou utilidades materiais para os administrados. No caso dos serviços públicos sociais, essas prestações devem ser disponibilizadas pela Administração Pública sem contraprestações pecuniárias diretas dos administrados. Mas não se perca de vista que tais benefícios sociais não deixam de ser custeados mediante receitas tributárias.

Como limite ao controle jurisdicional da Administração Pública, reconhece-se o princípio da separação dos poderes que, dentre outras coisas, protege a integridade do juízo de oportunidade da autoridade administrativa competente da interferência do Poder Judiciário.

Outro ponto que deve ser necessariamente levado em consideração no controle jurisdicional da Administração Pública, é o princípio da legalidade. A autoridade administrativa somente pode legitimamente realizar aquilo que a lei expressa ou implicitamente autoriza.

Esses dois limites tendem a fraquejar diante das frustrações dos administrados com as promessas constitucionais não cumpridas pela Administração. 

Esses limites tendem a ser ignorados quando o Poder Judiciário procura assumir o papel de protagonista na formulação e execução de políticas públicas.  Isso ocorre quando o juiz não se restringe apenas a determinar a juridicidade delas, assumindo também o papel de legislador e administrador na definição dos serviços públicos a serem prestados para os administrados.  Com o agravante de se ignorar inteiramente as externalidades negativas de sua decisão em matéria econômico-financeira para o patrimônio público.

Ou então, quando o juiz procura ser mais rigoroso do que a própria Administração Pública, identificando limitações para o exercício da liberdade individual e a propriedade privada que não se encontram previstas em lei ou indevidamente estendidas em virtude de uma perspectiva excessivamente coletivista e avessa à existência de um espaço jurídico individual a ser preservado pelo Estado.  Declarações graciosas de inconstitucionalidade das leis também não são descartadas por esse tipo de magistrado.

Esse contexto é agravado pelo fato de que o controle jurisdicional da Administração Pública ainda é tradicionalmente pensado, ensinado e exercido em termos de conflitos entre a Administração Pública e um administrado em especial, sem se levar em consideração a força que os precedentes judiciais hoje assumem no sistema do Direito Positivo. 

Assim, os demais princípios jurídicos da Administração Pública – como a moralidade ou a proporcionalidade -, que deveriam ser garantias fundamentais dos administrados, acabam se transformando em instrumentos do arbítrio judicial. Princípio jurídico não é cheque em branco, parafraseando Caio Tácito.

Thomas Sowell disse certa vez: “A primeira lei da Economia é a escassez. A primeira lei da Política é se esquecer da primeira lei da Economia”. Com juízes que tomar o lugar dos chefes do Poder Executivo e dos parlamentares sem o devido processo eleitoral, ninguém deve se surpreender com o fato de que aqueles agentes também ignorem a primeira lei da Economia.



Por Vladimir da Rocha França (RN)

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