Notícias

A Greve de Aposentados no Serviço Público

28/08/2012 | 2128 pessoas já leram esta notícia. | 6 usuário(s) ON-line nesta página

Paradoxo é uma afirmação que contraria uma intuição comum. Parece um paradoxo afirmar a participação em movimentos grevistas de servidores públicos inativos. Aposentados, por definição, são indivíduos afastados do serviço ativo. No Brasil, porém, esse paradoxo efetivamente ocorre, pode ser explicado e deve ser considerado um estímulo oculto à radicalização dos movimentos paredistas no interior do Estado nos últimos anos. É fato que não deve continuar longe da luz.

A recente greve dos professores estaduais do ensino primário e médio na Bahia, de 115 dias, pode servir de exemplo. A imprensa acompanhou o movimento e colheu em várias assembleias a manifestação de participantes. Muitos eram aposentados. Ninguém estranhou o fato. Filiados ao sindicato geral, parecia natural a manifestação dos aposentados nas assembleias sindicais sobre as propostas do Poder Executivo e sobre a continuidade do movimento paredista. Mas o grande interesse dos aposentados do serviço público pelas greves de servidores ativos não decorre de solidariedade classista. É explicada pelo denominado "direito à paridade".

Direito à paridade é o direito reconhecido aos servidores aposentados em cargos públicos efetivos ao recebimento no provento de inatividade do mesmo aumento de remuneração concedido aos servidores ativos titulares dos cargos que serviram de referência para a concessão da aposentadoria.

O direito à paridade vincula a remuneração do servidor ativo e o provento do servidor inativo de forma permanente. Não se trata de aplicar índices de correção da inflação. Aumentos acima da inflação, aumentos reais, são extensíveis a proventos de aposentadoria cobertos pelo direito à paridade, com limitadas exceções. Por isso, as conquistas remuneratórias de movimentos grevistas repercutem economicamente em favor dos aposentados de forma imediata.

Essa garantia não encontra paralelo entre os trabalhadores da iniciativa privada e entre aposentados do serviço público vinculados ao regime geral de previdência social, regime comum gerido pelo INSS. Esses aposentados não possuem o direito à paridade. O valor de seus proventos de aposentadoria é revisto e atualizado por lei, mas não guarda conexão direta com as conquistas remuneratórias dos trabalhadores equivalentes em atividade.

O direito à paridade foi extinto para os servidores que ingressaram e ainda ingressem no serviço público após a Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, aprovada no primeiro governo Lula. Porém, grande parte dos atuais aposentados do serviço público e parte expressiva dos atuais servidores ativos, que serão aposentados segundo regras de transição, continuarão a invocar a aplicação do direito à paridade ainda por muitos anos.

Os servidores públicos ativos em greve, se titulares de cargo público, não fazem jus à retribuição durante o movimento grevista. Servidores em estágio probatório deixam de computar esse período no processo de aquisição do direito à estabilidade. Porém, os servidores aposentados em cargos públicos efetivos detentores do direito à paridade nada perdem com movimentos paredistas prolongados. Votam sistematicamente nas assembleias pela radicalização dos movimentos de reivindicação. É legítimo que participem de todas as deliberações e integrem o mesmo sindicato?

Aposentados no regime próprio dos cargos públicos apenas podem retornar ao serviço efetivo do Estado mediante aprovação em novo concurso público. Não é paradoxal que deliberem sobre o retorno à atividade? 

Sem riscos ou perdas com a ação paredista, possuem os servidores inativos legitimidade para opinar sobre a continuidade de greves? Se aposentados em regime de paridade comparecem em grande número a assembleias sindicais, especialmente durante ações reivindicatórias, a opinião que expressam sobre as propostas apresentadas pelo Poder Executivo pode predominar sobre a manifestação dos servidores ativos?

São questões que deveriam ser consideradas em uma lei disciplinadora das greves no serviço público e que revelam bem as especificidades dos movimentos paredistas na intimidade do Estado. Trata-se de Lei aguardada desde 1988, cuja falta amplia paradoxos pouco visíveis ao público, sem resposta adequada na disciplina do direito geral de greve.

Paulo Modesto, 45, promotor de Justiça e professor da Universidade Federal da Bahia, é Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público e membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. É também editor do site www.direitodoestado.com.br

Versão condensada do texto foi publicada no Jornal Folha de São Paulo, edição do dia 28, p.3: http://goo.gl/kh4yv

Fonte Editor