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A Magistratura pede socorro

02/12/2009 | 3411 pessoas já leram esta notícia. | 3 usuário(s) ON-line nesta página

Eliana Calmon
Ministra do Superior Tribunal de Justiça

Não pretendo discutir a sobrevivência do quinto constitucional na composição dos Tribunais, mas sobre tema que me parece da maior seriedade.

Para a magistratura de carreira o órgão maior do Poder Judiciário é o Superior Tribunal de Justiça. De formação eclética, dos trinta e três integrantes vinte e dois são magistrados de carreira e onze escolhidos dentre membros do Ministério Público e Advogados.

Às vagas da magistratura concorrem desembargadores federais ou estaduais e para as vagas do Ministério Público e dos Advogados concorrem os seus representantes com mais de dez anos de atividade.

As três categorias de magistrados têm formação inteiramente distinta e por isso mesmo, na composição das turmas de julgamento, tem-se a preocupação de mesclar a formação, de modo a se manter o equilíbrio na representação.

Quando da elaboração da Constituição de 1988, pretendeu-se estabelecer, como texto expresso, regra que consagrasse o equilíbrio entre as categorias, a exemplo do consignado para a formação do Tribunal Superior do Trabalho; na escolha dos ministros daquela Corte, observa-se a origem dos magistrados.

Seja por atrofia política, seja por falta do necessário empenho dos órgãos representativos, o certo é: deixou de constar no texto constitucional a observância da gênese dos magistrados na composição do STJ.

A falta de texto escrito tem ensejado grave distorção na formação do “Tribunal da Cidadania”, o que tem se mostrado preocupante, diante da quebra da paridade pretendida pelo legislador constitucional.

Como dos tribunais de justiça e dos tribunais federais participam representantes do quinto, a não observância da origem tem ensejado acesso desses ao Superior Tribunal de Justiça, concorrendo nas vagas dos desembargadores de carreira, porque, a partir da nomeação, estão aptos a alçarem ao Tribunal Superior, sem interstício algum.

A prática desequilibra a formação eclética da Corte, porque esses magistrados, juntamente com os representantes da sua categoria, passam a figurar em número que tende a superar os magistrados de carreira.

No passado a escolha dos desembargadores para comporem as listas de escolha ao STJ, dava-se dentre os que tinham especial realce na Corte, identificados como verdadeiramente vocacionados, e para os desembargadores do quinto, o tempo era de, no mínimo, dez anos de judicatura no tribunal.

Nos últimos anos, as escolhas passaram a obedecer a critérios outros, de tal forma que advogados recém chegados aos Tribunais, com um ou dois anos de magistratura, passaram a concorrer às vagas do STJ, disputando com desembargadores de carreira, com mais de vinte ou trinta anos de magistratura.

Além da quebra de paridade, a prática é de flagrante injustiça para com a magistratura, cujos integrantes a escolheram em tenra idade, prepararam-se por toda a vida para o exercício da função, após se submeterem a concurso de provas e títulos, viverem o desconforto da judicatura em longínquas cidades do interior, angustiarem-se com as disputas promocionais, padecerem com as dificuldades de escolha até ascenderem aos Tribunais e, quando podem almejar o coroamento da carreira, enfrentam como concorrentes os colegas do quinto constitucional recém chegados ao Poder Judiciário, de tal forma que, se juízes de carreira fossem, não estariam aptos a disputar sequer uma vaga nos Tribunais Inferiores.

A face mais perversa da disfunção aqui registrada está nas poucas chances de um magistrado de carreira, dentro do STJ, exercer as funções de direção da magistratura.

Raros são os juízes de carreira que, como ministros, chegam à presidência, vice-presidência, corregedoria, Escola Nacional de Magistratura, Superior Tribunal Eleitoral e Conselho Nacional de Justiça, funções exercidas pelos ministros mais antigos na Corte. Os magistrados de carreira chegam ao STJ com bem mais idade do que os seus colegas do quinto, devido a longa caminhada a percorrer e, antes de chegarem à antiguidade necessária às funções de direção, são alcançados pela aposentadoria compulsória.

Tenho observado a absurda distorção, lamentando estar a magistratura brasileira sendo dirigida e conduzida quase que exclusivamente pelos advogados transformados em juízes pelo mecanismo constitucional do quinto, tenho me indignado com a omissão dos órgãos representativos da Magistratura. Defendem todos a abolição do quinto, desmancham-se em pronunciamentos contra a regra constitucional, mas são incapazes de encetar uma eficiente defesa institucional em favor da magistratura imparcial e equilibrada.

Até aqui tenho mantido a discrição necessária ao exercício do meu mister, na esperança de ver corrigida a distorção. Entretanto, chego à conclusão da necessidade de falar para que se possa ver o óbvio: as insensatas e injustas escolhas, sob o aspecto subjetivo, desestimulam a magistratura, desprestigiam os juízes de carreira que, céticos quanto ao acesso, vão aos poucos se transformando em modestos servidores públicos, sem a pujança que se espera de um agente político. Sob a ótica objetiva, a disfunção traz prejuízos institucionais irreversíveis pela inserção de julgadores com pouca vivência e sem formação adequada em um tribunal eminentemente técnico como é o Superior Tribunal de Justiça.

A preocupação aqui manifestada não pode mais ficar guardada e só timidamente esboçada interna corporis. Calar faz-me parecer covardemente acomodada e fugitiva de uma realidade inexorável: é preciso combater todas as práticas que possam macular a última das trincheiras de cidadania, O JUDICIÁRIO.

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Sobre o tema, confira também entrevista da Min. Eliana Calmon ao Estado de São Paulo

Fonte Artigo de Opinião