O noticiário dos últimos dias registrou uma série de declarações e alguns debates sobre o papel das agências reguladoras. São várias as questões aventadas: as agências estão cumprindo seu papel? Não estariam esvaziando os ministérios? Podem elas estabelecer políticas para o seu setor de atuação? Seus critérios de fixação de tarifas estão errados e, portanto, estariam elas descuidando dos direitos dos usuários e, por extensão, da cidadania como um todo? Suas atribuições são excessivas?
Essas e muitas outras dúvidas se colocam sobre a nova figura, que muitos afirmam ser a única novidade administrativa dos anos FHC. A criação das agências correu paralela ao processo de privatização e dessa coincidência temporal surge a primeira desconfiança: elas são consideradas um sub-produto da transferência dos serviços ao setor privado. E, por tabela, são suspeitas de estar a serviço dos interesses dos concessionários.
Deve-se lembrar que as primeiras agências reguladoras –autarquias, isto é, entidades descentralizadas dotadas de autonomia gerencial- nasceram nos anos trinta, criadas por Getulio Vargas como instrumentos de superação da crise provocada, em 1929, pela quebra da Bolsa de Nova York. São dessa época as agências reguladoras da produção e do comércio dos produtos mais relevantes da pauta exportadora brasileira: o Departamento Nacional do Café, depois IBC, e o Instituto do Açúcar e do Álcool, criados em 1933, e os Institutos Nacionais do Mate (1938), do Sal (1940), e do Pinho (1941). Mais tarde, passam a usufruir do mesmo status a Comissão Nacional de Energia Nuclear (1956), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (1962) e o Banco Central (1964).
Em fins de 96 cria-se a ANEEL, primeira agência reguladora da nova safra. Logo depois chegam a ANATEL e a ANP e, mais tarde, a ANVISA (vigilância sanitária, 1999), ANS (planos de saúde suplementar, 2000), a ANA (recursos hídricos, 2000), ANTT (transporte rodoviário e ferroviário, 2001) e ANTAQ (portos e transportes por água, 2001).
A experiência internacional é rica na matéria. Os Estados Unidos criaram em 1887 a Comissão Interestadual de Comércio, primeira agência reguladora desse país. A primeira agência inglesa foi a Autoridade Independente para a Televisão, de 1954 e, no bojo das reformas da Sra.Thatcher, criaram-se várias agências começando pela OFTEL (Telecomunicações) em 1984. A França, em cumprimento das exigências da União Européia criou a Autoridade de Regulação das Telecomunicações –ART, em 1997 e a Comissão de Regulação da Eletricidade – CRT, em 2000.
Em todos os casos se reconhece que a função regulatória é uma atividade essencial e inalienável do Estado. O propósito que está por trás da criação das novas agências é a necessidade de dar especialização e eficiência a essa função. Elas fazem parte da estrutura estatal mas considera-se mais conveniente estabelecer um órgão especificamente dedicado à atividade, com pessoal especializado na tarefa, com carreiras estruturadas e com estruturas mais ágeis do que as grandes máquinas ministeriais. Em todos casos acima mencionados, as agências são dotadas de autonomia com o propósito de colocar certas questões fora dos propósitos políticos de curto prazo, para dar continuidade às políticas e ao planejamento de longo prazo e para dotar de isenção às adjudicações, evitando assim as suspeitas de favorecimento. Tudo isso em prol da defesa do interesse público que deve ser o norte permanente da ação reguladora.
É verdade que as agências brasileiras padeceram de uma série de problemas decorrentes da falta de experiência e cultura regulatórias e das filosofias vigentes na época de sua criação. Deu-se, por exemplo, ênfase exagerada ao objetivo de defesa de concorrência na crença ingênua de que basta assegurar um mercado em funcionamento para que os direitos dos usuários sejam automaticamente protegidos. Por outra parte, as ações judiciais invocadas contra a o regime jurídico do pessoal das agências, ainda que justificadas na sua reclamação substantiva, impediram os concursos e, conseqüentemente, a formação e consolidação de quadros de reguladores. Mais ainda, a falta de políticas claras emanadas do Poder Executivo, levou as agências a incorrer em domínios alheios à sua alçada a fim de assegurar a continuidade do serviço.
Ainda assim elas apresentam uma série de características desejáveis em matéria de gestão democrática, que se coadunam a contento com os pressupostos de cidadania participativa que pautam a atividade pública do novo governo. As leis de criação das agências estabelecem mecanismos de descentralização geográfica e funcional, participação ampla dos atores envolvidos, relações contratuais entre os órgãos administrativos que substituem a tradicional subordinação hierárquica, consideração ampla e clara da participação e dos direitos do usuário-cidadão e outros aspectos técnicos de singular valia.
Não há dúvida que o papel das agências pode e deve ser rediscutido. Na medida em que os ministérios assumam integralmente a sua função indiscutível de formuladores de políticas públicas, as agências poderão desempenhar mais eficazmente seu rol de executores dessas políticas. A cultura da regulação irá se consolidando e legitimando socialmente e não haverá empecilho em manter as características que deram às agências uma função essencial na preservação da qualidade dos serviços públicos e no adequado e justo atendimento dos direitos da população. E contribuindo, é claro, para uma produção nacional mais eficiente e uma redistribuição social mais justa dos seus resultados.
AGÊNCIA, INSTRUMENTO E DATA DE CRIAÇÃO
ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, Lei N 9.427, de 26 de dezembro de 1996
ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações, Lei N 9.472, de 16 de julho de 1997
ANP - Agência Nacional do Petróleo, Lei N 9478, de 6 de agosto de 1997
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Lei N 9.782, de 26 de janeiro de 1999
ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar, Lei N 9961 de 28 de janeiro de 2000
ANA - Agência Nacional de Águas, Lei N 9.984, de 17 de julho de 2000
ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres, Lei N 10.233 de 5 de junho de 2001
ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários, Lei N 10.233 de 5 de junho de 2001
Fonte: Núcleo de Estudos de Regulação - EBAPE/FGV
Enrique Saravia
Coordenador do Núcleo de Estudos de Regulação da EBAPE / FGV
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