Polêmica à vista na Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional 341/09, que visa a enxugar dos atuais 250 para 76 o número de artigos da Constituição Federal brasileira, promete gerar embates acalorados na Casa. Representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, se adiantaram em pedir o arquivamento da proposição. O projeto, entretanto, continua a avançar. Pedido de vista coletivo, feito na terça-feira, pelos integrantes da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, onde a PEC tramita, deverá garantir a apreciação pelos parlamentares da Casa logo nos primeiros dias após o fim do recesso legislativo. É que, pelo regulamento interno, a proposta retirada da pauta com essa finalidade deve ser devolvida no prazo de duas sessões do Plenário.
A proposta é de autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). O projeto original propunha a redução para 71 artigos, mas o relator Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), em substitutivo reviu a quantidade de dispositivos a serem suprimidos. O parlamentar também desmembrou a PEC em dois dispositivos - um sobre as matérias a serem retiradas da Carta e outro com as modificações propostas pelo autor a serem realizadas na Lei Maior, que haviam sido tratadas no mesmo texto.
Barradas sugeriu que as alterações propostas sejam apreciadas em PEC autônoma. No que diz respeito à desconstitucionalização, o deputado encampou a maior parte do texto original em seu dispositivo e emitiu parecer pela aprovação. De acordo com ele, a proposição visa a retirar tudo da Constituição que não tiver natureza constitucional. Ficam apenas as cláusulas pétreas. Ou seja, os dispositivos sobre os direitos sociais; a forma e estrutura do estado; os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; entre outros.
No parecer, Barradas afirmou que não há vício de inconstitucionalidade formal ou material na proposta, bem como foram atendidos os pressupostos constitucionais e regimentais para sua apresentação e apreciação. De acordo com ele, a proposição vem ao encontro dos anseios de vários segmentos da sociedade e a desconstitucionalização das matérias que não possuem natureza constitucional é tema de suma relevância que merece detalhada análise.
Ele lembrou que a Carta foi elaborada em um período pós-ditadura. O resultado foi um texto extremamente detalhista, uma vez que todos os segmentos da sociedade buscaram ver seus direitos estabelecidos na Constituição. Segundo afirmou, a Lei Maior foi promulgada com 250 artigos, mais 95 artigos dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórios. Além disso, conta hoje com mais seis emendas constitucionais de revisão e mais 57 emendas constitucionais.
O parlamentar destacou que, desde 1988, foram alterados, suprimidos e acrescentados 90 artigos, 312 parágrafos, 309 incisos e 90 alíneas da Constituição. De acordo com ele, ainda há 1.119 propostas em tramitação na Câmara dos Deputados com vistas a alterar o texto constitucional. Outras 1.344 foram arquivadas desde a promulgação da Lei Maior.
O professor de Direito constitucional, doutorando pela universidade de Salamanca e presidente da Comissão de Legislação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, é contra a proposta de mudança na Constituição.
"Entendo que o Brasil tem uma tradição de Constituição analítica e não sintética. Temos essa tradição de que a Constituição regulamenta todos os aspectos da vida social e não apenas políticos. Então, ela regulamenta a Previdência, a infância e juventude e outros. Isso não é maléfico. O enxugamento proposto, se trouxer algum benefício, trará apenas ao parlamento, que terá mais facilidade para aprovar leis sem o quorum qualificado", disse.
O advogado explicou que a constitucionalização desses temas tem aplicação prática. Ele citou como exemplo a súmula editada pelo Supremo Tribunal Federal que estabelece a ilegalidade da cobrança acerca da taxa de inscrição na rede pública de ensino. "A Constituição diz que a educação é pública. A PEC visa a suprimir isso. Esse tema e outros ficariam para a legislação, mas quando haveria a legislação? Ficaríamos no vácuo, sem qualquer proteção, pelo menos enquanto o Congresso não resolvesse legislar sobre o direito. A sociedade perde com isso".
Para Furtado, os argumentos de quem defende a proposição não são suficientes para o que chamou de drástica intervenção. "Seria uma intervenção drástica apenas porque o Congresso não quer mais ter quorum qualificado. O poder constituinte originário, que fez a Constituição de 1988 e reinaugurou a democracia no País, é muito legítima. Não vejo legitimidade no Congresso atual para enxugar a Constituição feita no momento da redemocratização do Brasil, ainda mais sem ouvir a população", disse. (A reportagem é de Giselle Souza e foi publicada na edição de hoje do Jornal do Commercio)
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