Notícias

Critério para definição de "necessitado" varia nas Defensorias Públicas

26/01/2016 | 1854 pessoas já leram esta notícia. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

Amplitude do conceito e os parâmetros definidos em diferentes Estados do país são questões ainda controversas

A reabertura política do Brasil à democracia teve como marco a promulgação da Constituição Federal de 1988. Desde então, instituições brasileiras, pilares do país, se organizaram e trabalharam para dar efetividade à inclusão e justiça social, desafio ainda vigente.

Nesse cenário de mudanças, a Defensoria Pública foi incumbida, conforme expresso na Carta Magna, de cumprir o dever constitucional de prestar "assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (inciso LXXIV, art. 5º).

A instituição passou a assumir papel proeminente na ampliação do acesso à Justiça, incumbindo-lhe "a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados" (art. 134, CF).

Apesar de se reconhecer a nobre missão da Defensoria e a importância da disposição, fica o questionamento: quem é o "necessitado" de que trata a lei? Brasileiro, 36 anos, casado, 7 filhos, recebe 3,5 salários mínimos? Brasileira, solteira, 18 anos, sem filhos, recebe 2 salários mínimos?

A amplitude do conceito e os parâmetros definidos em diferentes Estados do país são questões ainda controversas.

Variação

Em atenção às disposições a respeito da verificação de necessidade, algumas unidades da Federação disciplinaram a forma de comprovação, para fins de assistência jurídica integral e gratuita, estabelecendo critérios para sua aferição.

 

Necessitado

Estado Critério econômico*
AM R$ 2.640,00 (3 SM)**
BA Valor da isenção de pagamento do IR (R$ 2.046,38)
DF R$ 4.400,00 (5 SM)
MT R$ 2.640,00 (3 SM)
MG R$ 2.640,00 (3 SM)
PR R$ 2.640,00 (3 SM)
PI R$ 2.640,00 (3 SM)
RJ Sem critério econômico fixo
SC R$ 2.640,00 (3 SM)
SP R$ 2.640,00 (3 SM)

*Para a composição da tabela foi utilizado apenas o critério salário mínimo, não sendo inseridos outros fatores cumulativos como posse de bens móveis, imóveis ou direitos e de recursos financeiros em aplicações ou investimentos.

**SM: Salário mínimo
 

No DF, por exemplo, a resolução 140/15 estabelece que considera-se hipossuficiente a pessoa natural que não possua condições econômicas de contratação de advogado particular sem prejuízo de seu sustento ou de sua família.

Presume-se a hipossuficiência de recursos de quem, cumulativamente, aufira renda familiar mensal não superior a cinco salários mínimos não possua recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valor superior a 20 salários mínimos e não seja proprietário, titular de direito à aquisição, usufrutuário ou possuidor a qualquer título de mais de um imóvel.

Já em SP (deliberação 89/08), estabeleceu-se a hipótese de atendimento pela Defensoria Pública mediante o atendimento das seguintes condições: aufira renda familiar mensal não superior a três salários mínimos não seja proprietário, titular de aquisição, herdeira, legatária ou usufrutuária de bens móveis, imóveis ou direitos, cujos valores ultrapassem a quantia equivalente a 5.000 UFESP39s não possua recursos financeiros em aplicações ou investimentos em valor superior a 12 salários mínimos federais.

O critério econômico de limitação em três salários mínimos também é estipulado pelas Defensorias Públicas de SC (resolução 15/14), PI (resolução 26/12), AM (resolução 12/14), PR (deliberação 19/14), MT (resolução 46/11), entre outros.

Em MG, a resolução 1/12 dispõe que "presume-se necessitada toda pessoa natural, nacional ou estrangeira, residente ou não no Brasil, cuja renda mensal individual não ultrapasse o valor de três salários mínimos, ou cuja renda mensal familiar não seja superior a cinco salários mínimos".

Na BA, por sua vez, é necessário que o "necessitado" aufira renda mensal não superior ao valor da isenção de pagamento do imposto de renda (R$ 2.046,38) -  resolução 3/14.

Para a Defensoria Pública do RJ, entretanto, têm Direito à assessoria todas as pessoas sem condições financeiras de contratar advogado e pagar despesas de processo judicial, ou por certidões, escrituras, etc, sem prejuízo do seu sustento e de sua família.

Desta forma, segundo a instituição, "o importante não é o valor do salário da pessoa mas se as despesas dela e de sua família permitem a contratação de advogado ou permitem que ela pague por documentos, certidões, etc".

Conceito no STJ

A conceituação de "necessitado" também já foi alvo de discussão em diversas oportunidade na mais alta Corte infraconstitucional do país. A mais recente delas, em novembro de 2015, teve lugar na Corte Especial, quando em julgamento do REsp 1.192.577 firmou-se entendimento de que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em que se discute abusividade de aumento de plano de saúde de idosos, devendo a comprovação individualizada sobre a insuficiência de recursos ficar postergada para o momento da liquidação ou execução.

Na oportunidade, a relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, adotou interpretação mais ampla da expressão, conforme firmado pela 2ª turma em 2011, no julgamento do REsp 1.264.116.

Naquele julgamento, o ministro Herman Benjamin afirmou que, no campo da ação civil pública, o conceito deve incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e pobres - , os hipervulneráveis.

Em seu voto, o ministro Benjamin afirmou que a expressão inclui "os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras enfim, todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, lsquonecessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado". A relatora concordou com a definição.

Projeto de lei

No Estado de São Paulo, a questão motivou a OAB/SP a propor discussão no Congresso da definição do termo "carente39. Para isso foi entregue ao deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, no início deste mês, o texto de um projeto de lei que conceitua quem é carente na lei orgânica da Defensoria Pública.

"Carente é aquele inscrito nos cadastros dos programas sociais do governo federal. Assim acabará a situação de subjetividade da Defensoria, de escolher quem ela atende, para que sirva aquele que de fato não tem recurso para pagar um advogado", afirmou o presidente da seccional, Marcos da Costa.

Fonte Migalhas