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Deferida liminar em ação que questiona indicação pela Câmara de membro do CNMP

19/06/2007 | 20908 pessoas já leram esta notícia. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu liminar no Mandado de Segurança (MS) 26715, ajuizado pelo Partido Progressista (PP). A ação questiona ato do presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, referente à indicação de cidadão para compor o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

No MS, o partido alega que Chinaglia admitiu a possibilidade de apreciação, pela Câmara, de nomes de dois promotores de Justiça, membros do próprio Ministério Público, para compor a vaga constitucionalmente reservada a representante da sociedade civil.

Ao analisar o pedido de liminar, o ministro considerou que a escolha de membros do próprio MP para a vaga transgrediria a norma inscrita no artigo 130-A da Constituição da República, que “estabeleceu, para o Ministério Público, um órgão de fiscalização externa, legitimado pela participação, nele, de pessoas estranhas à própria Instituição”.

“Com efeito, o Conselho Nacional do Ministério Público, por ser órgão de colegialidade heterogênea, possui composição mista, de que participam membros da própria Instituição e pessoas a ela estranhas, de tal modo que não se desequilibre, no âmbito do CNMP, a relação de proporcionalidade que necessariamente nele deve existir entre os integrantes do Ministério Público (que não podem exceder a oito, incluído o eminente Procurador-Geral da República, que o preside) e aqueles, em número de seis, que representam outras corporações profissionais (Magistratura e Advocacia) e a sociedade civil”, explicou o relator.

O ministro entendeu que a indicação pela Câmara dos Deputados de dois integrantes do Ministério Público para a vaga reservada a representante da sociedade civil poderia resultar em ruptura da relação de proporcionalidade constitucional entre os membros componentes do CNMP, uma vez que passaria a contar “não com oito membros da Instituição mas, sim, com nove”.

Assim, o ministro Celso de Mello deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até o julgamento final do mandado de segurança pelo STF, a escolha, pela Câmara dos Deputados, de um cidadão para integrar a composição do CNMP, “exceto se as indicações dos Senhores Líderes das bancadas parlamentares não recaírem sobre membros do próprio Ministério Público”, ressaltou o ministro.

Veja, abaixo, a íntegra da decisão.

EH

Leia mais:

15/06/2007 - 15:20 - PP impetra mandado de segurança para garantir representação do Congresso no CNMP

 

 


MED. CAUT. EM MANDADO DE SEGURANÇA 26.715-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
IMPETRANTE(S) : PARTIDO PROGRESSISTA 
ADVOGADO(A/S) : MARCELO LEAL DE LIMA OLIVEIRA  E OUTRO(A/S)
IMPETRADO(A/S) : PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS 
 

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado “contra iminente ato” do Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, a ser praticado no procedimento referente à indicação, por aquela Casa legislativa, de membro destinado a compor, na qualidade de cidadão (CF, art. 130-A, VI), o Conselho Nacional do Ministério Público.

Sustenta-se que a inclusão, na Ordem do Dia, da indicação em referência poderá transgredir a norma inscrita no art. 130-A da Constituição da República, pois o eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados admitiu a possibilidade de os Senhores Líderes das Bancadas Parlamentares submeterem, à apreciação dessa Casa Legislativa, nomes de membros do próprio Ministério Público, não obstante se cuide de vaga constitucionalmente reservada a representante da sociedade civil (CF, art. 130-A, VI).

A parte ora impetrante assim justificou a pretensão mandamental que deduziu, em caráter preventivo, perante esta Suprema Corte (fls. 06/07):

“8.- Como se observa, a Constituição Federal, no intuito de tornar translúcido o critério democrático e pluralista do CNMP, reservou duas vagas a cidadãos brasileiros, eleitos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal;
9.- Por óbvio, que ao referir-se expressamente a cidadãos, a Constituição Federal pretendeu afastá-los dos  membros do Ministério Público, os quais já têm reservadas  08 (oito) vagas no CNMP;
10.- É evidente que os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário somente podem participar do CNMP e do CNJ dentro das vagas destinadas ao Ministério Público e à  Magistratura Nacional respectivamente, caso contrário não haveria necessidade de reserva de vagas a cidadãos, membros do Ministério Público e da Magistratura em incisos apartados do artigo 130-A da CF;
11.- Se os Membros do Ministério Público pudessem concorrer às vagas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal como simples cidadãos, seria o mesmo que admitir a possibilidade de ampliação da sua representação de 8 para 10 membros, o que significaria evidente fraude ao comando constitucional que estabeleceu quantitativamente a participação de vários matizes na composição do CNMP;
12.- A indicação dos Promotores de Justiça (...) fere frontalmente a Constituição Federal, desvirtuando a necessária composição mista dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, além de causar desequilíbrio entre os próprios representantes do Ministério Público, haja vista que o Ministério Público Estadual terá mais representantes do que originariamente estabelecido na Constituição;
13.- Quando a Constituição Federal estabelece que as vagas destinadas ao Congresso Nacional devem ser preenchidas por cidadãos, fica claro que o objetivo da norma é o de permitir a participação direta de membros não vinculados ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário;” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a examinar questão prévia concernente à cognoscibilidade desta ação mandamental.

Registro, preliminarmente, que a presente causa revela-se suscetível de conhecimento por esta Suprema Corte, considerada a existência, no caso, de fundamento constitucional que dá suporte a este mandado de segurança.

Esse particular aspecto da controvérsia parece legitimar, afastado o caráter “interna corporis” do procedimento em questão, o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, da jurisdição que lhe é inerente, em face da natureza jurídico-constitucional do litígio em causa, em cujo âmbito se discute a possibilidade, ou não, de a Câmara dos Deputados indicar membro do próprio Ministério Público para preenchimento, no Conselho Nacional do Ministério Público, de vaga constitucionalmente reservada a representante da sociedade civil (CF, art. 130-A, VI), vale dizer, vaga reservada, com exclusividade, a cidadão.

A natureza eventualmente política da escolha, pela Câmara dos Deputados, de cidadão destinado a compor, na qualidade de representante da sociedade civil, o Conselho Nacional do Ministério Público não impede que o Supremo Tribunal Federal conheça da presente controvérsia mandamental, eis que o substrato em que o litígio se apóia – além de impregnado de índole jurídica – reveste-se de qualificação eminentemente constitucional (interpretação do art. 130-A, VI, da Constituição da República), a justificar, por isso mesmo, a cognoscibilidade da matéria, consoante diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (RTJ 173/805-810, 806 – RTJ 175/253 – RTJ 176/718, v.g.).

Não custa assinalar, neste ponto, a propósito do controle jurisdicional dos atos parlamentares, que a discrição dos corpos legislativos não pode exercer-se - conforme adverte CASTRO NUNES (“Do Mandado de Segurança”, p. 223, 5ª ed.) - nem “(...) fora dos limites constitucionais (...)”, nem “(...) ultrapassar as raias que condicionem o exercício legítimo do poder”.

Lapidar, sob tal aspecto, o magistério, erudito e irrepreensível, de PEDRO LESSA, que foi um dos mais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal (“Do Poder Judiciário”, p. 65/66, 1915, Livraria Francisco Alves):

“Em substância: exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda eficácia jurídica.” (grifei)

Revelando-se cognoscível, desse modo, em princípio, o presente mandado de segurança, impende analisar o pleito liminar que a parte ora impetrante deduziu nesta sede processual.

E, ao fazê-lo, tenho para mim, em face do indiscutível relevo jurídico-constitucional do tema em exame e da potencial ocorrência de grave dano, que se impõe deferir, desde logo, o provimento cautelar ora postulado.

O receio exposto pela parte ora impetrante – e exposto, por ela, com aparente razão, nesta sede mandamental - decorre da manifestação formal da Presidência da Câmara dos Deputados, que, em resposta à consulta sobre “se seria possível escolher membro do Ministério Público para ocupar a vaga de indicação da Câmara no Conselho Nacional do Ministério Público”, assim se pronunciou (fls. 16):

“Se a indicação da Câmara pode recair em cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada, pode um membro do Ministério Público ser o indicado, já que não há vedação expressa para tanto.” (grifei)

Entendo, sempre em caráter meramente delibatório, que essa compreensão do tema, revelada pelo eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, transgrediria a “ratio” subjacente à norma que, inscrita no art. 130-A da Constituição da República, estabeleceu, para o Ministério Público, um órgão de fiscalização externa, legitimado pela participação, nele, de pessoas estranhas à própria Instituição.

Com efeito, o Conselho Nacional do Ministério Público, por ser órgão de colegialidade heterogênea, possui composição mista, de que participam membros da própria Instituição e pessoas a ela estranhas, de tal modo que não se desequilibre, no âmbito do CNMP, a relação de proporcionalidade que necessariamente nele deve existir entre os integrantes do Ministério Público (que não podem exceder a oito, incluído o eminente Procurador-Geral da República, que o preside) e aqueles, em número de seis, que representam outras corporações profissionais (Magistratura e Advocacia) e a sociedade civil (“... dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”), totalizando “(...) quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (...)” (CF, art. 130-A).

Parece-me, sempre em juízo de sumária cognição, que assistiria razão ao ora impetrante, pelo fato de os Senhores Líderes de outras Bancadas Parlamentares haverem formalizado a indicação, para a vaga reservada a representante da sociedade civil, de dois ilustres integrantes do Ministério Público, o que poderia resultar – caso um deles fosse o escolhido pela Câmara dos Deputados – em ruptura da relação de proporcionalidade constitucional entre os membros componentes do Conselho Nacional do Ministério Público.

É que, em tal ocorrendo, o CNMP passaria a contar, em sua composição interna, não com 08 (oito) membros da Instituição (incluído o eminente Procurador-Geral da República), mas, sim, com  09 (nove) integrantes do “Parquet”, ainda que um destes participasse, em referido órgão de fiscalização externa, como representante da sociedade civil, na condição de cidadão.

Mais do que isso, a escolha, pela Câmara dos Deputados, de um Promotor de Justiça para a vaga reservada a cidadão (CF, art. 130-A, VI) introduziria um fator de ruptura na própria relação numérica que deve existir, no âmbito do CNMP, entre os representantes do Ministério Público da União (em número de quatro, além do eminente Procurador-Geral da República) e os do Ministério Público dos Estados, que passariam, presente o contexto em exame, a possuir 04 (quatro) membros, e não apenas os 03 (três) determinados pelo art. 130-A, III, da Constituição da República.

Vale referir, neste ponto, a lúcida manifestação dos Drs. RICARDO CÉSAR MANDARINO BARRETTO e HUGO CAVALCANTI MELO FILHO, eminentes Magistrados e Conselheiros do próprio CNMP, exposta em comunicação dirigida ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados (fls. 14/15):

“Registra o art. 130-A da Constituição da República que o Conselho Nacional do Ministério Público é composto de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo o Procurador-Geral da República, que o preside; quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras; três membros do Ministério Público dos Estados; dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça; dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Como se depreende da norma constitucional, a Emenda n.º 45 instituiu o controle social do Ministério Público, sem comprometer a sua autonomia e independência, elegendo composição heterogênea, representativa dos setores diretamente relacionados com as atribuições do Ministério Público, e, principalmente, reservando dois assentos a cidadãos brasileiros de reputação ilibada e notório saber jurídico, como forma de manter o equilíbrio da representação e o distanciamento do espírito corporativo de suas decisões, próprio de todas as instituições.
Noticia-se que mais de um membro do Ministério Público considera a possibilidade de concorrer à indicação pela Câmara dos Deputados. Parece-nos, ‘data venia’, que eventual escolha de membro do Ministério Público por qualquer das casas do Congresso Nacional, quebraria o equilíbrio da composição do CNMP. Com efeito, o acréscimo de mais um membro, além dos oito já assegurados pela Constituição, para a vaga destinada a cidadão terminaria por ampliar a representação do próprio Ministério Público, em detrimento do controle social evidentemente pretendido por nossa Carta Política. Por isso mesmo, configuraria flagrante ofensa às disposições do artigo 130-A, inciso VI e § 1.º da Constituição da República.
Para que tenha Vossa Excelência plena noção das indesejáveis conseqüências de uma escolha assim, poderíamos ter membros do Ministério Público indicados pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e, ainda, para as duas vagas reservadas a representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, uma vez que se assegura o exercício da advocacia a promotores e procuradores admitidos na carreira antes da promulgação da Constituição de 1988. Assim, no limite, a representação do Ministério Público saltaria de oito para doze membros, circunstância que inviabilizaria, inevitavelmente, o propósito constitucional, transformando o Conselho Nacional do Ministério Público em mais uma instância correicional.” (grifei)

É preciso ter presente que a exigência constitucional de colegialidade heterogênea na formação e composição do Conselho Nacional do Ministério Público traduz, na perspectiva do processo de fiscalização social das instituições republicanas, um consectário do postulado democrático e do valor fundamental do pluralismo, que dele emana.

O Conselho Nacional do Ministério Público foi concebido – e assim há de ser preservado – como um “locus” eminentemente plural, ou seja, como um espaço essencialmente qualificado pela diversidade corporativa e social dos membros que o integram, e que para ele são escolhidos com o objetivo maior de construir e consolidar, em nosso sistema institucional, um modelo eficaz e transparente, viabilizador da fiscalização externa da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais dos que compõem essa importantíssima Instituição da República.

Tenho para mim, desse modo, que assume extrema relevância a fundamentação que dá suporte à presente impetração, pois dela se pode depreender – considerado o contexto ora em exame – uma possível descaracterização da colegialidade heterogênea, ínsita à própria composição e essencial à eficácia mesma do controle social que, por meio do CNMP, deve ser exercido, pela coletividade, sobre o Ministério Público.

Cabe assinalar, finalmente, que também concorre, na espécie, o pressuposto legitimador concernente ao “periculum in mora”, eis que é iminente a escolha, pela Câmara dos Deputados, de um cidadão para compor o Conselho Nacional do Ministério Público, conforme prescreve o art. 130-A, VI, da Constituição da República.

Sendo assim, em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de mandado de segurança, o procedimento de escolha, pela Câmara dos Deputados, de um cidadão que deverá compor o Conselho Nacional do Ministério Público, nos termos previstos no art. 130-A, inciso VI, da Constituição Federal, exceto se as indicações dos Senhores Líderes das bancadas parlamentares não recaírem sobre membros do próprio Ministério Público.

Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados.

2. Requisitem-se informações ao eminente Senhor Presidente da Câmara dos Deputados (Lei nº 1.533/51, art. 7º, I, c/c a Lei nº 4.348/64, art. 1º, “a”).

Publique-se.

Brasília, 18 de junho de 2007.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

 

Fonte STF