Durante um ano e meio um grupo de sete juristas, todos especialistas em direito administrativo, preparou a convite do Ministério do Planejamento uma proposta de reformulação e atualização das normas que regem a administração pública.
A ideia seria organizar o setor de forma abrangente, incluindo os órgãos de fiscalização e controle, mas não só eles, adaptando à realidade e aos avanços da tecnologia uma legislação cuja base é de 1967 e os detalhes uma mistura nem sempre bem ordenada de regras superpostas de acordo com o entendimento dos governos que se sucederam nesses 42 anos.
Tudo caminhava dentro dos conformes e das balizas técnicas para o exame final da proposta na Casa Civil, Advocacia-Geral da União, Corregedoria-Geral da União e Ministério do Planejamento antes do envio ao Congresso, quando o presidente Luiz Inácio da Silva contaminou o processo.
No afã de afastar da ministra Dilma Rousseff a responsabilidade pelos resultados minguados do PAC, Lula comprou uma briga com o Tribunal de Contas da União, acusando-o de extrapolar na fiscalização e atrasar as obras.
Resultado: estabeleceu-se o conflito e, na primeira passada de olhos que os ministros de TCU deram no projeto, enxergaram nele uma tentativa de retaliação. Um exemplo típico de como o debate eleitoral feito fora de hora e no lugar inadequado pode contrariar os interesses do próprio governo. Claro, os técnicos e os ministros que agora tentam amenizar o prejuízo não põem as coisas nesses termos.
Trabalham como podem. O ministro-chefe da AGU defende os órgãos de fiscalização dizendo que o presidente está mal assessorado, o ministro das Relações Institucionais corre para declarar que o controle não é “vilão” e o Ministério do Planejamento reúne os juristas autores do projeto para, no início de dezembro, explicarem a proposta aos ministros do TCU e os técnicos esclarecem.
Nada disso seria necessário se o presidente da República não confundisse o ato de governar com a missão de agitar eleitoralmente o ambiente. Mas como desfazer o malfeito? Tentando redirecionar o debate, mudando o discurso, explicando que a proposta ainda está em aberto, que são aceitas sugestões e, principalmente, que o objetivo não é subtrair prerrogativas de fiscalização, mas organizar um setor obsoleto.
Os dois pontos da discórdia são os seguintes: a instituição da fiscalização das obras depois de prontas como regra geral, à exceção de casos em que houver suspeita e, portanto, necessidade de auditorias no curso da execução; e uma alteração nos procedimentos em relação a entidades de direito privado.
O segundo item foi visto como uma tentativa de liberar os convênios de repasses de verbas da fiscalização. Segundo o secretário de gestão do Ministério do Planejamento, Marcelo Viana, os contratos e a aplicação do dinheiro continuam sob controle.
“O que muda é que os órgãos têm exigido dessas entidades procedimentos típicos do setor público, o que contraria a natureza delas e caracteriza ingerência num ente privado”, diz Viana, que ressalva a possibilidade de alterações em todos os tópicos.
“Não é ainda uma proposta de governo. É uma sugestão elaborada por um grupo de especialistas independentes para dar um novo formato à administração pública, atualizando o que pode ser atualizado, acabando com o que não faz mais sentido e inovando no que for possível.”
Pois muito bem. Sendo assim tão sóbria a questão, qual a necessidade de o presidente da República e até do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sócio de Lula nas diatribes ao TCU, azedarem com política o debate?
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