Com o pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, foi adiado o julgamento do Mandado de Injunção (MI) 708, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O autor do MI, Sindicato dos Trabalhadores em Educação do município de João Pessoa (Sintem), pretende assegurar aos filiados o exercício do direito de greve de servidores públicos civis municipais, previsto no artigo 37, VII, da Constituição Federal (redação da EC nº 19/98), tendo em vista a ausência de norma jurídica que regulamente a matéria.
O caso
Conforme a ação, a assembléia do sindicato aprovou indicativo de greve, principalmente em razão das péssimas condições de trabalho a que estariam submetidos os servidores. A entidade sindical argumenta ter informado à Secretaria de Educação do município de João Pessoa, que os professores municipais entrariam em greve por tempo indeterminado a partir do dia 5 de julho de 2004. Nessa mesma oportunidade, a fim de negociar a situação e evitar a paralisação, o sindicato solicitou ao prefeito do município uma audiência, que não ocorreu, ocasionando o início à greve.
Em razão da paralisação realizada pelos professores, a administração pública municipal requereu a declaração de ilegalidade da greve com pedido de antecipação de tutela ao Tribunal de Justiça do estado da Paraíba (TJ-PB). Em 14 de julho de 2004, o presidente do Tribunal deferiu o pedido formulado pelo município e declarou a greve ilegal, autorizando o desconto do salário dos dias não trabalhados.
Na inicial, o sindicato alega que o único fundamento para essa decisão seria a ausência de regulamentação do artigo 37, VII, da Constituição Federal. Por isso, pede ao Supremo que notifique o Congresso Nacional para que seja suprida a omissão do poder público, mediante a elaboração de uma norma, a fim de viabilizar o imediato exercício do direito de greve por parte dos servidores associados ao sindicato.
Voto do relator
Inicialmente, o ministro-relator Gilmar Mendes destacou que o artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, previu expressamente a concessão do mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania.
Mendes lembrou que em decisão proferida no MI 283, o Supremo, pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse regulamentado o dispositivo constitucional, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados. Ele também destacou que tanto o julgamento do MI 283, como dos MIs 232 e 284, “sinalizam para uma nova compreensão do instituto de admissão de uma solução normativa para a decisão judicial”, tendo em vista que a Corte aceitou a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário.
“Talvez nós devêssemos refletir sobre a adoção, como alternativa pelo menos provisória para esse impasse que se delineia, de uma moderada sentença de perfil chamado de manipulativo ou aditivo”, disse o ministro. Dessa forma, segundo ele, o tribunal não estaria definitivamente inovando, “mas tomando aquilo que, eventualmente, o legislador já decidiu e, eventualmente, ampliando a sua utilização para comatar eventuais lacunas divisadas”.
O ministro ressaltou que a disciplina do direito de greve para os trabalhadores em geral em relação às denominadas atividades essenciais é especificamente estabelecida nos artigos 9º a 11 da Lei 7.783/89. De acordo com ele, o legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido do direito de greve no âmbito do serviço público e também no âmbito de determinadas atividades, “mas não poderá deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição”.
Assim, o ministro identificou a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que não é dado ao legislador escolher se concede ou não o direito de greve, “podendo tão somente dispor sobre adequada configuração de sua disciplina”.
Por essas razões, o ministro votou pelo conhecimento do mandado de injunção e acolheu a pretensão formulada apenas no sentido de que se aplique a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos.
Aplicabilidade da decisão
Quanto à aplicação da decisão, o relator não afastou, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto mediante solicitação do órgão competente, que seja facultado ao juízo competente impor a observância ao regime de greve mais severo, em razão de se tratarem de serviços ou atividades essenciais.
Ao complementar a decisão, o ministro Gilmar Mendes fixou os parâmetros institucionais e constitucionais da definição de competência provisória e ampliativa para apreciação de dissídios de greve instaurados entre o poder público e os servidores com vínculo estatutário. “Creio ser necessário e adequado que fixemos balizas procedimentais mínimas para apreciação e julgamento dessas demandas coletivas”, avaliou.
“No plano procedimental, vislumbro a possibilidade de aplicação da Lei 7.701/88 que cuida da especialização das Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos, no que tange a competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve dos servidores públicos que sejam suscitados até o momento da comatação legislativa da lacuna ora declarada”, considerou Mendes.
Ao desenvolver mecanismos de apreciação da proposta constitucional para omissão legislativa, o ministro entendeu não ser possível argumentar pela impossibilidade de se proceder a uma interpretação ampliativa do texto constitucional. “Nesse contexto, é imprescindível que esse Plenário densifique as situações provisórias de competência constitucional para apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal”, analisou o ministro, comentando a necessidade de que haja um órgão competente para dirimir esses conflitos.
Segundo o relator, se a paralisação for de âmbito nacional ou abranger mais de uma região da justiça federal ou, ainda, abranger mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por aplicação analógica do artigo 2º, I, a, da Lei 7.701. Também quanto ao âmbito federal, o ministro afirmou que se a controvérsia estiver ligada a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais. Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, Gilmar Mendes ressaltou que se a controvérsia estiver sujeita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça, também por aplicação analógica do artigo 6º da Lei 7.701.
“É importante ressaltar que a par da competência para o dissídio de greve em si discutindo a abusividade ou não da greve, também os referidos tribunais nos seus respectivos âmbitos serão competentes para decidir as medidas cautelares nas quais se postule a preservação do objeto da querela judicial qual seja o percentual dos servidores que devem continuar trabalhando ou mesmo a proibição de qualquer tipo de paralisação a fim de que não haja quebra da continuidade na prestação de serviços ou ainda a própria questão do pagamento dos dias de paralisação”, explicou Mendes.
Dessa forma, o relator do MI concluiu que “ao adotar essa medida, estará assegurado o direito de greve constitucionalmente garantido no artigo 37, VII, da Constituição, sem desconsiderar a garantia da continuidade da prestação do serviço, um elemento fundamental para a preservação do interesse público em áreas que são extremamente demandadas para o benefício da sociedade brasileira”. O ministro Gilmar Mendes conheceu do mandado de injunção e determinou a aplicação da Lei 7.783. Após o voto, o ministro Ricardo Lewandowski pediu vista dos autos.
EC/LF
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