Notícias

Mandado de Segurança da Bengala

18/05/2015 | 3338 pessoas já leram esta notícia. | 8 usuário(s) ON-line nesta página

por Paulo Modesto*

Mandado de segurança é ação constitucional que exige direito líquido e certo, direito evidenciado de forma documental, direito irrecusável em favor de quem sofre ou está na iminência de sofrer ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública. Não é forma de criar norma nova, dispensar norma legal, substituir a decisão política do legislador. Tudo isso é um truísmo, uma obviedade, mas tem sido esquecido desde o último dia 8 de maio, quando foi publicada a Emenda Constitucional n. 88, de 7.05.2015, que elevou para os 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União.

A Emenda desde logo elevou a idade limite de permanência no setor público apenas das autoridades que indicou. Para os demais titulares de cargo público, magistrados ou não, delegou à lei complementar a tarefa de decidir manter em 70 anos o limite para a aposentadoria compulsória por idade ou elevá-lo para 75 anos.

No entanto, quatro liminares já foram deferidas em mandados de segurança para autorizar que desembargadores permaneçam em atividade judicante após os setenta anos, antes mesmo de aprovada a lei complementar exigida pela emenda constitucional. Os precedentes são de Pernambuco (MS 0005603-84.2015.8.17.0000, 07/05/2015), Alagoas (MS 0801696-85.2015.8.02.0000, 10/05/2015), São Paulo (MS 2091014-12.2015.8.26.0000, 12/05/2015) e Rio de Janeiro (0022332-34.2015.8.19.0000, 14/05/2015).

A Emenda Constitucional n. 88 alterou a redação do Art. 40, §1º, II, da Constituição Federal, dispondo que os titulares de cargo público doravante sejam aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar.

É dizer: a nova norma constitucional não revogou, por contrário a ela, as disposições legais e constitucionais existentes que estabelecem os setenta anos como idade limite no serviço público. Foram derrogadas unicamente as disposições sobre aposentadoria compulsória aos setenta anos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União. Para todos os demais agentes públicos as normas de aposentadoria compulsória permanecem válidas, pois são compatíveis com a nova redação do Art. 40, §1º, II, da Constituição Federal.

Com todo o respeito, é equívoco o deferimento de liminares em mandados de segurança para "sustar" pedidos de aposentadoria apresentados voluntariamente por desembargadores antes da promulgação da emenda ou ainda não requeridos, calçados no frágil argumento de respeito ao princípio da igualdade ou da unidade da magistratura.

O princípio da igualdade e o princípio da unidade da magistratura não são absolutos e não autorizam a dispensa, por provimento judicial, de norma constitucional expressa, constante da Emenda Constitucional n. 88, de 7.5.2015, que outorga à lei complementar a decisão de autorizar ou não a extensão do limite da aposentadoria compulsória dos agentes públicos para os setenta e cinco anos.

Alguns magistrados somente podem ser investidos em suas funções após a indicação ser aprovada pelo Parlamento, a exemplo dos ministros do STF e do TCU, o que não ocorre para os demais cargos da magistratura. Alguns proveem da magistratura, outros da advocacia ou do Ministério Público. Não há regime único necessário de entrada ou de saída. As regras sobre a aposentadoria dos agentes públicos não constituem cláusula pétrea ou cláusulas uniformes na lei fundamental da República.

A Emenda Constitucional não é precisa sobre a natureza da lei complementar referida. Lei complementar nacional ou lei complementar estadual? O fato de a norma ter alcance geral, referir a qualquer titular de cargo público, autoriza que se conclua que a norma complementar referida não é nacional, mas respeita a competência concorrente dos demais entes da federação em sede de disciplina do regime dos agentes públicos.

Esse fato torna mais simples e rápido aprovar a elevação da aposentadoria compulsória nos Estados. Mas não autoriza que essa aprovação ocorra na intimidade dos tribunais, por decisão judicial, provocando na opinião pública descrédito na magistratura como poder sereno e desinteressado na interpretação da Constituição. (SSA, 14.5.2015).

* Paulo Modesto é Professor de Direito Administrativo da UFBA, membro do Ministério Público da Bahia, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público e titular da Academia de Letras Jurídicas da Bahia.

 

PS. Escrito em 14.5.2015, o texto foi parcialmente confirmado pelo STF na sessão de 21.05.2015. A tese principal do texto foi admitida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar da ADI 5316, pois este assentou que o artigo 100 do ADCT não pode ser estendido a outros agentes públicos até a edição da lei complementar aludida pelo dispositivo. Em outras palavras, a Emenda Constitucional é imediatamente aplicável no tocante à elevação da idade de aposentadoria compulsória apenas para os ministros do STF, do TCU e dos Tribunais Superiores. Porém, o Plenário assentou, em dissonância com o texto, que a lei complementar referida no artigo 40, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição, deve ser "lei complementar nacional", sendo que, quanto à magistratura, esta lei complementar será de iniciativa do STF, nos termos do artigo 93 da Constituição. Com esta decisão liminar, os Estados e Municípios perdem autonomia normativa na matéria, pois terão de aguardar a deliberação do Congresso Nacional para decidirem pela elevação ou não da idade limite de aposentadoria compulsória. Para os magistrados, a decisão é ainda mais gravosa, pois terão de aguardar o julgamento da ação e a iniciativa do STF da lei complementar referida pelo art. 93 da Constituição. O STF expressamente recusou que lei complementar estadual trate do tema e suspendeu a tramitação de todos os processos que envolvem a aplicação da nova idade para aposentadoria compulsória a magistrados, até o julgamento definitivo da ADI 5316. O STF ainda declarou sem efeito todo e qualquer pronunciamento judicial e administrativo que tenha interpretado a emenda para assegurar a qualquer outro agente público o exercício das funções relativas a cargo efetivo após os 70 anos de idade. A decisão foi um duro freio aos mandados de segurança da bengala. Ver mais sobre a decisão em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=292040

Fonte Editor