A votação da reforma trabalhista no plenário do Senado Federal foi a sessão mais conturbada desde que a matéria começou a tramitar na Casa, há mais de dois meses. Após um dia de muitas discussões e cenas inusitadas, o texto-base foi aprovado pouco antes das 20h, com 50 votos favoráveis, 26 contrários e uma abstenção. Durante toda a tarde, cinco senadoras da oposição ocuparam a mesa diretora do plenário (leia matéria abaixo), interrompendo os debates, e se negaram a sair de lá até que fosse aceita pelo menos uma mudança no texto, para proteger o trabalho de gestantes e lactantes - o que o Planalto promete fazer por medida provisória.
O placar foi melhor do que o imaginado pelo governo, que precisava de pelo menos 39 votos dos 77 que compareceram, o que representa a maioria simples (metade mais um) dos presentes. As novas regras devem começar a valer em novembro, 120 dias depois que forem sancionadas pelo presidente Michel Temer. O governo ainda não estabeleceu uma data para a sanção, mas sinaliza que será na semana que vem. A vitória no Senado foi comemorada pelo presidente. "Foi uma vitória de todos os brasileiros", disse. "Essa aprovação definitiva da proposta é uma vitória do Brasil na luta contra o desemprego e na construção de um país competitivo", acrescentou. De acordo com o presidente, a nova legislação "criará relações trabalhistas adequadas à realidade atual e preparará o mercado de trabalho às demandas do presente e às exigências do futuro".
O resultado da votação foi melhor do que o esperado por boa parte da base governista, dada a conjuntura de tensão política. Os senadores Acir Gurgacz (PDT-RO), Hélio José (PMDB-DF) e Maria do Carmo Alves (DEM-SE) faltaram à sessão, e Eunício Oliveira (PMDB-CE) não votou por ser presidente da Casa. Já a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) se absteve de votar, o que significa que ela estava no plenário, mas preferiu não se posicionar. Apesar das faltas - dos que não foram, apenas Hélio José se declarava expressamente contra a proposta - , o texto foi aprovado com folga. O levantamento mais recente do governo previa 42 votos favoráveis, caso os 81 senadores estivessem presentes. Mais otimista, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), relator da reforma em duas comissões, foi certeiro ao apostar, na véspera, em 50 votos favoráveis.
Insatisfação
A reforma altera mais de 100 pontos da legislação trabalhista, como divisão de férias e extensão da jornada, além de implantar novas modalidades, como o trabalho remoto, mas preserva os direitos fundamentais dos trabalhadores. Na opinião do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, o placar foi "bastante expressivo". No Twitter, ele disse que a aprovação é um "bom sinal para a continuidade das reformas" e destacou que o mercado financeiro fechou ontem com queda no dólar e no risco-país, além de bolsa em alta. "A economia continua em trajetória positiva."
Antes que a nova lei entre em vigor, o governo garantiu que publicará uma medida provisória (MP) para regulamentar alguns dos pontos do texto que causaram insatisfação, inclusive, em integrantes da base aliada. Um dos pontos mais polêmicos é o que permite o trabalho de grávidas e lactantes em ambientes de baixa ou média insalubridade. A alteração desse item era uma das reivindicações das senadoras que ocuparam a mesa diretora do plenário. "Se não for aprovado um destaque, esqueça, não vai ter acordo", disse Gleisi Hoffmann (PT-PR), uma das que encabeçaram o inusitado protesto.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), garantiu que o assunto será levado em conta na MP que será elaborada pelo Ministério do Trabalho com contribuição das centrais sindicais. "Estamos mudando a legislação de empregada gestante e de lactante exatamente para dar a condição de ela apresentar atestado ou um médico de família, ou um médico conhecido, ou qualquer médico do trabalho, para que possa efetivamente dizer se ela pode voltar a trabalhar ou não. Portanto, a ação, o movimento, será da lactante ou da gestante, e não do patrão, não do empregador", explicou.
Rejeitados
A reivindicação das senadoras, no entanto, era que o destaque fosse aprovado no plenário, o que levaria o texto de volta para a Câmara dos Deputados. Mas, com urgência para dar uma resposta positiva ao mercado, o governo nunca esteve disposto a negociar no Senado, já que isso atrasaria a tramitação. O objetivo era que a votação fosse concluída antes do recesso parlamentar, que deve começar na próxima terça-feira. Por isso, foram rejeitados todos os destaques propostos no plenário e também as 864 emendas protocoladas durante os dois meses de discussão na Casa.
Além da situação das trabalhadoras grávidas e lactantes, há outros pontos polêmicos, como a instituição do trabalho intermitente, que permite a prestação de serviços de forma descontínua, por dia ou por hora. Na lista de descontentes está, inclusive, Ferraço. Ele sugeriu, no relatório da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que a questão fosse vetada pelo presidente. A MP deve manter o trabalho intermitente apenas para as categorias de serviços, comércio e, possivelmente, indústria. O texto aprovado ontem permite que esse tipo de contrato seja aceito "independentemente do tipo de atividade". O governo também deve estabelecer um prazo de 18 meses para que as empresas mudem a categoria da relação de trabalho, ou seja, para que um trabalhador efetivo passe do contrato tradicional para o intermitente.
Jucá garantiu que a jornada de 12 horas seguidas por 36 de descanso não será mais decidida por acordo individual, mas por acordo coletivo. Ele também prometeu mudanças quanto ao dano extrapatrimonial: a MP deve acabar com a previsão do cálculo da indenização com base no salário do trabalhador em casos de ofensa moral ou material, como está no texto. Jucá se comprometeu, ainda, a manter pontos em aberto para receber sugestões dos senadores. "Até à véspera da MP, estaremos dispostos a ouvir, a discutir, a sentar, exatamente para que possamos ter a melhor peça possível para os trabalhadores brasileiros", afirmou.
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