Uma assembléia revisora exclusiva da Constituição Federal, composta por representantes do povo e com membros eleitos pela sociedade como unidade soberana. A proposta será colocada em votação pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, na próxima sessão plenária da entidade, marcada para amanhã (06), e foi encaminhada pelo renomado jurista e medalha Ruy Barbosa e presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fábio Konder Comparato. A reunião começa às 9 horas na sede da entidade, em Brasília e participam 81 conselheiros federais.
Ao enviar a proposta para apreciação da OAB, Comparato renovou sua defesa em prol da votação de uma reforma política ampla e profunda, mas afirmou, no entanto, que o Congresso Nacional não deveria ser titular do monopólio da competência reformadora da Constituição por meio de emendas. “Abusando desse monopólio, já de si indefensável segundo o princípio da legitimidade democrática, o Congresso acaba freqüentemente por decidir em causa própria, não só ao alterar o texto constitucional, mas também quando muda a legislação ordinária, notadamente em matéria eleitoral”, afirmou Comparato, lembrando que, desde há muito, o Congresso e os partidos políticos já não gozam da confiança do povo brasileiro em sua grande maioria.
Ainda no texto da proposta, Comparato sugere que seja introduzido no texto constitucional o instituto da revisão, em complemento às emendas, e que a referida Assembléia Nacional Revisora de representantes do povo seja constituída exclusivamente para essa finalidade. Ainda segundo o jurista, deve ser fixado um prazo improrrogável de funcionamento da Assembléia, cujas decisões serão obrigatoriamente submetidas a referendo popular.
Fábio Comparato sugere, ainda, o lançamento do processo de revisão constitucional por decisão direta do povo, em plebiscito convocado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a previsão expressa da possibilidade de apresentação de propostas de revisão constitucional, não só por cidadãos, mas também por associações e órgãos de classe de âmbito nacional; e a fixação de um interregno (não inferior a dez anos) para a convocação de plebiscitos sobre a revisão constitucional.
A seguir, a íntegra da proposta encaminhada pelo jurista Fábio Konder Comparato ao presidente da OAB:
“Senhor Presidente:
Tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência, a fim de ser submetida à competente deliberação do Conselho Federal de nossa entidade, a proposta de emenda constitucional cujas razões passo a expor.
1. Nos últimos anos, evidenciou-se, em todos os quadrantes do país, a necessidade de uma ampla e profunda reforma política, como pressuposto incontornável para o cumprimento dos objetivos fundamentais do nosso Estado republicano, declarados no art. 3º da Constituição Federal:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
2. Sucede que essa reforma política ampla e profunda, implicando a mudança de várias disposições constitucionais, só pode ser feita de acordo com os princípios e as regras que a própria Constituição estabeleceu para a alteração de suas normas.
Nesse sentido, é preciso distinguir entre os procedimentos de emenda e de revisão constitucional. A primeira tem por objeto pontos determinados, enquanto a segunda abre a possibilidade de mudança geral das disposições do sistema.
Essa distinção entre as duas modalidades de reforma encontra-se nas Constituições da Espanha e da Confederação Helvética.
A Constituição espanhola dispõe, em seu art. 168, que uma vez decidida a realização da reforma, seja parcial, seja total, as Cortes Gerais são automaticamente dissolvidas, a fim de permitir que os eleitores elejam novos representantes, especialmente incumbidos de votar a mudança constitucional. Encerrado o processo de votação, a reforma da Constituição é obrigatoriamente submetida ao referendo popular.
Já a Constituição Federal suíça organiza o processo de reforma, parcial ou total, mediante iniciativa popular, submetendo igualmente o texto alterado ao referendo do povo (arts. 118 e seguintes).
3. A Constituição Federal de 1988 dispôs que a mudança de seu texto se fizesse por meio de emendas (art. 60). A revisão, prevista no art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi um procedimento excepcional e temporário de mudança da Constituição, iniciado em 5 de outubro de 1993 e encerrado em 7 de junho de 1994.
Por isso mesmo, é duplamente inconstitucional a Proposta de Emenda à Constituição nº 157-A, de 2003, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, pela qual o Congresso transformar-se-ia, ipso iure, em assembléia revisora da Constituição. De um lado, porque o instituto da revisão geral não foi inserto no corpo da Constituição. De outro lado, porque o Congresso Nacional atribui com essa proposta, a si próprio, um poder revisor que a Constituição não prevê.
Importa lembrar que o Conselho Federal da OAB pronunciou-se oficialmente, com fundamento em parecer da Comissão de Estudos Constitucionais, elaborado pelo eminente Professor José Afonso da Silva, pela inconstitucionalidade da mencionada Proposta de Emenda Constitucional nº 157-A, de 2003.
4. Toda essa matéria de reforma política, porém, acha-se também submetida a outro princípio constitucional, este de ordem substantiva e não apenas formal. É a questão da legitimidade do processo de mudança.
O Congresso Nacional, enquanto poder constituído, não deveria ser titular, sem o expresso consentimento do povo, do monopólio da competência reformadora da Constituição por meio de emendas. Ora, abusando desse monopólio, já de si indefensável segundo o princípio da legitimidade democrática, o Congresso acaba freqüentemente por decidir em causa própria, não só ao alterar o texto constitucional, mas também quando muda a legislação ordinária, notadamente em matéria eleitoral.
Acresça-se a isso o fato de que, desde há muito, o Congresso Nacional e os partidos políticos já não gozam da confiança do povo brasileiro em sua grande maioria; situação que, ultimamente, agravou-se sobremaneira com a revelação pública de vários escândalos envolvendo parlamentares. Os brasileiros manifestam, de modo crescente, um repúdio à pessoa dos políticos e uma descrença nas instituições. Escusa lembrar que a legitimidade política, no Estado Democrático de Direito, é basicamente uma questão de confiança popular. Se os delegados do poder soberano agem em causa própria, sem o consentimento do poder delegante, é todo o sistema político que passa a girar em falso.
5. Por essas razões, parece indispensável e urgente enfrentar a questão da reforma política no Brasil de modo radical, mediante:
a) a introdução preliminar, no texto constitucional, do instituto da revisão, em complemento às emendas;
b) a atribuição do poder de revisão constitucional a uma assembléia de representantes do povo, constituída exclusivamente para essa finalidade, e cujos membros devem ser eleitos pelo povo como unidade soberana, sem as enormes e indefensáveis desigualdades, políticas e demográficas, entre os eleitorados estaduais;
c) o lançamento do processo de revisão constitucional por decisão direta do povo, em plebiscito convocado pelo Tribunal Superior Eleitoral;
d) a previsão de um prazo improrrogável de funcionamento da Assembléia Nacional Revisora, cujas decisões serão obrigatoriamente submetidas a referendo popular, no seu conjunto, sem prejuízo da possibilidade de destaque de determinadas matérias;
e) a previsão expressa da possibilidade de apresentação de propostas de revisão constitucional, não só diretamente por um grupo de cidadãos, mas também por associações e órgãos de classe de âmbito nacional, como a Ordem dos Advogados do Brasil;
f) a fixação de um interregno não inferior a dez anos para a convocação de plebiscitos sobre a revisão constitucional.
Uma vez aprovada a introdução do instituto da revisão no texto constitucional, pode-se prever a convocação do povo diretamente pelo órgão supremo da Justiça Eleitoral, para decidir em plebiscito a instauração do primeiro processo de reforma geral de nossa Constituição.
São essas as razões justificativas da proposta de emenda constitucional anexa, que tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência, a fim de ser submetida à prudente apreciação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fabio Konder Comparato.
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