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E se a lei e o contrato forem omissos sobre os critérios e as metodologias econômicas e financeiras aplicáveis ao contrato, como fazer para reequilibrá-lo?

ANO 2016 NUM 76
Maurício Portugal Ribeiro (SP)
Especialista na estruturação e regulação de concessões e PPPs, sócio do Portugal Ribeiro Advogados, Professor de Modelos Regulatórios da FGV, Mestre em Direito pela Harvard Law School, autor de vários livros e artigos sobre concessões, PPPs e outros temas dos setores de infraestrutura.


12/02/2016 | 9807 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

Sendo a preservação do equilíbrio econômico-financeiro um direito, a sua eficácia e efetividade depende de ser possível definir nas instâncias decisórias administrativas e judiciais os critérios econômicos e financeiros para sua execução, mesmo em relação a contratos omissos sobre esse tema.

As nossas leis são completamente omissas sobre os critérios que, da perspectiva econômico-financeira, devem ser utilizados para reequilibrar os contratos.

A presunção parece ser que cada contrato tratará dos critérios para tanto, o que seria algo razoável na medida em que o sistema de reequilíbrio do contrato deve considerar as peculiaridades econômicas e financeiras de cada contrato.

Mas ocorre muito frequentemente dos contratos serem ao menos parcialmente omissos sobre isso.

No caso dos contratos de concessão, em vista da previsão em lei de que são cláusulas essenciais desses contratos as sobre critérios para reequilíbrio (artigos 18, inc. VIII, e 23, inc. IV da Lei 8.987/95), em tese os contratos omissos poderiam ser considerados anuláveis, mas podem e devem certamente ser convalidados pelo estabelecimento posterior de critérios supletivos para reequilibrá-los.

Nesse contexto, seria importante saber quais os critérios econômicos e financeiros devem ser usados para reequilibrar contratos omissos sobre esse tema. Isso é especialmente importante no caso de concessões e PPPs porque, em face da previsão de que a cláusula sobre critérios para reequilíbrio é essencial, a estipulação a posteriori desses critérios seria condição para convalidar esses contratos.

Se procurarmos uma resposta para essa pergunta na nossa doutrina jurídica, vamos chegar à conclusão de que os nossos doutrinadores nunca consideraram esse problema. Não há na doutrina jurídica qualquer proposta de metodologia econômica ou financeira para reequilibrar contratos que sejam omissos sobre esse tema.

Tacitamente, tanto a lei quanto a doutrina jurídica parecem ter delegado a solução desse problema para o Poder Judiciário ou para arbitragem. Talvez por desconhecimento das questões econômicas e financeiras não tenham percebido que é possível traçar diretrizes doutrinárias e legais sobre isso.

É evidente que, em regra, antes da questão chegar ao Poder Judiciário, haverá um pleito administrativo de reequilíbrio no qual certamente se discutirá os critérios econômicos e financeiros para reequilibrar o contrato.

Mas, se reequilíbrio é, de fato, um direito das partes de qualquer contrato administrativo é preciso que seja possível um juiz decidir sobre tudo o que é necessário para que esse direito seja exercido, mesmo que não tenha havido discussão e decisão adequadas sobre isso no âmbito administrativo.

Como, contudo, nossos juízes não têm formação que lhes permita de fato entender as questões econômicas e financeiras que cercam a discussão sobre a metodologia e critérios para reequilibrar os contratos, as decisões mais importantes sobre isso serão provavelmente tomadas pelo perito do juízo.

Oxalá saiba o juiz escolher o perito do juízo. Na minha experiência, a compreensão dos juízes sobre questões econômicas e financeiras é insuficiente inclusive para que ele tenha elementos para escolher um perito adequado.

Outra possibilidade é o contrato ter cláusula arbitral. Em tese, nessa hipótese as partes estariam melhor assistidas, pois poderiam eleger árbitros que entendam das questões econômicas e financeiras a serem decididas.

É comum, contudo, que os advogados das partes (que são, para as partes, os especialistas em arbitragem com os quais elas se aconselham) induzam-nas a indicar como árbitros advogados processualistas, como tem sido muito comum entre nós. Nesse caso, teremos na arbitragem uma situação muito semelhante àquela que descrevi quando falei acima do Poder Judiciário. Decidirão, na verdade, os peritos levados à corte arbitral, com a vantagem apenas de que a decisão do conflito ocorrerá mais rapidamente do que no Poder Judiciário.

Por tudo isso, eu acho que seria importante definirmos em lei pelo menos as características principais do conjunto de regras a serem utilizadas em caso de omissão contratual sobre os critérios econômicos e financeiros para reequilíbrio do contrato.

Nas linhas a seguir, faço uma descrição do que deveria estar previsto em lei sobre o reequilíbrio de contratos de concessão e PPP omissos sobre esse tema.

A lei deverá prever que o direito ao reequilíbrio existirá sempre que ocorrer eventos que, pelo contrato ou por lei, são risco de uma das partes, mas que afete econômica ou financeiramente à outra parte do contrato.

A atribuição de um dado risco a uma das partes deve sempre ser entendida como atribuição do dever de arcar com todas as consequências dos eventos relacionados àquele risco. Isso inclui não apenas cobrir os custos adicionais ou perdas de receita decorrentes do impacto do evento, mas também tolerar atrasos no cumprimento de obrigações afetadas pelo evento.

A lei deverá estabelecer ainda que o reequilíbrio em contratos omissos deverá ter por objetivo sempre colocar o contratado na situação o mais semelhante possível da perspectiva econômica e financeira à que ele tinha antes da ocorrência do evento que desequilibrou o contrato.

A lei deveria além disso definir que o documento representativo do contrato em estado de equilíbrio deve ser a proposta apresentada na licitação. Em contratos de concessão e PPP, dever-se-ia utilizar como representativo do contrato em estado de equilíbrio o caso base do plano de negócios do concessionário.

A lei que disciplinar o assunto deve ainda, no caso de concessões e PPPs, estipular que o evento de desequilíbrio deve ser dimensionado, sempre que possível, pelo seu impacto efetivo na parte que sofreu as suas consequências e lançado na planilha no ano em que produziu seus impactos sobre a parte atingida. Dessa forma, circunscreve-se o processo de reequilíbrio à compensação do evento de desequilíbrio.

Nessa planilha, serão considerados centrais para reestabelecer o equilíbrio do contrato a taxa interna de retorno do projeto e a sua alavancagem. Esses dois elementos da planilha devem ser trazidos para exatamente o mesmo valor que tinham no caso base do plano de negócios antes da inserção na planilha das consequências do evento que desequilibrou o contrato.

É que, como os contratos de concessão e PPP na sua grande maioria preveem investimentos relevantes em infraestruturas, nesses contratos a remuneração do concessionário é a rentabilidade da concessão, que normalmente é medida pela taxa interna de retorno do projeto.

É importante além disso que a lei mencione a necessidade de considerar a alavancagem do projeto no processo de reequilíbrio. Isso porque, ao estimar a rentabilidade esperada do projeto, o concessionário supõe que uma parte do seu investimento na concessão será realizado com capital de terceiros, por meio do seu endividamento. Como o capital de terceiros tem custo menor do que o capital dos acionistas da concessionária (isso porque o capital dos acionistas corre mais riscos, e é sempre o último a ser remunerado), o montante de capital de terceiros a ser utilizado impacta o valor da rentabilidade. Como já demonstrei em outros estudos, é comum o evento de desequilíbrio impactar a alavancagem do projeto, especialmente se ele ocorrer no período inicial de investimento da concessão. Por isso, para que o reequilíbrio seja completo é preciso considerar o impacto do evento de desequilíbrio sobre a alavancagem da concessão.

Mas, e se não houver um plano de negócios apresentado na licitação da concessão ou PPP?

Sem dúvida, o concessionário elaborou um plano de negócios para a tomada de decisão quanto à entrada na licitação e também para obtenção do financiamento. Em muitos casos, esse plano de negócios é oficializado junto às instituições de fomento para busca de financiamento subsidiado.

Será preciso trazer esse plano de negócios para o processo administrativo do reequilíbrio como representativo do contrato em estado de equilíbrio. Evidentemente, que, se houver qualquer suspeita da Administração Pública sobre a consistência e veracidade das estimativas constantes do plano de negócios, ela pode contratar especialistas para analisar e validar essas informações. É importante notar, contudo, que os contornos mais importantes dessas estimativas, nesse momento, já estarão definidos: o preço da proposta e as obrigações e riscos alocados ao concessionário pelo contrato. A lei poderia também, nesses termos, tratar da inclusão de plano de negócios em contrato de concessão ou PPP que não o tinha, para viabilizar o exercício do direito à preservação do equilíbrio econômico e financeiro.

Por fim, na definição da forma de pagamento pelo desequilíbrio do contrato (pagamento em pecúnia, variação do valor da tarifa, variação do valor do pagamento público, variação do valor dos investimentos do concessionário etc.) será preciso considerar os impactos financeiros da escolha da forma de reequilibrar. Como já demonstrei em outros trabalhos, a forma de reequilibrar o contrato não é neutra econômica e financeiramente. Em alguns casos, a falta de liquidez que decorra do evento causador do desequilíbrio pode levar uma concessionária à bancarrota, mesmo que o contrato venha a ser economicamente reequilibrado, por exemplo, por meio do aumento de seu prazo. Por isso, é preciso cuidado para que a forma de pagamento para reequilibrar o contrato seja tal que busque preservar a condição financeira (não apenas econômica) que a concessionária tinha ou teria antes da ocorrência do evento gravoso. A lei deve mencionar que a disponibilidade efetiva ou esperada de liquidez da parte atingida antes da ocorrência do evento de desequilíbrio e os compromissos financeiros já assumidos são parâmetros que devem ser observados quando da decisão sobre como pagar pelo desequilíbrio.

As diretrizes descritas acima poderiam certamente constar em lei, de modo a dar plena eficácia e efetividade ao direito à preservação do equilíbrio econômico-financeiro, que ficaria, assim, pelo menos protegido da incerteza criada pelo desconhecimento dos nossos operadores do direito sobre os aspectos econômicos e financeiros do direito ao equilíbrio dos contratos administrativos.

Sendo inequívoco que a preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos é um direito, é preciso agora que a legislação crie os meios para que ele seja eficaz e efetivo. No caso das concessões e PPPs, isso passa necessariamente pela incorporação à nossa legislação de diretrizes econômicas e financeiras para tanto.



Por Maurício Portugal Ribeiro (SP)

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