Colunistas

O Compliance e as Contratações Públicas - A Nova Moralidade Pública da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) - Solução ou Farsa?

ANO 2016 NUM 202
Leandro Velloso (RJ)
Prof. de Direito Administrativo e de Compliance Público. Pós-Graduado em Direito Contratual pela PUC/SP. Mestrando em Direito Administrativo Assistente da Presidência da Eletrobras Furnas. Ex-Superintendente do CSC Eletrobras (2018/2020). Advogado.


30/06/2016 | 6792 pessoas já leram esta coluna. | 2 usuário(s) ON-line nesta página

Vivemos numa nova era administrativa. É perceptível que surge um novo princípio de moralidade administrativa vinculada às regras de compliance da boa gestão empresarial internalizada no setor público, como se observa pela nova Lei Anticorrupção Brasileira (Lei 12.846/13). Nota-se, ao mesmo tempo que a Administração Pública se aproxima do novo neoliberalismo administrativo e social, mais o Estado se distancia forçadamente da interação com o setor privado no âmbito da relação jurídica.

Vivemos em uma era digital que aproxima o gestor público da eficiência de suas atuações com um certo informalismo virtual, mas que conduz o mesmo gestor público a um retrocesso diário administrativo, pois ele se torna obrigado a executar atividades cada vez mais formais, burocráticas e até ineficientes, com o intuito de demonstrar sua probidade e licitude pública, na visão ética estática como reflexo da presunção de práticas corruptivas, tendência midiática que afasta a presunção de legalidade dos atos públicos.

Dizem os especialistas de plantão que o gestor público e o gestor privado retornarão ao tempo analógico, com o velho bloco de notas, ofícios, memorandos, correspondências postais, ao invés do Whastapp, e-mail, skype e outros modernos aplicativos de comunicação. Estranho pensar que a tecnologia foi capaz de afastar o agente público do setor privado da sua origem honesta e proba, seja pela facilidade e rapidez no contato, seja pela falsa ideia de anonimato. Tais atitudes se justificam pelo controle extremado da comunicação, e, principalmente pelo receio de sua divulgação no telejornal das 20 horas de certo canal televisivo, até porque há uma falsa presunção de que o todo servidor público é corrupto. Uma pena.

A relação pública e privada se distancia a cada dia pela nova burocracia de compliance impeditiva e ineficaz, na tentativa positiva de implementar boas práticas para a Administração Pública com determinados procedimentos e padrões de comportamento.

De imediato é sabido que se trata de uma grande farsa formalizar ainda mais a relação pública – privada com o discurso de compliance. Não há boa prática que impede atividade desonesta. O que afasta preventivamente a improbidade é a atuação do agente público com impessoalidade e com base no interesse público. Seja como for, somos obrigados a atuar nos termos da lei, em cumprimento ao princípio da legalidade stricto sensu, que jamais será absoluta e salvadora da Pátria.

É importante pontuar que o programa de compliance no setor privado se efetiva através de suas políticas de integração e demais normas de comportamento e conduta, com vista a alcançar a eficiência das atividades por elas executadas, com um certo padrão ético e probidade. Denota-se que o programa é necessário pela miríade de problemas que surgem no âmbito da concorrência empresarial, tais como o cartel, abuso de posição dominante, monopólio, extraterritorialidade e conflitos de jurisdição pela ineficiente realização de determinadas atividades pelo Estado (a influência política interna de cada país), em especial, as relacionadas com a infraestrutura, além de retratar as práticas de compliance na era de uma sociedade empresarial limpa, ou seja, perante a Lei 12.846 de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção).

Em virtude da necessária evolução da gestão pública foi editada a Lei Federal nº 12.846, de 1º.8.2013 (vigência a partir de 2.2.2014), denominada de Lei Anticorrupção, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de tais pessoas jurídicas, quando seus atos atinjam a Administração nacional ou estrangeira.

A lei federal permite a apuração da responsabilidade dessas pessoas não somente no âmbito administrativo, como também em sede judicial. A noção de pessoa jurídica para os fins da lei é amplo. Se enquadram as sociedades empresárias e simples, com ou sem personalidade jurídica, com qualquer coisa formato de organização, além das fundações, associações de entidades ou pessoas e sociedades estrangeiras, com sede, filial ou representação em território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, mesmo que transitoriamente.

É importante enfrentar que a lei adota a responsabilidade objetiva tanto no campo civil quanto no administrativo, o que implica a desnecessidade de averiguação de culpa na prática do ato. Contudo, o fato de a pessoa jurídica ser responsabilizada não impede a responsabilização de dirigentes e administradores ou outros participantes do ato, mas nessa hipótese indispensável será a prova da culpa, configurando-se, assim, caso de responsabilidade subjetiva.

Registre-se, ainda, que nos casos de fusão ou incorporação, no entanto, a responsabilidade da sucessora, quanto aos atos anteriores, limita-se à multa e à reparação integral do dano causado até o limite do patrimônio transferido, a menos que tais alterações tenham resultado de simulação ou fraude a lei.

Tal rigor se evidencia pela tipificação aberta dos atos lesivos à Administração, a saber:  os praticados contra [i] patrimônio público nacional ou estrangeiro, [ii]os princípios da administração e [iii] os compromissos internacionais firmados pelo governo brasileiro.

Por outro lado, a nova legislação, num prognóstico consensual com o ideal de proteção ao interesse teleológico, garante a existência de um certo pacto recíproco, denominado acordo de leniência. 

Com similaridade ao célebre instituto da delação premiada no Direito Penal, a lei previu instrumento a que se denominou de acordo de leniência, celebrado quando pessoas responsáveis por ilícitos, preenchendo alguns requisitos legais, colaboram efetivamente com as investigações e o processo administrativo. Dessa colaboração, no entanto, devem decorrer [i]a identificação dos outros envolvidos na conduta infringente e [ii] a obtenção rápida de informações e documentos comprobatórios da ilicitude.

Em contraposição, o acordo não alcança a obrigação de reparar integralmente o dano, mas isenta a responsável da publicação do ato condenatório e da proibição de receber incentivos e subsídios governamentais; além disso, reduz em até 2/3 o valor da multa a ser aplicada. Havendo descumprimento do ajuste, ficará a pessoa jurídica impedida de firmar novo acordo.

Observa-se, com aplauso, que a Administração Pública tem legitimidade para firmar este acordo independente da participação do Ministério Público ou de qualquer órgão de controle.

Além da via administrativa, a Lei nº 12.846/2013 contemplou a responsabilização judicial (art. 18), por meio de ação com o mesmo rito fixado na Lei nº 7.347/1985, que regula a ação civil pública. Para tanto, são legitimados os órgãos de representação judicial dos entes públicos e o Ministério Público. Havendo condenação, fica certa a obrigação de reparar o dano (art. 21, parágrafo único). São aplicáveis, também, isolada ou cumulativamente, as sanções de (i) perdimento de bens, direitos ou valores obtidos em decorrência do ilícito, (ii) suspensão ou interdição parcial das atividades, (iii) dissolução compulsória da pessoa jurídica e (iv) vedação para o recebimento de incentivos, subsídios e subvenções governamentais.

Com isso,  concluímos de maneira simplista que essa Lei depende diretamente do compliance, no entanto esse instituto não depende da Lei, pois para uma eficácia e melhor aplicação da mesma, medidas de “Programas de Conformidade” devem ser inseridos nas companhias através de aprendizagem, revisão de política interna e planejamento de atividades da empresa e da Administração Pública de maneira a não causar danos nem gerar atitudes ilícitas, evitando assim as penalidades da Lei nº 12.846/2013, com a verdadeira proteção de sua imagem e do interesse público.

Conclui-se que o tradicional princípio da impessoalidade e da supremacia do interesse público sempre estarão inerentes às atividades públicas, independente de padrões, procedimentos ou rotinas de compliance e de leis punitivas. Burocratizar o Estado, na tentativa de se efetivar a impessoalidade do agente público, não garantirá que este dever de atuar seja implementado, uma vez que processos ou procedimentos administrativos não são capazes de impedir qualquer desvio de finalidade, salvo se o interesse público estiver enraizado em cada vontade administrativa, com o verdadeiro sentimento de servir ao povo e não a si próprio.



Por Leandro Velloso (RJ)

Veja também