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Infraestrutura, intervencionismo e desenvolvimento econômico: o caso brasileiro

ANO 2015 NUM 26
Rafael Arruda (GO)
Doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Portugal. Procurador do Estado de Goiás. Diretor de Relações Institucionais do Instituto de Direito Administrativo de Goiás – IDAG. Advogado – sócio em Lara Martins Advogados


28/11/2015 | 6506 pessoas já leram esta coluna. | 1 usuário(s) ON-line nesta página

As incertezas decorrentes das condições econômicas do país no atual momento são as responsáveis por impactar diretamente o setor da infraestrutura? Ou, ao contrário, é a crise de infraestrutura nacional que, em tal ambiência, tem interferido diretamente no baixo desenvolvimento da 7ª economia mundial? O que é causa e o que é efeito nesse cenário que, cumpre anotar, é complexo e sofre interferências de variadas ordens?

Seja qual for a relação etiológica para a problemática acima apresentada, e admitindo-se que as crises constituem o produto de um conjunto de causas e fenômenos que surgem como consequência de anos de má-gestão e de conjunturas econômicas e financeiras de grande multiplicidade, parece certo reconhecer que a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento de uma nação emergente passa (ou deve passar) por várias frentes de atuação. Nesse recôncavo, exige-se do Estado, por sua posição-chave, um papel central e inafastável na construção de um modelo econômico viável, seguro, sustentável e que apresente os incentivos corretos. Trata-se de tema que não consente leituras ou soluções únicas e que, em momentos de crise, adquire importância acrescida. A despeito, porém, de sua complexidade, parece correto admitir que a presença de certo cardápio de infraestruturas é, comumente, um determinante para o crescimento econômico de uma nação.

Ao anunciar, em junho deste ano, uma nova etapa do chamado “Programa de Investimento em Logística”, o Governo Federal adotou (ou pretendeu adotar) típica medida interventiva, por vias, é verdade, diversas das do passado – e não há mal nenhum nisso –, com a finalidade de confrontar o quadro de dificuldades econômicas pelas quais atravessam o setor produtivo e o país. A intenção, legítima, é a de promover a retomada do crescimento da economia nacional.

Com estimativa de investimentos de aproximadamente 198 bilhões de reais, que, porém, não parece exequível em razão dos nada apreciáveis resultados primários das finanças públicas, o processo de alavancagem da economia passa pela modernização da infraestrutura de transportes (ferrovias, rodovias, portos e aeroportos) que, todos sabem, é precária. O governo espera dotar o país de mais infraestrutura e ofertar serviços de melhor qualidade à população por meio da celebração de contratos de concessão com privados, em medida que, apenas aparentemente, parece ser de desengajamento estatal. Muito pelo contrário. É que os vultosos investimentos produtivos passarão, em verdade, pelas mãos do Estado, já que será o BNDES, com recursos públicos, o grande apoiador para financiamentos a longo prazo, com a disponibilização entre 70% a 90% dos valores dos projetos de concessão e investimentos. Assim, se é certo que a função de estímulo proporciona a redescoberta do papel econômico fundamental do Estado, não menos certo é que essa mesma função de fomento resta, em momento de constrangimento orçamentário e financeiro, sobremaneira comprometida, aqui residindo um grande enigma estratégico da atuação estatal: de onde virá o dinheiro? O que garantirá o suporte financeiro?

Importa assentar que o quadro de dificuldades que no momento se verifica no Brasil, para além da remarcada crise política, há muito já se manifesta na Europa, como reflexo direto da crise financeira despoletada no verão europeu de 2008, numa espiral descendente em que a queda de investimentos interfere no PIB. Os juros altos inviabilizam o acesso ao crédito. Cai a produção. Aumenta o desemprego. Diminui o consumo das famílias, que, paulatinamente, sofrem com os efeitos deletérios da inflação. Com juros menores, o Governo Federal, servindo-se de seu banco estatal (o BNDES), busca, na teoria, proporcionar um acesso mais barato ao crédito para que, com isso, o setor privado empresarial promova os investimentos que hão de impulsionar a economia nacional, com geração de emprego e renda, ampliação da produtividade e do valor agregado de bens e serviços e, bem assim, melhoria na qualidade de vida das pessoas, sem descurar, é certo, da proteção do meio ambiente, todos fatores, enfim, concorrentes à prosperidade e ao crescimento econômico.

Ao fomentar o financiamento empresarial produtivo, em substituição ao sistema financeiro privado, sempre rarefeito aos riscos, o Poder Público, no plano do discurso ao menos, predispõe-se a aportar recursos não negligenciáveis. Disso tudo, o que se verifica é que o propalado modelo sócio-desenvolvimentista, em momentos de crises e de dificuldades, acaba sempre exigindo uma forte presença do Estado na economia, seja como orientador, financiador ou regulador dos investimentos privados ou, ainda, como produtor direto. Ao financiar e, com isso, comprometer receitas públicas, fica evidente que o desenvolvimento econômico pretendido, a despeito da livre economia de mercado que aqui se pratica, passa, no fim das contas, pela mão bem visível e forte do Estado, que, assim, age para restaurar a necessária confiança dos mercados, numa lógica simultânea que pressupõe ainda eficiência, satisfação do interesse público e segurança jurídica.

Não se tem nesse modelo de governance administrativa e econômica, a rigor, nenhuma novidade. Desde a Idade Média, as construções das pirâmides e igrejas, com utilização massiva de mão de obra, contribuíam para estimular as trocas comerciais, muitas vezes à base de endividamento do Estado – que tem mesmo, no caso brasileiro, uma predisposição crônica para isso –, em teoria elegantemente desenvolvida no século XX por Keynes, que defendia a elevação dos investimentos públicos, ainda que por meio de déficits, que é preciso sempre conter dentro de certos limites, como solução para a crise, ideia que, mesmo antes de sua teoria geral do emprego, do juro e da moeda, impulsionara as políticas anticíclicas do New Deal.

Em resumo, os fatos parecem demonstrar, em várias latitudes, que o capitalismo depende muito da ação do Estado, algo que pouco tempo atrás soava como heresia. Nunca, como agora, se reclamou tanto a presença do Estado para proteger os interesses da maioria da sociedade, em contexto que, vale dizer, é pendular, e nos termos do qual a intervenção pública apenas se justifica quando constitui o único meio para satisfazer todos os interesses públicos em presença. Nessa conjuntura toda, ninguém negará que um parque de infraestrutura em bom estado de funcionamento é, à evidência, uma condição necessária e indissociável ao desenvolvimento econômico e social.



Por Rafael Arruda (GO)

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