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PEC 32 – Notas Sobre a Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Administrativa da Gestão Bolsonaro

ANO 2020 NUM 473
Paulo Modesto (BA)
Professor de Direito Administrativo da UFBA. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público. Doutorando em Direito Público pela Universidade de Coimbra. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e do Ministério Público da Bahia. Diretor-Geral da Revista Brasileira de Direito Público. Editor do site direitodoestado.com.br


16/12/2020 16:18:39 | 7037 pessoas já leram esta coluna. | 3 usuário(s) ON-line nesta página

1. PEC 32: balanço entre normas-placebo e normas-perigo

Há prescrições normativas que são concebidas de forma a não produzirem efeitos práticos. Exemplo: o dispositivo sobre o limite de vencimentos e subsídios aprovado na Emenda Constitucional n. 19/98, segundo a moldura proposta pelo Relator Deputado Moreira Franco -  a fixação do valor do subsídio-teto dependia de consenso entre os Chefes de Poderes no plano infraconstitucional e, como este consenso era sabidamente inviável, esse teto nunca foi fixado enquanto essa fórmula vigorou (Art. 48, XV, na redação da EC 19/98) [1]. Prescrição feita para não funcionar, o comando normativo referido desde a concepção cumpriu o objetivo de manter o teto flexível e ineficaz até a alteração do modo de definição dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal pela EC 41/2003. CARLOS AYRES BRITTO denominava essas prescrições de "normas-chabu", em razão do seu modo peculiar de iludir. [2]

No plano da vida, o teto de remuneração no serviço público conquistou maior efetividade apenas com a Emenda Constitucional 41/2003, porém sobretudo após a alteração da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na matéria, capitaneada pelo saudoso Ministro TEORI ZAVASKI (RE 609.381/GO, Tema 480, Julgado 02.10.2014, DJe 11.12.2014). A fugaz vigência do Art. 48, XV, na redação da PEC 19/98, é ao menos didática para fins acadêmicos, pois facilita a compreensão do conceito de normas-placebo: normas constitucionais placebo são as preordenadas a não serem aplicadas e que, ao permanecem ineficazes, realizam o seu propósito original de ser.

Recordei isso ao ler o texto da Proposta de Emenda Constitucional da Reforma Administrativa do Governo Bolsonaro, conhecida como PEC 32, apresentada em 03/09/2020, que pretende alterar 27 enunciados da Constituição e introduzir 87 novos, sendo quatro artigos inteiros. Há nela sugestões normativas perigosas, retrocessos evidentes a tempos superados, alguns problemas de técnica legislativa e um número impressionante de normas-placebo, prescrições formuladas de forma a alcançar reduzida ou insignificante eficácia prática.

Trata-se de proposta de emenda constitucional que precisa de muito aperfeiçoamento antes de ser considerada realmente uma reforma administrativa para o século XXI, independente da sinceridade e do otimismo de seus idealizadores. Essa construção deficiente da proposta original sugere que, ao menos para o momento, basta comentar alguns tópicos da PEC 32.

São anotações de moderado ceticismo, esboçadas  para duas exposições recentes, pois mais de três meses após ser apresentada pelo Presidente da República a PEC 32 sequer foi remetida à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para análise de admissibilidade, primeira etapa de sua tramitação, permanecendo paralisada no aguardo de despacho do Presidente da Casa Legislativa baixa. [3] 

Registro que esse ceticismo não contamina o meu antigo compromisso com a reforma do estado (em sentido abrangente) e da administração pública (em sentido restrito). Atuei diretamente na reforma administrativa de 1998 (EC 19/98) no Executivo, como Consultor Jurídico e Assessor Especial do Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), e no Congresso Nacional, como assessor técnico, a convite da Assessoria Parlamentar do Ministério da Administração e da Presidência da República. Participo de fóruns de debates e de grupos de elaboração normativa dedicados ao tema há mais vinte anos, sem alarde, mas com persistência. Mas essa adesão ao ideário reformista e esse sentimento de urgência não se confundem com o elogio a qualquer projeto específico de reforma da administração.

Tenho contribuído com artigos e ideias para projetos de lei e participado de comissões especiais que apresentaram sugestões de reforma da administração no plano técnico e prático e não como bandeira político-partidária. Temas como o silêncio administrativo (a responsabilidade de decidir em certo prazo, com efeitos positivos, negativos ou translativos) [4]; a contratualização da coordenação administrativa (a articulação das entidades públicas e benefícios decorrentes de submissão a controle de desempenho) [5],  a reforma da organização administrativa federal [6], o aperfeiçoamentos da formatação das parcerias sociais [7] , das parcerias econômicas, das agências reguladoras, do controle público, da responsabilidade dos agentes públicos tem atraído a minha atenção desde pelo menos 1990 e hoje já contam com diversos projetos de lei aprovados. Portanto, as críticas que adiante esboço sobre as normas enunciadas na PEC 32 não significam descompromisso com a reforma do estado; pelo contrário, são uma reafirmação.

Caminhar para trás não é avanço. Iludir os incautos no sentido de caminhar, quando em verdade se permanece parado, também não é progredir. Por isso, para tornar mais claro o que penso proponho abordar a PEC 32 em breve balanço (ou “balanço dialético”) entre as "normas-placebo" e as "normas-perigo".


2.  A Inflação de Princípios Gerais Expressos (norma-placebo)

A PEC 32 sugere acrescentar oito novos princípios gerais expressos aos cinco princípios atualmente previstos na cabeça do art. 37 da Constituição Federal, pórtico do capítulo da Administração Pública. Os novos princípios expressos seriam a imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública e subsidiariedade. Lidos os enunciados assim enumerados a medida parece uma boa ideia. Na verdade, essa inflação de princípios introduz normas-placebo.

Qual a diferença relevante entre os princípios da impessoalidade (hoje vigente) e imparcialidade (proposto), quando todos os intérpretes até hoje da Constituição sempre entenderam que impessoalidade exige objetividade e imparcialidade da atuação administrativa?

Qual o ganho prático de incluir o princípio da "transparência" ao lado do vigente princípio da publicidade, quando todos interpretam há décadas que a publicidade é uma ode à transparência pública?

Qual o sentido de incluir o princípio da "responsabilidade", quando o art. 37, §6º, da Constituição fixa com clareza a responsabilidade por danos causados aos particulares pelos agentes públicos e pelo Poder Público, abrangendo inclusive as entidades privadas prestadoras de serviço público?

O que significa introduzir o princípio da "unidade" e da "coordenação", quando a Constituição já prevê no Art. 84, II, que o Presidente da República exerce, com o auxílio dos Ministros de Estados, a "direção superior da Administração Pública" (portanto, comando unitário ou convergente); o Art. 241 expressamente consagra a cooperação interfederativa e o art. 84, VI, da Constituição consagra a competência do Presidente para dispor, mediante decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal?

Por acaso ocorrerá a alguém que o princípio da eficiência não inclui a exigência de boa governança pública e de estímulo à inovação?

Por sua vez, o princípio da subsidiariedade, desde o texto original, vem previsto no art. 173 da Constituição, que estabelece que a exploração direta de atividade econômica no Brasil cabe aos particulares, atuando o Estado subsidiariamente apenas quando imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo o justifique.

Qual a finalidade de subdividir e decompor princípios, tornando incerto o conteúdo próprio dos princípios fragmentados, cuja extensão foi em grande parte parametrizada ao longo de três décadas de trabalho doutrinário e jurisprudencial?

Como dois enunciados não devem contemplar o mesmo sentido prescritivo, será preciso redefinir o conteúdo de cada um dos princípios enunciados, gerando insegurança jurídica, ativismo judicial, ativismo ministerial, obstáculos a celebração de negócios, atos e parcerias, ao invés de melhoria da máquina pública.

No melhor cenário, a inflação de princípios jurídico-administrativos consumirá capital político para não resultar em nada que os atuais princípios já não comportem; no pior cenário, criará insegurança jurídica e novos obstáculos à eficiência da administração pública.
 

3. Facilitação à Criação de Cargos Comissionados (norma-perigo)

A PEC 32 não limita a criação abusiva de cargos em comissão. Trata-se de um dos mais sérios problemas da administração pública brasileira, enfrentado nos Tribunais do país com maior eficiência apenas após a EC 19/98 [8] . Ao contrário, amplia as possibilidades de criação de cargos comissionados, permitindo a criação de "cargos de liderança e assessoramento" para realizar atribuições simplesmente técnicas (Art. 37, V).

Desde a EC 19/98 os cargos em comissão somente podem ser criados para funções de direção, chefia e assessoramento, isto é, funções de comando, gerenciais e de assessoramento superior. A PEC 32 propõe que os cargos de "liderança e assessoramento" sejam destinados "às atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas”. Qual o sentido de funções “estratégicas” e “técnicas”?  Formulação vaga, aberta e imprecisa, que não avança, mas regride a estado de coisas anterior à EC 19/98.

Hoje, conquanto o enunciado da norma específica seja bem mais preciso e exigente de funções de direção, chefia e assessoramento, todos os dias os agentes políticos, especialmente os municipais e os estaduais, testam esses limites, aprovando em Câmaras Municipais e Assembléias Estaduais a criação de mais e mais cargos comissionados, buscando criar feudos políticos, atender a apoiadores com políticas clientelistas ou a interesses ainda mais baixos (como as hoje famosas "rachadinhas", que nada mais são do que peculato, crime contra a administração pública, consistente em apropriação privada de recursos públicos).

A PEC 32 facilita a ocorrência desse tipo de abuso. Não estabelece limite ou proporção entre o número de cargos efetivos, ocupados ou vagos, e os cargos em comissão, que doravante seriam chamados de "cargos de liderança e assessoramento"; suprime a previsão de "funções de confiança", postos gerenciais hoje reservados a servidores concursados (embora em alguns momentos a expressão reapareça); e, por fim, não fixa qualquer patamar mínimo de ocupação de cargos de liderança e assessoramento por servidores concursados, permitindo o amplo loteamento das posições de chefia.

Mais: não exige nível superior, treinamento, qualificação técnica, preparo em escolas de governo para acesso a "cargos de liderança e assessoramento", na contramão de meritórias iniciativas no plano infraconstitucional [9]. E, para desprestígio ainda maior do profissionalismo na gestão de pessoal, reduz o prazo de estágio probatório - que agora denomina como "vínculo de experiência" - de três anos para um ano (nos casos de "cargo com vínculo por prazo indeterminado") e para NO MÍNIMO dois anos (nos casos de "investidura em cargo típico de Estado", criando ademais insegurança jurídica quanto a própria definição do prazo de avaliação). Esses dois vínculos exigem prévio concurso público, mas é proposta a revogação da salutar exigência de que o concurso considere "a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei" (cláusula prevista hoje no art. 37, II, da CF e introduzida pela EC19/98).

Revoga-se também a meritória previsão de que a “União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados” (atual § 2º do Art.39, incluído pela EC 19/1998).

Transformar o estágio probatório em fase do concurso não muda nada, salvo se isso for usado para nomear um número maior de servidores com vínculo precário do que o número de cargos efetivos disponíveis, realizando posterior filtragem quantitativa dos servidores em vínculo de experiência. O perigo desse possível "filtro quantitativo", que foi sugerido na nova redação do Art. 37, II-A,”c”, e II-B, “c”, é gerar uma dependência política do concursado por longo período em relação ao dirigente de plantão. Isso pode ampliar as possibilidades de quebra do princípio da impessoalidade (deixando todos os servidores dependentes dos humores do dirigente) e, lamentavelmente, ampliar as possibilidades de corrupção. Outro uso possível dessa alteração é fiscal: permitir a redução no vínculo de experiência da remuneração desses agentes, que não seriam ainda ocupantes dos cargos definitivos, mas a PEC não traz esse comando de forma expressa.

Essas normas não ampliam a profissionalização da política de pessoal, não melhoram a qualidade dos agentes públicos de confiança, não incentivam o interesse de novos e melhores talentos pelo ingresso em funções públicas, não reduzem o clientelismo nem promovem a melhor racionalidade no uso de recursos públicos. São normas perigosas, pois reduzem a exigência de estágio probatório, eliminam limites à criação de cargos em comissão, facilitam rachadinhas e abusos de poder.

Além desses problemas de gestão, há problemas jurídicos:  os cargos típicos de estado serão estabelecidos em lei complementar federal (rectius: nacional), o que suscita a questão da invasão da autonomia política dos estados e municípios). Outra questão interessante é que o Chefe do Poder executivo também poderá, nos termos do Art. 84, extinguir cargos em comissão, estando vagos ou não, e cargos efetivos vagos. Poderá também promover a criação, fusão, transformação ou extinção de Ministérios e de órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República, e – pasme-se - a extinção, transformação e fusão de entidades da administração pública autárquica e fundacional (entidades com personalidade jurídica própria); a transformação de cargos públicos efetivos vagos, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente vagos ou ocupados, desde que seja mantida a natureza dos vínculos de que trata o art. 39-A; e alteração e reorganização de cargos públicos efetivos do Poder Executivo federal e suas atribuições, desde que não implique alteração ou supressão da estrutura da carreira ou alteração da remuneração, dos requisitos de ingresso no cargo ou da natureza do vínculo. Poder de organização que em parte o Presidente já possui (remanejamento e reordenação orgânica), mas sem poder extinguir cargos ocupados, Ministérios, autarquias, fundações ou órgãos, que exigem lei para a extinção, uma vez que simetricamente exigem lei para a criação. Esse excesso de poder unipessoal da Chefia da Administração pode redundar em voluntarismo e irracionalidade (por exemplo, extinção de Universidades, órgãos ambientais, centros de pesquisa de forma precipitada e por simples decreto) e violar limites contidos no núcleo da separação de poderes.

Como é sabido e ressabido, nos termos do Art. 60, §4º, da CF, não podem ser apresentadas PECs tendente a abolir as chamadas cláusulas pétreas da Constituição: forma federativa de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.
 

4. Normas de Limites de Vantagens Remuneratórias (normas-placebo)

A PEC 32 quase confunde a Constituição com a legislação ordinária ao dispor em detalhes sobre quais vantagens remuneratórias ou indenizatórias podem ou não podem ser criadas pelo legislador. Tenta aprisionar a criatividade legislativa em escaninhos estreitos em matéria de remuneração e indenização. A garantia de sucesso desse tipo de iniciativa é baixa, mas parece algo útil para coibir e cobrir abusos. O problema é que a maior parte das normas propostas são normas placebo, pois chovem no molhado e proíbem o que já está proibido e, ainda mais, proíbem em plano geral e permitem no varejo das únicas situações em que elas ocorrem.

É fácil dar exemplos.

A PEC 32 veda férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano e a aposentadoria compulsória como medida de punição. Nada contra. Mas os servidores públicos não possuem tais vantagens e os poucos casos de férias de sessenta dias entre os servidores administrativos que ainda suscitavam dúvida estão sendo decididos pelo STF [10]. A EC 103/2019, recente emenda da reforma da previdência, excluiu a única previsão constitucional referente à aposentadoria compulsória punitiva, contemplada para os magistrados e, por extensão, aos membros do MP e de Tribunais de Contas (contemplada antes da EC 103/2019 no Art. 93, VIII, da CF).

Porém, mais do que tudo, a PEC 32 autolimita para o futuro a sua eficácia reformadora nessa matéria, pois estabelece, no Art. 2º, II, a “não aplicação do disposto no art. 37, caput, inciso XXIII, alíneas “a” a “j”, da Constituição na hipótese de haver lei específica vigente em 31 de agosto de 2020 que tenha concedido os benefícios ali referidos, exceto se houver alteração ou revogação da referida lei”. São as alíneas “a” e “f” do Art. 37, do texto da PEC 32, que tratam da vedação das férias em dobro e da aposentadoria compulsória punitiva. Nesse passo o reformador morde a própria cauda e retira toda a eficácia das normas restritivas, não apenas para as situações subjetivadas ou individuais implementadas, mas em face da legislação infraconstitucional vigente e para o futuro, condicionando a eficácia futura de suas normas à revogação da legislação infraconstitucional vigente (revogação que, por óbvio, já poderia ocorrer, com ou sem emenda, pois não há na Constituição Federal norma alguma que obrigue a manutenção desses benefícios). Em outras palavras: a única clientela possível das novas normas restritivas, os magistrados (Art. 66, LC 35/1979), os membros do MP (Art. 51, Lei 8.625/1993), algumas procuradorias estaduais, defensorias estaduais e tribunais de contas será poupada e permanecerá sob a proteção de normas legais de tutela que o reformador pretende supostamente reformar, mas cuja vigência protegerá e prolongará sem prazo definido  e como se nada houvesse ocorrido. Fórmula para uma norma-placebo modelar.

A PEC 32 também propõe o fim de indenizações ou adicionais sem a caracterização de despesas diretamente decorrente do desempenho da atividade  - algo que hoje já é exigível; veda a incorporação de cargos em comissão ou funções de confiança à remuneração permanente – proibição que já foi aprovada no ano passado pela Emenda Constitucional 103, que alterou a redação do Art. 39,   §9º, para dizer que "É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo." Enfim, como diria a sentença popular, com verve didática: em vários desses tópicos a PEC 32 choveu no molhado, aliás no recentemente molhado. E no que não reproduz o vigente, retira do texto novo toda a eficácia prática.

É curioso também que a suposta supressão dessas e de outras vantagens seja prevista apenas para os novos servidores, sendo prolongada a vigência das vantagens atuais, nomeadamente “na hipótese de haver lei específica vigente em 31 de agosto de 2020 que tenha concedido os benefícios ali referidos, exceto se houver alteração ou revogação da referida lei” (Art. 2º, II, da PEC32). Para os ocupantes de emprego público, a proteção constitucional cobre a legislação até 1 de setembro de 2020 (Art. 3º, da PEC 32).  Não há razão para a previsão de dois prazos e sentido jurídico nesse tipo de proteção abrangente para o futuro. O regime de remuneração e o regime de aquisição de direitos futuros não pode ser apropriado como direito adquirido. Se houver revogação da lei que contempla tal ou qual vantagem, toda aquisição de direito sucessivo será logicamente impossível, pois não há direito a regime jurídico, não sendo cabível apenas a supressão da vantagem subjetivada, ou adquirida em termos individuais e em tempo precedente, o que não se confunde com a permanência do regime jurídico em abstrato. Os autores da PEC mostram um desconhecimento assustador de direito intertemporal e, o mais impressionante, oferecem cobertura constitucional inclusive para vantagens ilegais, ou sem suporte legal atual, como expressamente enuncia o inacreditável Art. 6º da PEC: “Art. 6º. As parcelas indenizatórias pagas em desacordo com o disposto no art. 37, caput, inciso XXIII, alínea “i”, da Constituição ou instituídas apenas em ato infralegal ficam extintas após dois anos da data de entrada em vigor desta Emenda à Constituição”.

Há também uma federalização do regime dos servidores em vários aspectos da matéria (remuneração, acesso a cargos comissionados, carreira etc). A proposta para a nova redação do Art. 39 prevê que "Lei complementar federal disporá sobre normas gerais sobre os seguintes temas: I - gestão de pessoas;  II - política remuneratória e de benefícios; III - ocupação de cargos de liderança e assessoramento; IV - organização da força de trabalho no serviço público;  V - progressão e promoção funcionais; VI - desenvolvimento e capacitação de servidores; e VII - duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas.

É certo que enquanto esta lei complementar federal (rectius: nacional) não for editada, Estados, DF e Municípios poderão exercer a competência plena.

A norma extingue definitivamente a exigência do regime jurídico único e restringe a autonomia dos estados e municípios em matéria de pessoal. Sobrevindo a “lei complementar federal”, o que for incompatível na legislação local ficará suspenso. A rigor, é o contrário do lema "menos Brasília, mais Brasil", pois aqui o que se fará é ampliar a centralização normativa e de poder ("Mais Brasília, menos Brasil"). Essa orientação suscitará relevante questionamento jurídico, pois emenda constitucional não pode amesquinhar o princípio federativo em matéria contida em um dos núcleos do direito administrativo.  A operatividade dessas normas provavelmente será baixa, se não for nula, por isso as classifico também entre as normas-placebo, sem recusar alguma operatividade residual em algum caso concreto ou alguma situação específica.
 

5. Estabilidade e Acumulação de Cargos (norma-perigo)

Consoante a PEC 32 somente servidores em cargos típicos de estado poderão adquirir estabilidade. Os atuais servidores estáveis permaneceriam estáveis mesmo que não integrem cargos típicos de Estado. Na forma do Art. 39-A, § 1º, "os critérios para definição de cargos típicos de Estado serão estabelecidos em lei complementar federal", sendo essa centralização normativa novamente de discutível constitucionalidade em face do princípio federativo.

Os novos servidores de outros vínculos não adquirem estabilidade e poderão ser exonerados. Não há informação se será exigido algum procedimento de motivação ou critérios objetivos de dispensa. Isso pode criar um grande exército de servidores totalmente dependentes da chefia política de plantão. Tudo dependerá da regulamentação e da iniciativa do legislador infraconstitucional.

O servidor estável aparentemente é bem protegido, mas há indícios de haver pura aparência nisso. Hoje teoricamente ele pode perder o cargo por processo administrativo disciplinar, processo administrativo por avaliação periódica de desempenho (não regulamentado) ou por decisão judicial.

A perda de cargo mediante processo administrativo não recebe alterações na PEC32. Mas a perda de cargo por avaliação periódica de desempenho deixará de ser regulamentada por lei complementar e passará a ter os critérios de avaliação definidos por lei ordinária (Art. 41, III).

No texto proposto, quanto à perda de cargo por decisão judicial, os atuais servidores estáveis e os novos servidores estáveis de cargos típicos de estado poderão perder o cargo efetivo logo na primeira decisão judicial colegiada (proferida por um tribunal), sendo desnecessário o trânsito em julgado da decisão judicial.

A PEC 32 veda em princípio qualquer forma de acumulação de cargos públicos e a realização de outra atividade remunerada para servidores de cargos típicos de Estado, inclusive durante o período de vínculo de experiência (Art. 37, XVI). Aqui afeta-se a possibilidade de procuradores de estado e de municípios exercerem a advocacia privada. Ressalva-se apenas o exercício do ensino e a atividade médica. Hoje a regra é a vedação de acumular; a exceção, é a acumulação de dois cargos de professor; a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas (Art. 37, XVI). A PEC 32 inverte isso: passa a ser regra a possibilidade de acumular, sem importar se há atividade é de nível superior, técnica ou científica, desde que não ocorra conflito de interesses e haja compatibilidade de horários. A restrição de acumular será exclusiva dos cargos típicos de estado para atividades de nível científico ou superior, inclusive em período de experiência e, mesmo para os cargos típicos, essa limitação poderá ser afastada nos municípios de até 100.000 habitantes (Art. 37, § 19). Por óbvio, essa exclusão de limites nos Municípios de até 100.000 habitantes poderá ensejar que existam diferentes regimes de acumulação para o exercício das mesmas funções a depender da decisão política local.
 

6. A modo de conclusão

Seria cansativo avaliar nessa primeira abordagem todas as alterações propostas, que são muitas. Algumas são cosméticas e retóricas; outras perigosamente mal concebidas.

As regras propostas alcançam servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas da federação: União, estados (e DF) e municípios. A exposição de motivos afirma que as propostas alcançam apenas aos novos servidores, isto é, os que ingressarem no setor público a partir da promulgação da Emenda Constitucional. Mas isto é falso, pois essa imutabilidade do regime atual vale apenas para a mudança estrutural no regime de vínculo e não para o modo de exclusão do serviço público e para consequências indiretas das alterações propostas. Além disso, há na PEC 32 diversas normas que ampliarão o déficit do regime próprio de previdência social, com repercussão óbvia no aumento das alíquotas de contribuição dos atuais servidores ativos, aposentados e pensionistas. Por exemplo, a inquietante norma do Art. 9º, que permite que a União, Estados e Municípios retirem do financiamento dos regimes próprios de previdência a contribuição ou participação dos novos servidores admitidos para cargo com vínculo por prazo indeterminado. O texto sugerido agrava o déficit do RPPS e merece ser transcrito, litterim:

“Art. 9º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão optar por vincular, por meio de lei complementar publicada no prazo de dois anos, contado da data de entrada em vigor desta Emenda à Constituição, os servidores que vierem a ser admitidos para cargo com vínculo por prazo indeterminado, nos termos do inciso III do caput do art. 39-A, inclusive durante o vínculo de experiência, ao regime geral de previdência social, em caráter irretratável.

Parágrafo único. A vinculação de que trata o caput não afasta o direito dos servidores à vinculação ao regime de previdência complementar, na forma do art. 40, § 14, da Constituição.”

Essa medida agravará a fragilidade financeira dos RPPS e, por certo, obrigará a elevações de alíquotas de contribuição ordinárias e extraordinárias, afetando inclusive servidores aposentados e pensionistas do setor público. Os servidores efetivos atuais e os atuais aposentados do regime próprio serão vítimas diretas dessa alteração, caso aprovada, mas certamente serão no futuro apontados como vilões responsáveis por mais um déficit público. A norma sugerida fabricará crises, como outras aprovadas na EC 103/2019, que obrigaram a adoção da previdência complementar sem qualquer norma de transição objetiva entre os regimes e sem o reconhecimento da responsabilidade do Poder Público pela diminuição do financiamento nos regimes próprios.  

Na proposta, o Governo ilude ao dizer que as medidas propostas não se aplicam aos atuais servidores. Várias normas são aplicáveis. Afirma também que não se aplicam à magistratura e ao Ministério Público, o que é falso também, como a fragilização do sistema de financiamento do regime próprio de previdência exemplifica, pois essa medida alcançará igualmente magistrados, procuradores, Conselheiros e defensores públicos.

Essa falta de clareza e sinceridade do reformador - somado ao fato da sonegação de estudos, estatísticas e avaliações que serviram de base para a proposta - torna pouco provável que a PEC 32 tenha tramitação rápida no Congresso Nacional.

Essa constatação não deve desanimar. Há muita proposição importante em debate e com aprovação parcial tramitando no Congresso Nacional. Normas como o novo estatuto do gás (PL 4.476/2020), aprovado na Câmara; o novo marco regulatório para o setor ferroviário (PLS 261/2018), a autonomia do Banco Central (PLP 19/19); o projeto de lei relativo ao silêncio administrativo translativo (aprovado no Senado e agora tramitando na Câmara renomeado como PL 5473/2019), a PEC Emergencial (PEC 186/2019), que restringe crescimento de despesa; a PEC 188/2019, PEC do PAC Federativo, que redistribui recursos e fixa responsabilidades, inclusive o interessante "direito ao equilíbrio fiscal intergeracional"; a nova lei de licitações e contratos (PL 1292/95), que foi aprovada nas duas Casas e aguarda sanção presidencial; o PL 6.726/2016, originário do Senado, que limita o pagamento de vencimentos acima do teto no serviço público, entre muitas outras propostas que promoverão mudanças na federação e na administração pública mais efetivas do que a PEC 32.

Paralisar a tramitação de todas essas propostas normativas para aguardar a reforma administrativa é contrassenso.

Para quem deseja uma efetiva reforma do estado, a PEC 32 é tímida no enfrentamento dos problemas reais:

a) clientelismo;

b) explosão de cargos em comissão e incentivos a sua criação, como os “dízimos partidários” [11];

c) utilização privada dos servidores públicos;

d) baixa agilidade e eficiência do sistema de compras;

e) responsabilidade pela demora de decidir;

f) frágil sistema de avaliação de desempenho;

g) manutenção de sistemas próprios de previdência inviáveis;

h) baixos incentivos à profissionalização;

i) falta de incentivos à progressão e reduzida amplitude remuneratória na intimidade das carreiras;

J) insegurança jurídica nos processos de cooperação interinstitucionais e de parceria, entre muitos outros problemas.  

Ao mesmo tempo, paradoxalmente, quando não é palavrosa e retórica, a PEC 32 é agressiva e perigosa no tratamento dos servidores concursados, que acessam cargos e empregos pelo regime de mérito. Ela demoniza claramente o servidor público e facilita a apropriação de estruturas de estado por interesses clientelistas, deixando de fixar balizas objetivas para a profissionalização da gestão de pessoal. O concurso público é praticamente tornado exceção tantas são as facilidades para criação de cargos comissionados, para a terceirização e para a contratação de pessoal temporário.

Reformar a administração pública é um desafio complexo, mas que não deve ser deixado de lado apenas por ser complexo. Há muito a fazer para melhorar o serviço público no plano infraconstitucional e infralegal, sem “balas de prata”, sem soluções mágicas, e certamente sem o ilusionismo normativo de batizar velhos conceitos com novas palavras e expressões que mais escondem do que transformam.

Reformar o Estado hoje permanece um imperativo, pois na crise em que vivemos os serviços básicos à população são vitais e a eficiência desses mesmos serviços constitui um problema existencial coletivo. Nesse cenário não se pode confundir reforma com redução de custos nem deixar abrir avenidas ao patrimonialismo. Segurança jurídica, renovação de quadros, digitalização, modernização organizacional, aceleração do processo administrativo, sustentabilidade no regime de compras, controle de desempenho e profissionalização são outros signos que não podem estar longe das atenções do reformador. 

 

NOTAS


[1] Em texto publicado em 2000, e antes disso em palestras, sustentei a inconstitucionalidade da fórmula aprovada para fixação do subsídio-teto pela EC 19/1998, por violação à separação de poderes, pois autorizava na prática esdrúxulo “veto a projeto de lei” e retirava do STF a iniciativa privativa de projeto de lei para a definição da retribuição de seus membros, com repercussão direta para o restante da magistratura (Cf. MODESTO, Paulo. Teto Constitucional de Remuneração dos Agentes Públicos: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. RDA - Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: 222:1-21, out.dez. 2000, p. 17. Disponível na web: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/48714/47539

[2] Esse tipo de norma foi estudado pioneiramente no Brasil por CARLOS AYRES BRITTO no ensaio "Constituição: o reino das segundas intenções", originalmente escrito para servir de tese de doutoramento na PUC-SP, cujos originais foram perdidos no escritório de CELSO RIBEIRO BASTOS. Por sorte, antes da tese ser perdida, o professor Celso Bastos pediu-me que fizesse uma leitura de avaliação do trabalho. Por incrível que isso possa parecer, fui o único leitor dessa obra extraviada e registro a sua leitura em nota de artigo que escrevi em 1990 sobre inconstitucionalidade por omissão e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (MODESTO, Paulo. Inconstitucionalidade por omissão: categoria jurídica e ação constitucional específica. Revista de Direito Público (RDP) n. 99, São Paulo: RT, 1991, p. 126, disponível na web: https://www.academia.edu/7789361 ). O hoje advogado e ex-ministro CARLOS AYRES BRITTO, querido amigo há décadas, não guardou cópia desse trabalho da era das máquinas de datilografia e defendeu outra tese de doutoramento muitos anos depois, de que resultou o livro Teoria da Constituição (Rio de Janeiro: Forense, 2003).

[3] A PEC 32 não iniciou a sua tramitação. Recebida no Congresso, a primeira etapa iniciará com o seu encaminhamento à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, para análise da admissibilidade. O texto submetido, caso aprovado, seguirá depois para uma comissão especial, que avaliará o mérito, e ao Plenário da Câmara, em duas votações sucessivas, cada votação exigindo 3/5 dos votos do colegiado, isto é, 308 deputados. Se aprovada em dois turnos, segue para o Senado, onde será apreciada por Comissão de Constituição e Justiça, mas na casa Alta essa comissão exerce dupla função de analisar e admissibilidade e propor alterações, acréscimos ou supressões de mérito. Na sequência, duas novas votações, também por 3/5 dos membros da casa são exigidas para a aprovação da Emenda, isto é, 49 senadores. O texto substancialmente emendado deve ser destacado e remetido para nova votação em dois turnos no colegiado que ainda não o tenha apreciado.

[4] Cf. Por exemplo, o Projeto de Lei do Senado 129/2017, do Senador ANTONIO AUGUSTO ANASTASIA, aprovado no Senado, que aguarda deliberação da Câmara como PL 5473/2019, foi inspirado no artigo em que sugeri a disciplina do “silêncio translativo” cf. MODESTO, Paulo. Silêncio Administrativo Positivo, Negativo e Translativo: a omissão estatal formal em tempos de crise. Revista Brasileira de Direito Público, v. 57, p. 47-58, 2017. Disponível também em http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/paulo-modesto/silencio-administrativo-positivo-negativo-e-translativo--a-omissao-estatal-formal-em-tempos-de-crise-

[5] Cf. Lei 13.934/2019, de iniciativa do Sen. ANTONIO AUGUSTO ANASTASIA, cuja versão original foi inspirada em fragmento da Proposta de Nova Organização Administrativa Federal, anteprojeto de lei apresentado em 2017 por Comissão de Especialistas de que fiz parte, sendo relator exatamente do capítulo destacado sobre o tema dos contratos de autonomia. Cf. MODESTO, Paulo. Contrato de Desempenho e Organização Administrativa. ConJur - Interesse Público. Publicado em 19-12-2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-19/interesse-publico-contrato-desempenho-organizacao-administrativa  ou https://www.academia.edu/41817236

[6] Cf. MODESTO, Paulo (org). Nova Organização Administrativa Brasileira: estudos sobre a proposta da comissão de especialistas constituída pelo Governo Federal para reforma da Organização Administrativa Brasileira. Belo Horizonte: ed. Fórum, 2009 (1ª. Ed) e 2011 (2ª.ed).

[7] Cf. Estudos reunidos no livro: FUX, Luiz ; MODESTO, Paulo ; MARTINS, Humberto Falcão . Organizações Sociais Após a Decisão do STF na ADI N. 1923/2015. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017. v. 1. 277p.

[8] Sobre o tema, bem como sua evolução no tempo, cf. MODESTO, Paulo. É possível superar o clientelismo na administração pública do Brasil? : argumentos jurídicos e sugestões para limitar a criação e o provimento abusivo de cargos públicos em comissão nos 30 anos da Constituição de 1988. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP. Belo Horizonte, ano 16, n. 62, p. 9-55, jul./set. 2018. Disponível também na web: https://www.academia.edu/37780364

[9] Cf. Decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019, que dispõe sobre os critérios, o perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e das Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. A Lei nº 13.303/2016, também denominado de “Lei de Responsabilidade das Estatais”, é explícita ao exigir da alta administração das empresas estatais: a) requisitos cumulativos de:(1) reputação ilibada,(2) notório conhecimento e tempo de experiência profissional, (3) formação acadêmica compatível com o cargo e (4) ausência de hipótese de inelegibilidade prevista em lei para a assunção de cargos no Conselho de Administração e de diretor, inclusive presidente, diretor-geral e diretor presidente de empresas estatais (art. 17); b) veda-se ainda a indicação, para o Conselho de Administração e para a diretoria: 1. de representante do órgão regulador ao qual a empresa pública ou a sociedade de economia mista está sujeita, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente como serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na Administração Pública, de dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo, incluídos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau dos agentes mencionados; 2. de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;3. de pessoa que exerça cargo em organização sindical;4. de pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, como fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade em período inferior a 3 (três) anos antes da data de nomeação; 5. de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade. Por fim, segundo a Lei nº 13.303/2016, os administradores eleitos devem participar, na posse e anualmente, de treinamentos específicos sobre legislação societária e de mercado de capitais, divulgação de informações, controle interno, código de conduta, da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção), e demais temas relacionados às atividades da empresa pública ou da sociedade de economia mista (art. 17, §4º).

[10] Cf. Não há como reconhecer direito adquirido em férias anuais de 60 dias aos Procuradores da Fazenda Nacional (STF, RE 954.968-SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, https://www.conjur.com.br/dl/gilmar-nega-ferias-60-dias-pfn.pdf ). Mérito: Recurso Extraordinário (RE) 594.481, com repercussão geral reconhecida, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, decisão de 21 de abril de 2020, https://www.conjur.com.br/2020-abr-21/stf-declara-inconstitucional-concessao-ferias-60-dias-pgfn).

[11] Sustento há vários anos a necessidade de vedação completa do chamado ‘dízimo partidário’, contribuição percentual realizada por nomeados para cargos em comissão sobre o valor de seus vencimentos em favor da agremiação política a que se vinculam, laço econômico de evidente cariz patrimonial, que apenas incentiva o loteamento dos cargos comissionados e o contínuo aumento de seu número ou de sua remuneração. Mais grave ainda, por óbvio, é o “dízimo individual”, a contribuição direta ou indireta, expressa ou oculta, do servidor comissionado em favor do dirigente que o nomeou ou para o seu fundo eleitoral, conhecido hoje pelo simpático nome de “rachadinha”, mas que em verdade nada mais significa do que o delito de concussão (art. 316 do Código Penal) ou peculato (Art. 312, caput, do Código Penal). De mesma sorte, é urgente a tipificação como crime de peculato da utilização de servidor comissionado para atividade privada, hoje conduta penal atípica, salvo para Prefeitos Municipais, pois, em relação a estes, existe previsão em lei que torna punível a conduta do Chefe do Executivo local que se utiliza, “indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos” (Decreto-lei nº 201/67, art. 1º, II,“in fine”).

 



Por Paulo Modesto (BA)

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